quinta-feira, 11 de julho de 2013

A LUZ DA FÉ

LUZ DA FÉ, 1ª ENCÍCLICA DO PAPA FRANCISCO

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)

Era bem esperada uma encíclica sobre a fé, ainda no pontificado de Bento XVI. De fato, ele já havia escrito uma sobre a caridade (Deus caritas est – Deus é Amor) e uma sobre a esperança (Spe salvi – Salvos na Esperança). Faltava uma sobre a fé, para completar a trilogia de ensinamentos pontifícios sobre as virtudes teologais, dons preciosos recebidos  de Deus no Batismo. E foi o papa Francisco quem nos deu a encíclica Lumen Fidei (A Luz da Fé), sobre a fé, bem no decorrer do Ano da Fé. Ele mesmo, no entanto, já havia dito, quando a anunciou há poucas semanas, que seria uma encíclica “escrita a quatro mãos”, uma vez que seu predecessor já havia trabalhado, antes de abdicar ao pontificado, em vista de sua publicação.
A encíclica nos vem, não apenas para a melhor vivência do o Ano da Fé, mas para compreender e viver melhor a própria fé. Não é um texto para ser analisado com mera curiosidade intelectual, ou com o intuito de fazer uma análise teológica sobre ele; seria muito pouco. Bem mais, ele deve ser lido e degustado com o desejo de compreender e acolher cada palavra dita com amor de pai por quem fala com a sabedoria adquirida ao longo de uma longa existência e com o desejo de comunicar coisas essenciais à vida dos filhos...
É interessante notar que o Papa não fala da fé a partir das “verdades da fé”: o primeiro capítulo traz o título – “acreditamos no amor”. Nosso ato de fé é precedido pelo amor de Deus, que se manifesta ao mundo e nos faz experimentar seu amor salvador; a experiência do amor precede a fé! Não é também isso que acontece entre as pessoas? Quando duas pessoas se amam verdadeiramente, elas passam a acreditar profundamente uma na outra...
É o que já ouvimos do papa emérito Bento XVI em outras ocasiões: nossa fé e nossa experiência religiosa não decorrem de uma doutrina perfeita, nem de um ideal ético altíssimo, mas do encontro com a pessoa de Deus, amoroso e fiel, que se revelou, veio ao nosso encontro e nos amou. É a isso que o Papa se refere quando fala, na encíclica, sobre a Abraão, nosso pai na fé, a experiência histórica e mística do Povo de Israel, a vinda do Filho de Deus ao mundo e a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
“Ele me amou e por mim se entregou na cruz”, exclama São Paulo, depois de fazer a experiência do encontro com Jesus Cristo no caminho de Damasco; sua fé foi vivíssima e inabalável porque experimentou o “mistério” do amor de Deus, manifestado em Cristo Jesus. Para os apóstolos e para os grandes cristãos, que foram e são os santos, falar da fé não significou tratar de verdades abstratas, bem elaboradas pela razão humana; eles falavam, antes de tudo, da pessoa de Deus e de Jesus Cristo, de sua ação envolvente, especialmente de seu amor misericordioso e de sua providência. As verdades da fé e da moral, também elaboradas bem como doutrinas, seguem depois disso.
A encíclica fala, no capítulo 2º, que é preciso crer para compreender; de fato, a fé é um dom sobrenatural, que nos é dado como luz forte, que nos faz perceber melhor aquilo que queremos compreender. É o contrário do que, geralmente, as pessoas imaginam: não é “ver para crer”, mas “crer para ver”. Na ordem da fé, podemos dizer: quem crê, compreende mais e melhor. Não é que a fé dispensa o esforço da razão e o estudo: fé e razão completam-se e não devem ser opostas, nem tidas como excludentes.
Um belo capítulo trata da transmissão da fé: esta é uma das preocupações sérias da Igreja em nossos dias. O papa fala que a Igreja é “a mãe da nossa fé”. Esta não é um fato individual e subjetivo: aquilo que cremos foi transmitido a nós, vem de longe, dos apóstolos! “Transmiti-vos aquilo que eu mesmo recebi”, observou S.Paulo (1Cor 15,3). Cremos no testemunho de quem creu primeiro; e temos motivos bons para fazer isso! Cremos com quem já creu, os mártires, os santos, os mestres da fé ao longo da história. Cremos e temos o compromisso de continuar a transmitir hoje essa preciosa herança da fé!

Enfim, a encíclica trata das obras da fé. “A fé, sem as obras, é morta em si mesma”, já advertia São Tiago! Mas não se trata de opor as obras à fé: estas são decorrência e fruto da fé verdadeira. Crendo, nós nos colocamos na sintonia com o plano de Deus sobre este mundo e sobre a nossa vida. E então surgem as obras da fé e cessam as obras contrárias à fé, porque são contrárias a Deus e ao seu amor!

