quinta-feira, 23 de julho de 2015

DIFICULDADE DE QUEM ESCREVE

Digamos que tenho na literatura uma ocupação. Partilho minhas energias através de duas academias e tenho participado ativamente do que fazem. Entre nós, há uma produção anual “pra ninguém botar defeito”. São textos em todos os gêneros, publicados em jornais,  revistas e na internet.  Entretanto, são poucos os que lograram se firmar como colunistas fixos em “A Gazeta”, por exemplo, ou conseguem chegar ao caderno “Pensar”, que até mudou de cara, mudou seu formato original, exclusivamente produção literária e onde também se nota que outros poucos publicam com bastante frequência, enquanto um bom número atesta não ter a mesma sorte.


Em dois ou três municípios vigora lei de incentivo à cultura,  excelente ajuda, mas que também por razões óbvias não contempla tantos. Por outro lado, mesmo editados, boa parte dos livros pode ficar empilhada em algum lugar na casa do autor, ou na casa do Presidente, tratando-se de academias.

Se vamos às livrarias, lá encontramos muito mais estrangeiros que brasileiros, estes mais prováveis, em se tratando de Fernanda Torres, ou Maitê Proença. Confirma-se que santo da terra não faz milagre.

As pessoas em geral, adoram ganhar seu livro, mas pagar por ele... nem pensar.

Ao lado disto, há a questão do pouquíssimo gosto pela leitura. Num desses passeios solitários pelas ruas do centro de Vitória, dia desses, chamou-me atenção sua desertificação, ao mesmo tempo, a multiplicação de farmácias. Em todos os bairros, elas também surgem imponentes a cada dia,  verdadeira opulência econômica atesta o quanto a população anda doente. Uma das causas, digo, sem receio de errar é também falta de leitura, leitura que instrui, abastece culturalmente, distrai e deleita, logo, manda para longe o estres.

Há lei que obriga, (coitada da lei), mas a maioria das escolas não conta com bibliotecas, os livros que ganham, segundo depoimento que ouvi, ficam no gabinete da diretora de onde acabam sumindo.

O alunado não tem estímulo para a leitura. Não conhece autores, há os que nunca leram um livro.

Sorteiam-se livros em eventos e nota-se que “todo mundo”  quer ganhar, mas há quem leva  para casa, guarda numa gaveta e pronto.

Atesta-se a generosidade dos autores que têm doado suas obras para escolas, na esperança de que haja proveito. Mas chega a ser doloroso, aliado à renuncia de ler, de prejuízo incalculável, está o não pensar que um livro tem preço não só material, mas equivalente ao longo trabalho que custou ao seu autor.

Nem se olvide que o conteúdo de muitos registra a história a qual a todo povo compete preservar.


O escritor pede ajuda, para produzir e que seu livro seja adquirido e lido. Quem quer ajudar?

terça-feira, 14 de julho de 2015

ERRO MÉDICO

                                                             Publicado em A GAZETA 14/01/2002

        Perda é coisa séria. Maior se de membro ou função, pior, se da vida. Pode ser que alguém venha a ser privado de um dedo, por exemplo, e não dê muita ou nenhuma importância a isto, como pode ser que para uma outra, signifique esconder sempre a mão ou o pé, de modo que ninguém veja.

        Nos últimos anos, a classe médica se transformou em uma das vítimas mais visadas, sendo expressibilíssimo, o número de ações submetidas à apreciação do poder judiciário em busca de reparação de dano pelo que é chamado “erro médico”.

        Como qualquer humano, o médico não esta imune da possibilidade de errar. Mas até dever por isto, responder seja civil, como criminalmente, há uma grande interrogação, cuja resposta não é tão simples.

Suponhamos que uma pessoa submetida a  intervenção cirúrgica, acabe vindo  a ser surpreendida por aquela  "manifestação exagerada na cicatrização  em alguma região do corpo” a que se dá o nome de quelóide.  Não se desconhece que o antiestético possa causar constrangimento; considerar erro médico, no entanto, é temeridade.  Uma mesma pessoa que pode formar quelóide em uma parte do corpo. em outra não acontecerá e com um mesmo cirurgião. A mão que acertou aqui, errou ali, ou aqui houve imperícia e ali não no mesmo dia? Antes se reconheça que se deparou com uma pessoa cujo organismo reúne predisposições que favorecem o surgimento queloidiano.

O cirurgião plástico Benjamim Gomes afirma categoricamente que se trata de lesão reparável mediante, por exemplo, remoção parcial por outra cirurgia e que é curável.

Ele e o Des. Pedro Feu Rosa foram debatedores em um Simpósio Nacional realizado em outubro passado em São Paulo, sob o tema “Cirurgia Plástica, Obrigação de meio”, destinado não só aos especialistas da área, mas também a juristas em geral.

Depois da cirurgia, um acidente qualquer pode modificar todo o curso planejado, pelo que não se imputará ao médico qualquer responsabilidade. Ele como qualquer profissional que se presa, quer ser reconhecido, elogiado, que se diga que fez feito bem feito. 

Já se tem notícia de alguns médicos que começam a evitar paciente de risco, por receio de vir a ser molestado com pedido de indenização. Já pensou se começa a ser freqüente.  A saúde que já é tão sacrificada sofrerá mais ainda.

É necessário que as pessoas tenham consciência e verifiquem o que realmente lhe possa ter acontecido. Tratamento médico consiste em prescrição de medicamentos ou procedimento de cirurgias mediante as quais se venha a colimar o resultado desejado.

A menos que a medicação seja diversa da que deveria ser, ou que o procedimento seja feito de forma incompatível com normas técnicas previamente definidas, ou contrarie recomendações com cuidados prévios, a obrigação devida é de meio e não de resultado.
                                                                       Marlusse Pestana Daher


A GAZETA 14/01/02

ESPANTOS E ENCANTOS


Rubson Marques Rodrigues 

Diga-me, caro filósofo,
por que não se espantou
com a morte trágica do ancião,
figura notável da região?

Por que haveria de me espantar,
se estava encantado
com o nascimento da filha
de uma humilde família?

Então me responda,
por que passou ao largo,
sem esboçar admiração,
pelas folhas verdes do agrião?

É porque estava maravilhado
com a vida que se renova
em uma folha seca jogada
às margens de velha estrada.

Estou mesmo assombrado
por não ter feito comentário
a respeito do trovão ensurdecedor
que a tempestade anunciou!

Arrebatava-me a bonança
que viria calma e serena,
e transformaria raios e ventania
em suave calmaria.

Só você não ovacionou
o discurso empolgante
do homem poderoso e culto
que tem riqueza de vulto.


Desculpe-me, caro amigo,
estava muito concentrado
no sorriso de um menino
cujo pai ganha salário mínimo.


Você é muito esquisito,
não tem os pés na terra,
de nada anormal se admira
e nas coisas raras nem se mira.


Espantar do incomum é normal,
ele tem em si um encanto natural,
mais vale se espantar do que é comum,
pois traz em si um encanto incomum.
Como se vê, meu caro amigo,
espanto e encanto movem o mundo:
O espanto é movido pela aparência,
e o encanto, pela essência.


O homem traz dentro de si
a capacidade de se espantar,
mas se tem um deus dentro de si
ele é capaz de se encantar.



quinta-feira, 2 de julho de 2015

O CENTRO MORREU?




Av. Jerônimo Monteiro
Na última quarta-feira, ontem, 1 de julho,  decidi fazer uma caminhada a pé, pelo centro de Vitória. Tinha o propósito de rever aquelas pequenas multidões as quais nos habituamos encontrar o que sempre me propiciou uma visão ou aspecto do que é a vida, de como caminha a humanidade. Uns, imersos nos seus pensamentos caminham com passos mais céleres, têm onde devem chegar e no horário aprazado. 

Outros, não caminham simplesmente, estão ocupados, mas não premidos pelo tempo até chegam a parar para uma conversinha com algum conhecido encontrado.  Outros caminham sem direção, não têm destino definido, a procura de emprego, quem sabe.
Não tive dificuldade para chegar ao outro lado da rua, caminhava pela calçada da Fafi, o sinal fechou e fiz calmamente a travessia, ninguém disputou comigo chegar primeiro do lado de lá.