Obs: A encíclica pode se captada através do google, por exemplo. 

UNIÃO ESTÁVEL,OUTRAS QUESTÕES

        Ninguém duvida que nossa legislação por numerosa que seja, não atende a demanda de questões postas à decisão pelo Poder Judiciário. Assim é que, não raro,  acabamos por nos deparar com o que se chama de lacuna da lei, ou seja,  com seu silêncio a respeito de um assunto ou outro, colocando algum obstáculo a respostas efetivas pela sociedade esperadas.

É que a legislação não tem conseguido acompanhar os tempos, mais precisamente, a multiplicidade de situações que o homem cria no curso de sua existência, atendendo ora a razão, ora a paixão, enfim,  dando azo aos apelos que a vida lhe faz.

        Entretanto, nada justifica que um Juiz pudesse vir a omitir-se na prestação jurisdicional, alegando lacuna da lei. O Judiciário se erige como poder,  exatamente como forma de dizer presente e ter, em nome da justiça,  resposta efetiva e pronta ao conflito suscitado. Não poderá deixar sem decisão qualquer questão que lhe seja proposta. Neste sentido, de forma sábia afirmam  Aftalión, Garcia y Vilanova[1],  com os quais comungo no sentido:
 

“Contra la opinión de algunos autores, que han sostenido que en el ordenamiento jurídico existen lagunas – o sea, casos o situaciones no previstas – que sería necesario llenar o colmar a medida que las circunstancias mostrasen la conveniencia de hacerlo, debemos hacer notar que el ordenamiento jurídico es pleno: todos los casos que puedan presentarse se encuentran previstos en él (...)  No hay lagunas, porque hay jueces”.


        Desde que a Constituição de 1988, demonstrando solicitude ante a situação concreta de conviventes, pessoas que sem o selo legal, entre si pactuaram tacitamente, obrigações recíprocas, erigiu-a à condição de família, duas leis foram editadas. A primeira, Lei 8.971/94, cognominada lei dos concubinos. A segunda, Lei  9.278, de 10 de maio de 1996, regulamentando,  da Constituição Federal:

 
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.


        A partir de então, ao menos dois aspectos vêm apresentando alguma dificuldade: convivência duradoura e sua respectiva repercussão sobre o patrimônio, quando há. 

 Convivência duradoura

Na regulamentação do dispositivo constitucional acima , veio dizendo o art. 1º da lei citada: É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

        Pergunta-se como é que deve ser entendida essa convivência duradoura ou  como deve ser reconhecida.  Não é sem razão. Como família, não difere da que se forma mediante casamento. E há casamentos que terminam no dia seguinte até, quanto mais há os que duram apenas alguns meses, pouquíssimos anos, menos de cinco, muitos. E cinco anos é o lapso que o Instituto Nacional de Seguridade Social sempre prescreveu como forma de caracterizar a relação dos outrora companheiros, até amantes, para conceder-lhes benefício.

        Logo, se o fato de no casamento não carecer de tempo para configurar o que anteriormente entre os contraentes foi pactuado,  dir-se-á ser porque se processou segundo as regras civis. Mas mais que de casamento fala-se em família e é à família que foi  assegurada pela Constituição, a proteção do Estado.

Na hipótese de ter havido casamento entre duas pessoas, isto é, tenha havido celebração: do pacto anti nupcial ao ato consumativo, ao ser proclamado: “eu vos declaro marido e mulher”, na hipótese de que jamais venham a coabitar ou conviver, se entre os dois não há aquele respeito recíproco recomendado aos cônjuges, se cada um continua adotando o comportamento que antecedeu à celebração; se mesmo vindo a terem filhos, ignoram-nos, poderá ser admitido que a intenção foi outra, jamais que tenham sido movidos pelo ânimo de constituir uma família.

Ao invés,  entre os que apenas convivem, mas agem em sentido oposto, visíveis aquelas características, teremos a família. Além disto, não é que seja grande a dificuldade do reconhecimento, pois, o que vai caracterizar uma  convivência duradoura, está previsto na própria lei, ou seja, que seja pública, contínua, entre  um homem e uma mulher, e que tenha sido com o fim de  constituição de uma  família.

O lapso de tempo se confunde com o ânimo do qual se alimentam os que se unem.  Não será o tanto em anos que caracterizará a  união estável, mas repete-se, a prova de que ao se unirem foram determinados pelos pressupostos evidenciados e que a caracterizam.