Na  Jerônimo Monteiro, eram poucos os carros e muito menos a gente. Perto da escadaria, um vendedor me oferece água-de-coco, natural ou gelada, recuso, não me pareceu bastante limpo seu equipamento, apesar de ter sede.
Em frente ao Palácio Anchieta
Adentro a Barão de Itapemirim, toda para mim e mais umas duas ou três pessoas que passavam por lá. Quase perto da Livraria Paulinas reparei que a loja do lado, estava fechada e então volto alguns passos para ter certeza: naquele correr, onde havia lojas de móveis, eletrodomésticos, de enxovais e móveis para bebê todas cerraram suas portas. Curioso que exatamente no mesmo momento, tendo compreendido a constatação que eu fazia, um senhor comenta comigo o fechamento do comércio.

Entrei na livraria, esta mantém-se arrumada e atraente. A loja seguinte também está fechada, exibindo uma vidraça cheia de poeira e móveis jogados de qualquer jeito no seu interior. A sapataria da esquina faz ofertas, mas ninguém estava lá dentro para comprar.

Meu Deus, a calçada do imponente Teatro Carlos Gomes, aumentou seu ser galeria de ambulantes. É a imagem perfeita de uma feira popular. A doceira faz ali mesmo as cocadas que vende. Acrescenta-lhe propriedade, a predominância do amarelo ouro que exibe a mexerica polcam cuja produção tudo indica foi abundante este ano.  

Os bancos da praça estão vazios, seus frequentadores ou provavelmente, já empreenderam volta à casa do Pai, ou já não sentem nenhum atrativo pelo espaço, embora a brisa do mar continue soprando, tangendo as folhas das preservadas árvores seculares. Até na calçada, onde geralmente se posiciona a viatura policial já tem camelô que só fala português, por monossílabos...

Ninguém sobe nem desce pela escada que chega atrás da Catedral.

Está lá a Escelsa e ao invés, dentro dela, filas e mais filas. Ai a coisa  fica feia para a pobre principalmente ou gente usuária da cada dia mais cara energia elétrica.
Escadaria Maria Ortiz
O casarão antigo ao lado, início da subida pela Duque de Caxias, continua abandonado, não se tornou sede do Patrimônio Histórico Nacional, como alguém me informou que viria a ser, quando o pleiteei para sede da ‘Academia Feminina espírito-santense de Letras’. E olha que já se passaram mais de dez anos.

Estou novamente na Jerônimo Monteiro, agora mais ao centro. Não vi mais o ponto de ônibus, não é preciso caminhar em “zig zag” desviando-se de quem vai e de quem vem, a calçada está vazia. Nossa... as lojas estão horríveis. As roupas quase amontoadas na amostra, os calçados de qualquer jeito, tudo revela péssima qualidade. Não há arrumação. Ainda existem as vitrines, mas muito deterioradas, sem luzes... Até aquela loja (de grande cadeia) em frente ao correio (no sinal) tem estoque reduzido e está em liquidação.

Conferi, o relógio da Praça Oito trabalha com precisão marcando o tempo. Atravesso a rua e empreendo volta pela Princesa Isabel, onde a  desolação é a mesma. Única imponência era daquele homem fardado de campanha, com o amigo fiel que o acompanha onde quer que vá, já o vi outras vezes por ai.

O Banco do Brasil da Praça Pio XII parece que fazendo mais uma das tantas reformas... Sigo até o AMES, onde deixei meu carro, que pego e volto para casa, carregando esses pensamentos e outros que não entraram neste enredo.

No norte do Estado, existe uma cidade e nela um bairro na parte da baixa onde por perto corre um rio de águas mansas... Teve seu apogeu, mas agora virou motivo de constantes protestos de moradores nostálgicos que reivindicam o que contextualmente se sabe que nos termos que pensam, é impossível dar. Recuso-me admitir, mas pode ser o que acabará acontecendo, guardadas as devidas proporções, com o centro da cidade sol, de um céu sempre azul. É uma pena.

  Vitória, 2 de julho de 2015 - 14:51


domingo, 28 de junho de 2015

A ESPERANÇA NOS MOVE


Cardeal Orani Tempesta

Vivemos momentos complexos em nossa sociedade! Perseguições, vilipêndios, martírios, intolerâncias, fanatismos ideológicos, culturais, sociais e religiosos, laicidade mal compreendida, o Estado ocupando o lugar da família na educação dos filhos, promessas de solução da violência juvenil com encaminhamentos falaciosos, intolerância religiosa em todos os níveis e certo anticatolicismo espalhado pelo mundo. Sabemos que nesse tempo de “mudança de época”, todos estes conceitos e práticas arraigadas em filosofias e visões do mundo, que já há séculos vêm sendo fermentadas na sociedade, devem passar por uma reflexão profunda para que possamos escolher o melhor caminho para o futuro. Estamos colocados diante de uma situação que necessita de um grande discernimento.
Já há muito tempo que no Brasil e no exterior acompanhamos as manifestações de intolerância religiosa em várias modalidades e contra os mais diversos credos, mas também um aumento da violência e insatisfação com revoltas. Existe um clima da necessidade de tempos novos no ar! Eis a oportunidade de uma séria reflexão e escolhas para o futuro. Aparece um direcionamento para banir da sociedade em geral os valores humanos transcendentais e sagrados em favor de um laicismo agressivo, fanático e intolerante.
Quando recebi, no Palácio São Joaquim, na manhã do dia 19 de junho, sexta-feira, a menina Kailane Campos, de 11 anos, que foi atingida por uma pedrada na cabeça por ser reconhecida pela sua religião porque estava vestida com as roupas próprias do Candomblé, na Vila da Penha, aqui no Rio de Janeiro, além do fato pessoal, pude ver no gesto com uma criança uma terrível intolerância religiosa que chegou também em nosso país, infelizmente. No citado encontro, em nome da Arquidiocese, ocasião em pude expressar a nossa solidariedade e reafirmar sua abertura ao diálogo com outras religiões, contamos também com a presença da avó de Kailane, Kátia Marinho, que estava com a menina no momento da pedrada. Representantes da Comissão Arquidiocesana de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso e da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa também participaram da reunião. Este foi um dos fatos dentro de tantos outros que ocorreram aqui no Brasil e no exterior.
Neste ano em que comemoramos os 50 anos da conclusão do Concílio Vaticano II é bom recordar que “a Igreja, por conseguinte, reprova toda e qualquer discriminação ou vexame contra homens por causa de raça ou cor, classe ou religião, como algo incompatível com o espírito de Cristo”. E ainda recorda, citando 1Ped 2,12: “Quanto deles depende, mantenham paz com todos os homens, de modo que sejam verdadeiramente filhos do Pai que está nos céus” (Nostra Aetate 5).
Os fatos atuais devem nos levar à reflexão e à tomada de consciência quanto ao nosso respeito pelo próximo e pelos valores religiosos que lhe são subjetivamente caros, dado que ele, na fé cândida, pratica seu culto sem prejudicar o bom andamento da reta ordem e sem desrespeitar os demais credos religiosos da sociedade pluralista em que vive. Ora, se ele respeita, por que não mereceria reciprocidade?
Aliás, a própria Bíblia, Palavra de Deus escrita, nos adverte sobre isso ao nos ensinar o seguinte: “Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb 4,15), ou “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7,12). Não está já aqui um importante ponto de reflexão sobre a nossa conduta humana com relação a quem professa uma fé diferente da nossa?
Não pensemos, contudo, que são fatos isolados estes que estamos abordando; não, eles parecem mais ou menos organizados, como dizíamos, para derrubar tudo o que represente algo de sagrado na humanidade, a fim de dar lugar a um secularismo doentio e desumano, pois, feito para Deus, o ser humano não descansa enquanto não repousa n’Ele já, provisoriamente, aqui neste mundo e, definitivamente, na eternidade.
Nós lamentamos muitas situações de intolerância! Que se veja os martírios dos cristãos, que se reflita sobre o vilipêndio e desrespeito aos templos queimados, a imagens religiosas tanto no exterior como aqui entre nós. Em alguns lugares se proíbe e se destrói, em outros (como aqui), além de quebrar, vilipendiam como que insultando todos os que têm nesses símbolos um sinal querido e amado.
Creio que necessitamos de uma reflexão aprofundada, que gostaria de iniciar mesmo sabendo que isso merece um pouco mais de considerações. Vamos iniciar com uma abordagem sobre as orientações laicas, que desejam manipular as religiões e seus ensinamentos.