Como já escrevi em outro artigo[2]: “a dificuldade se evidenciará na hora de eventual necessidade de postulação em juízo, porque,  assim como não basta dizer ao Estado Juiz, eu sou casado com fulano, mas tenho que provar mediante exibição de certidão do registro respectivo do meu casamento, não basta que eu diga, vivo, convivo, desde tal dia, ou por este tempo com A.  Preciso provar”. Entendo que esta prova  possa ser produzida antecipadamente e será facilitada pela presença de filhos. Uma forma é valer-se do que dispõe o art. 861 do Código de Processo Civil:  “quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção”, ao Juiz.

Já adotei este procedimento há mais de vinte anos atrás, quando procurada por um casal que se preocupou  com a situação em que conviviam, na hipótese principalmente da morte dele, com bem mais anos que ela e porque em seu nome estavam todos os bens que tinham.

A prova testemunhal, por alguém já cognominada  “a prostituta das provas” continua sendo meio idôneo,  até porque,  quando desde sempre admitida,  o foi em nome do respeito que se deve tributar à palavra cidadã de todo homem, proferida consoante o dever cívico de ser  honesto e verdadeiro.

Efeitos patrimoniais da União Estável

        O termo patrimônio na sua origem latina traduz “patris” = do pai, mais “munus” = ofício, encargo. O  “pater famílias” era o único detentor da propriedade de todos os bens. Hoje, vulgarizado o termo, corresponde ao conjunto de  bens que alguém tem ou ao conjunto de bens de que alguém é titular com as obrigações que disto decorrem.

         No casamento, no que diz respeito ao patrimônio, admite-se a opção por uma das três modalidades: comunhão universal ou pela parcial de bens, como de sua total separação.

         Erigida à condição de família a união estável, a ela se reconhece na hipótese de rescisão (termo com que a lei se exprime ao mencioná-la), o direito de partilha dos bens. Daqui nasce a questão de como se fará? 

         Em princípio,  responder-se-á, tal qual se faz na separação ou no divórcio. Mas em qual das formas? No casamento,  a escolha prévia determinou o regime, o que não acontece na união estável.

         A lei não diz. Mas nem nesta hipótese falar-se-á de lacuna, pois, o ordenamento jurídico reservou a determinado agente, no caso,  ao juiz, a atribuição de dizer sobre o fato concreto que lhe for apresentado.  Que se valha por conseguinte,  do disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil:  “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

        Como de acordo com a analogia? pelos ditames do bom senso. Como segundo os costumes? segundo o que ouve do povo do qual deve estar muito perto, para não correr o risco de errar, mesmo quando aplicar exclusivamente a lei; e quanto aos princípios gerais de direito, porque os homens já não terão o que inovar em se tratando de si mesmos. Quando pensarem que estarão dizendo algo que seja novo, retrocedam e saibam que no passado,  já houve alguém que disse o que estará dizendo.

        Pessoalmente, considero que se devam adotar as regras previstas para a comunhão parcial de bens, ou seja, será partilhado o patrimônio comprovadamente acrescido no curso da convivência,  pelo esforço comum dos que a constituem, isto é, dos conviventes.

             Diversamente,  a equiparação de direitos entre os que se casam e os que apenas convivem os desigualaria,  pois, reconheceria  a estes um direito mais amplo que àqueles, ferindo o bom senso e a própria justiça.

         Vai chegar o dia em que os que decidirem conviver sem satisfação dos preceitos civis que se aplicam ao casamento, concluirão pela necessidade de contratar expressamente sobre como deverá ser interpretada suas vontades[3]. Estarão condicionados somente a se haverem nos limites do que seja lícito, sendo ambos capazes e sem ferir qualquer preceito de lei.  Aliás, tal e qual já previa o Código de Hamurabi – dezoito séculos antes de Cristo: art 128 - Se alguém toma uma mulher, mas não conclui um contrato com ela, esta mulher não é esposa.

 
Conclusão


        Trata-se  de assunto novo no mundo jurídico, outras dúvidas virão, outras questões serão postas.

         Quando os juízes e tribunais, mediante boa argumentação jurídica, que por sua vez deve brotar da pena das partes,  forem provocados,  se fará claridade nestas sombras e cada um confirmará o que já lhe dita o bom senso do qual o direito é apenas aquele que o manifesta, expressa ou traduz.

 

Marlusse Pestana Daher



[1] Introducción al Derecho, n 1º 27, pág. 233, Buenos Aires, 1975.  
[2] União Estável e Concubinato
[3] Tenho comigo um contrato firmado entre um senhor de mais de 60 anos de idade  com o pai de uma garota de apenas 14. Deparei-me com esta situação no Juizado da Infância e do Adolescente em Vitória – ES.