Dois pronunciamentos mais ou menos recentes nos fizeram constatar isso e, por essa razão, é oportuno que nos atentemos a eles, ainda que de passagem. O primeiro vem do Sr. Vincent Peillon, ministro da Educação na França, em 2013, com as seguintes palavras: “Até agora foi feita uma revolução essencialmente política, mas não a revolução moral e espiritual. Deixamos à Igreja Católica o controle da moral e do espiritual. Agora é preciso substituir tudo isso (...). Jamais poderemos construir um país de liberdade com a religião católica. É preciso inventar uma religião republicana que deve ir junto com a religião material, religião que, de fato, é a laicidade. E é por causa disso, aliás, que no início do século XX se começou a falar de fé laica, de religião laica” (Obedecer antes a Deus que aos homens, p. 84).
O segundo discurso é bem recente, parte da Sra. Hillary Clinton e foi proferido em 24 de abril último no Lincoln Center de Manhattan. Ali, ela expôs de modo claro que “os códigos culturais profundamente arraigados, as crenças religiosas e os enfoques culturais devem ser modificados”, desde que privem a sociedade de desfrutar da “saúde reprodutiva”, termo ambíguo denunciado mais de uma vez pela Santa Sé como fruto de engenharia de linguagem para designar o aborto.
Indo além, a pré-candidata à presidência dos Estados Unidos, na convenção de seu partido, defendeu um Estado autoritário e controlador ao declarar que “os governos devem empregar seus recursos coercitivos para redefinir os dogmas religiosos tradicionais”. Essa coerção levaria à troca dos dogmas religiosos pelos do Estado laicista e perseguidor das religiões, uma vez que estas lembram o Transcendental. Lembram que nenhum poder têm os governantes deste mundo se ele não vier do alto (cf. Jo 19,11).
A fala da Sra. Clinton causou grande repercussão nos Estados Unidos, de modo que Bill Donohue, dirigente da Catholic League, pode declarar que “nunca antes se viu um aspirante à presidência dos Estados Unidos atacar diretamente os ensinamentos da Igreja Católica”, mas até aí chegou a intolerância religiosa naquele país que sempre se arvorou em defensor das liberdades individuais ou do homem livre.
Esses discursos que não se intimidam em deixar transparecer o ódio à fé católica e cristã em geral vão além em outras falas ou escritos que também atacam a religião de uma maneira mais ampla, como se fosse ela um grande mal para a humanidade e precisasse ser extirpada a fim de que o ser humano pudesse ser feliz, segundo dizem. Na realidade, porém, se dá exatamente o contrário, conforme asseguram renomados estudiosos: a fé é um alimento propulsor da humanidade para o progresso desde a Antiguidade até nossos dias.
Sim, o sinântropo, ou o homem de Pequim, por ter os vestígios descobertos em Chou-Kou-Thien, a 50 km da atual capital da China, intriga os estudiosos por revelar três aspectos muito importantes: a) sabia produzir e usar o fogo, algo impossível a infra-humanos; b) utilizava instrumentos devidamente talhados ou trabalhados, reveladores de capacidade de invenção e reflexão, dado que preparavam um objeto com finalidades bem próprias; c) expõem grande respeito perante o mistério da morte, com ritos fúnebres, que dão a entender uma crença no além ou numa Divindade. Daí constatar Bergounioux: “Seria imprudente deduzir desses fatos (os três atrás recenseados) conclusões demasiado precisas. Contudo, é necessário registrar cuidadosamente essas manifestações de vida de uma tribo ditadas por preocupações já não meramente materiais e já características de uma consciência religiosa que veremos expandir-se e aprimorar-se no homem da etapa seguinte” (Les Relligions des Prehistoriques et des Primitifs, coleção Je sais – jê crois nº. 140. Paris, 1958, p. 14 apud E. Bettencourt, OSB. Teologia Fundamental. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2013, p. 43).
O famoso psicanalista Carl Gustav Jung, mais recentemente nos assegura o seguinte: “De todos os meus pacientes na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de trinta anos, não houve um cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão de sua atitude religiosa. Todos, em última análise, estavam doentes por ter perda daquilo que uma religião viva sempre deu em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum se curou realmente sem recuperar a atitude religiosa que lhe fosse própria” (cf. N. da Silveira. Jung: vida e obras, p. 141s).
Visto isso, não é mais possível negar o valor da religião, do sagrado entre os homens, pois sem Deus, como instância superior, o homem se torna lobo do homem e se arroga no direito de ocupar o lugar do Criador, a fim de menosprezar o seu próximo seja por ideologias de cunhos totalitários que conseguiram chegar ao governo de alguns países, seja por outras que – como a ideologia de gênero – vai tentando se implantar nos programas educacionais de nossos municípios para procurar deixar Deus e a natureza humana em segundo plano a fim de manipular o homem e a mulher segundo os caprichos desses mesmos ideólogos de plantão. Mas toda religião bem vivida se opõe a isso e a outras formas de opressão. Daí o desejo de removê-las do caminho revolucionário de qualquer modo.
Uns optam por ridicularizá-la intelectualmente, outros por persegui-la a partir de sistemas de governo autoritário, outros ainda por meio de recursos de manipulação de linguagem ou da hipocrisia verbal, que vai substituindo conceitos clássicos por novas linguagens, desejam nos fazer crer, quase sem perceber, que é necessário apagar da sociedade tudo o que ainda nos leve a Deus. Já alguns outros preferem o ataque frontal com bombas, pedras, tiros, pichações em templos, destruição de imagens ou símbolos religiosos diversos. É a intolerância em seus vários níveis e que precisa ser combatida.
Daí, em 1º de janeiro de 2011, por ocasião do Dia Mundial da Paz, o Papa Bento XVI pedia: “Diante das tensões ameaçadoras do momento, especialmente a discriminação, o abuso de poder e a intolerância religiosa que hoje atingem particularmente os cristãos, eu volto a fazer um convite premente para que não cedam ao desânimo e à resignação”. (...) “Eu exorto todos a rezar para que os esforços feitos por muitos lados para promover e construir a paz no mundo tenha um bom resultado”, dizia.
Também o Papa Francisco nos exorta: “No mundo e nas sociedades existe pouca paz, também porque falta diálogo e há dificuldade de sair do horizonte limitado dos interesses próprios, para se abrir a um confronto verdadeiro e sincero. Para que haja paz é preciso um diálogo persistente, paciente, forte e inteligente, para o qual nada está perdido” (...). “Nós, líderes religiosos, somos chamados a ser verdadeiros ‘dialogantes’, a agir na construção da paz, e não como intermediários, mas como mediadores autênticos. Os intermediários procuram contentar todas as partes, com a finalidade de obter um lucro para si mesmo. O mediador, ao contrário, é aquele que nada reserva para si próprio, mas que se dedica generosamente, até se consumir, consciente de que o único lucro é a paz. Cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz, unindo e não dividindo, extinguindo o ódio em vez de conservá-lo, abrindo caminhos de diálogo em vez de erguer novos muros! Dialogar, encontrar-se para instaurar no mundo a cultura do diálogo, a cultura do encontro”. (Papa Francisco. A Igreja da misericórdia: minha visão para a Igreja. São Paulo: Paralela, 2014, p. 97-98).
Se essas palavras se fizerem ações em nossa vida, na de todos os líderes religiosos, ou não, certamente o mundo terá alcançado uma fase da civilização do amor e teremos menos guerra e mais paz em todos os meios, a começar em nossa casa, na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade até estender-se pelo país e pelo mundo inteiro. Isso, no entanto, tem de começar de nós, de nosso coração, de dentro para fora e não o contrário.
Ainda recordando o cinquentenário do Concílio Vaticano II é bom salientar que: “... ainda existem regimes que, embora reconheçam em sua Constituição a liberdade do culto religioso, levam assim mesmo seus poderes públicos a empenhar-se em afastar os cidadãos da profissão da religião, dificultando ao máximo e pondo até em perigo a vida das comunidades religiosas” (Dignitatis Humanae 15). E ainda: “os homens todos devem ser imunes da coação tanto por parte de pessoas particulares quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano, de tal sorte que em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de acordo com ela, em particular e em público, só ou associado a outrem, dentro dos devidos limites” (DH 2).
Só assim será possível dizer um basta bem forte a todo tipo de preconceito religioso ou social injusto, e juntos afirmar que somos, realmente, filhos de Deus e irmãos e irmãs de verdade querendo um mundo mais justo, humano e fraterno e agindo para que isso realmente aconteça. As pedras, as intolerâncias, os vilipêndios, os martírios, os escritos ou desenhos difamando símbolos religiosos, a compreensão maldosa do estado laico e tantas outras situações nos fazem pensar sobre qual a direção de nossa sociedade. Verdi, ao escrever a ópera Nabucco em 1842, fez com que o cântico do “coro dos escravos hebreus” servisse analogamente para despertar o nacionalismo italiano quando estavam dominados por forças estrangeiras, recordando a saudade da liberdade “ó minha pátria, tão bela e perdida” sonhando com os pensamentos navegando por asas douradas! Para nós, cristãos, hoje esse anúncio é claro: é nesse momento que nós anunciamos o Cristo Ressuscitado e somos testemunhas da esperança neste mundo mudado, cansado e abatido. Cristo venceu a morte e o pecado e n’Ele nós vivemos, nos movemos e somos!


Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

sexta-feira, 26 de junho de 2015

IRMANDADE DOS HOMENS PRETOS

Irmandade dos Homens Pretos



A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é uma confraria de culto afro-brasileiro, congregados em torno da devoção a Nossa Senhora do Rosário.

Origens da devoção a Nossa Senhora do Rosário

A devoção a Nossa Senhora do Rosário tem sua origem entre os dominicanos, por volta de 1200. São Domingos de Gusmão, inspirado pela Virgem Maria, deu ao rosário sua forma atual. Isto pode ser comprovado em episódios revelados em sua iconografia. A primeira irmandade do rosário foi instituída por eles em Colônia (Alemanha), em 1408. Logo a devoção se propagou, sendo levada também por missionários portugueses ao Reino do Congo.

A irmandade de Nossa Senhora do Rosário no Brasil

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário chegou ao Brasil no século XVI. Em Santos, a igreja matriz já tem como padroeira Nossa Senhora do Rosário. No século XVII, esta mesma imagem de Nossa Senhora é a padroeira principal de Itu, Parnaíba e Sorocaba. A partir do fim do período colonial, as irmandades do Rosário passam a ser constituídas pelos "homens pretos".
No Brasil, ela foi adotada por senhores e escravos, sendo que no caso dos negros ela tinha o objetivo de aliviar-lhes os sofrimentos infligidos pelos brancos. Os escravos recolhiam as sementes de um capim, cujas contas são grossas, denominadas "lágrimas de Nossa Senhora", e montavam terços para rezar.
Registra-se as seguintes datas de fundação das Irmandades dos Homens Pretos:
A Irmandade do Rosário possuía a seguinte hierarquia: a Mesa Administrativa, o Conselho de Irmãos, a Coorte e o Estado Maior com suas Guardas. Em alguns lugares, devido à perseguição promovida pelo clero, algumas destas irmandades desvincularam-se da Igreja Católica. Mais recentemente, em algumas dioceses há uma reaproximação, através da Pastoral Afro-Brasileira.
Com quase três séculos de existência, a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos é uma referência para movimentos de consciência negra, porque apresenta uma tradição religiosa que remonta aos tempos dos primeiros escravos. Texto de Maria José de Deus.

Irmandade dos Homens Pretos em São Paulo

A Irmandade sofreu as agruras de ver sua primeira igreja, na Praça Antônio Prado, construída em 1725 com a arrecadação de doações e esforço dos malungos (irmãos), ser demolida para dar lugar a projetos de urbanização da Província.
Os negros conseguiram manter relativo patrimônio ao redor dessa igreja, casas simples serviram para atividades religiosas, acolhimento dos alforriados e a administração da Irmandade, composta de diretoria e mesários.
Hoje, esse estilo colonial permanece nas dependências da igreja que, por ser capela, está sob a jurisdição da paróquia de Santa Ifigênia. No subsolo fica a mesa administrativa, onde os irmãos se encontram para a celebração da missa de domingo, para confraternização e para a distribuição mensal de cerca de 150 cestas básicas. Eles vivem esses momentos agradáveis e de decisões em meio a recordações, mantidas num acervo de pinturas, ilustrações, fotografias, imagens e documentos que trazem à lembrança os primeiros irmãos. "Eu me emociono e sinto um grande amor por tudo isso aqui", revela Cleofano de Barros, há 50 anos na Irmandade.
A eleição da diretoria é anual para os cargos de juiz provedor, secretário, tesoureiro e procurador, que exercem atividades administrativas e pastorais na comunidade, incentivando a formação da juventude, de equipes de música e de liturgia. Nessa ocasião, também são eleitos os festeiros, o rei e a rainha, que juntos com o juiz e a juíza organizam, durante o ano, com o apoio das irmãs e dos irmãos, as festas de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. "A Irmandade conseguiu agregar um número considerável de afro-brasileiros. Somos cerca de 220 membros", diz o juiz provedor Marcelo Antonio Saraiva, 32 anos.
Os irmãos recebem pesquisadores, religiosos e pessoas de outros Estados e até do exterior, interessados em conhecer e estudar as razões de tanta longevidade e que ficam deslumbrados com o interior da igreja, que apresenta uma variedade de detalhes na pinturas das paredes, nas vestimentas e adornos dos santos, nas luzes do altar-mor que refletem entre lustres, candelabros e flores. "Só a devoção a Nossa Senhora foi capaz de manter-nos unidos, com a Irmandade aproximando-se dos 300 anos, e trazendo com a religiosidade, a conscientização capaz de forjar o surgimento de outros movimentos negros", esclarece a advogada e ex-deputada estadual, Theodosina Rosário Ribeiro, que já foi juíza, é mesária, e ainda faz parte da equipe litúrgica.

Tradições e festejos

A festa de Nossa Senhora do Rosário era conhecida como da Oraga, que quer dizer padroeira. Essa designação foi usada até o Concílio Vaticano II, quando as missas eram rezadas em latim e a ladainha cantada. "Há alguns anos, os festejos se estendiam até à noite, mas com a cidade de São Paulo cada dia mais violenta, preferimos realizar a celebração durante o dia", revela Jonas Gregório Lucas, mestre de cerimônia. Há 40 anos na Irmandade, Jonas acrescenta que ainda são conservadas tradições nas festas e posse dos irmãos e irmãs, quando os homens usam a opa, uma vestimenta sobre os ombros e as mulheres, fita azul sobre vestidos pretos ou brancos. No primeiro domingo de outubro, quando é realizada a festa do Rosário, a igreja vive momentos de esplendor com missa solene, coroação de Nossa Senhora, almoço para a comunidade e irmandades de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro. Nesse dia, o povo sai em procissão pelas ruas do centro, cantando e acompanhando a banda de música, as crianças vestem-se de anjos, cumprindo as promessas dos pais, os irmãos e irmãs carregam os andores, o rei e a rainha as coroas, lembrança dos reisados e congadas. "Sinto muito alegria em ser a madrinha e responsável em levar o estandarte de Nossa Senhora", conta Lucy Mineiro, que neste ano passará a incumbência para outra irmã, já que foi escolhida para ser a rainha.