domingo, 10 de novembro de 2019

FRAGMENTOS DE UMA VIDA

Passeio em família. 

 Lilazina Gomes de Souza, um esforço para construir sua lembrança.

A cidade natal

São Mateus era uma pequena cidade no Norte do Espírito Santo, de ruas estreitas, casario antigo, não só no Porto supostamente mais intimamente ligado à presença de mulheres, erroneamente chamadas “mulheres de vida fácil” que de fácil nada tinha, esquecendo-se o comércio efervescente que marcava presença em todos os tempos da Praça do Chafariz, a chegada e partida de navios que eram o meio de locomoção entre o lugar e a capital, ou e como e quanto, a cidade do Rio de Janeiro, que exercia uma espécie de atração para jovens que decidiam “vou para o Rio”.  Muitos foram, poucos voltaram, alguns jamais reviram sua terra, até por falta de recursos financeiros.
Muitas garotas eram levadas por famílias mais abastadas, para serem babás dos seus filhos, ou se ocuparem dos afazeres da casa que iam desde o cozinhar, lavar e passar, cuidar de toda a família.

O Porto era simbolizado por belíssimas Palmeiras que orlavam o cais do Rio de Águas Calmas, “Kiri karé”, Cricaré, depois São Mateus. Sem falar nas magnificas curvas desenhadas pelo curso do mesmo rio que para bons visionários se compõe de um S e um M, iniciais de São Mateus.

Pela Rua de Baixo, na Rua do Alecrim, na Ladeira de São Benedito, na Ladeira de São Mateus, Rua Sete, Beco de Isaura Santos, Beco de Nicanor, caminhava uma gente tranquila, estilo daquele tempo em que toda a família ia à casa de D. Fulana e S. Beltrano, conversar no banco da frente da casa com quem passava, fazer visita e quando a conversa rolava solta, até que se aproximava a hora da luz elétrica ser apagada, sendo aconselhável volta primeiro à casa.

Nascimento de Lilazina

Não se está a escrever a História da Cidade, quer-se apenas, ao menos fazer divisar o cenário da terra natal de Lilazina Gomes, filha de ___e___ que nasceu no dia...de 1916/7, na Rainha do Cricaré.

É a terceira de mais duas irmãs, Adozina Nascimento, D. Dadosa, que foi uma “professora particular” como eram denominadas aquelas senhoras que destinavam a sala de suas casas à sala-de-aula. Bancos simples tomavam todo o entorno da sala, apenas uma mesinha de dois lugares era ocupada pelos mais espertos, pelos maiores que constrangiam a saída dos menores, muitas vezes mediante cutucões com o próprio lápis.

Escreviam no colo e a letra tinha que ser bonita. Era severa e o tempo todo sentada atendia seus alunos vez que portadora de elefantíase em uma das pernas o que lhe causava muitas dificuldades de locomoção.

Era casada com Antonio Sapateiro (Nascimento) o qual, certamente coadjuvado pela esposa dinâmica, soube conduzir suas finanças, diversificou suas atividades, chegando a vender joias, que agora se sabe não eram das mais preciosas.

Não tiveram filhos.

A outra irmã se chamava Maria casada com S. Mateus (Jacudiano), um humilde trabalhador que foi “contínuo” no Grupo Escolar “Amâncio Pereira”, encarregado de abrir e fechar o estabelecimento, (carregava na cintura, um montão de chaves), vigiar o entorno. Como era comum era também um pouco “chefe de disciplina” aquele que recebia incumbência da direção e acabava “fazendo fuxico dos alunos à Diretora”. Só queria ajudar.  Foi o último sineiro fiel ao ofício que fazia dobrar os sinos da Igreja de São Benedito, ao meio dia e às 18 h.

Bem, Maria, dona de casa, dela só se pode dizer o que se diz de “uma mãe de família” dispondo de poucos recursos. Lógico, fazia tudo em casa. Lavar, passar, limpar, cuidar.

Teve apenas uma filha, Mercínia que se casou com José do Correio e como se diz nos contos de fada “tiveram muitos filhos”, pelo que Maria e Mateus que viviam um para o outro, alegraram-se com um bom número de netos.

Muito religiosos difícil esquecer a imagem daquele casal, vestido de roupas muito limpas e simples, se dirigirem às Missas dominicais.

Dadosa e Maria sempre moraram em São Mateus, deste modo podiam ter contato frequente uma com a outra, dando belo exemplo de irmãs que deveras se amavam.

Não se sabe dizer sobre a mãe das três. À distância da idade que hoje teria D. Lilá, no contexto das vidas, ela não se constituiu em exceção entre aqueles dos quais se fala ao menos um pouco e se encontra qualquer registro na história.

Há um falar, nem tão claro (a mãe fora para o céu?) que as duas irmãs criaram Lilazina, a Lilá, dispensando-lhe todos os cuidados e certamente foi um tempo que deixou raízes haja vista o forte amor que unia as três.

Da própria Lilazina não foi fácil reunir notícias o que causa tristeza constatar o como quem viveu entre nós foi esquecida. Mas ela não é exceção. É a vida no seu lado que ninguém aplaude.

Para saber um pouco mais de Lilazina, dirigi-me ao “Padre Anchieta” e a coordenadora me disse logo, sem rodeio: “quando a escola passou da responsabilidade do Estado para o município, os arquivos foram todos retirados”. 

Ali faliu minha esperança de encontrar quem sabe, alguma foto dos famosos desfiles escolares, um livro de ponto com assinatura dela, nada.
Pois bem, na família constituída de quatro mulheres viveu Lilazina de cor branca, contrariamente a mãe e as duas irmãs o que é devido a seu pai referido como um senhor branco. Não se sabe se morava na cidade ou apenas por lá passava. Reconheceu a paternidade de Lilá e lhe dispensava assistência.

Seus primeiros anos escolares foi no Grupo Escolar da cidade, havendo ciência digna de que não tinha a mesma desenvoltura de suas colegas, embora não se possa dizer que o meio fosse de visível diferença social.

Era vítima da “implicância” das colegas o que hoje se denomina “bulling” Como sobredito, só tendo ouvido de quem lhe foi muito próxima, além de colegas de escola, muito amigas.

Foi nesta colega, a menina Rozita de Aguiar Pestana, minha mãe, que encontrou sua protetora, era quem a defendia das investidas das demais e “ai de quem a tocasse”. A amizade nascida por este tempo, consolidou-se com o passar dos anos, permaneceu para sempre.

Em Vitória no Colégio do Carmo

No devido tempo, o pai matriculou-a no então Colégio do Carmo, dirigido pelas Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, onde concluiu o curso de professora.

É fácil imaginar a situação nos anos que ali viveu, acostumada a convivência com as irmãs, passar a viver rigidamente de horários irrenunciáveis, refeições, banho, dormida, tudo em hora absolutamente certa. E ainda tinha o tempo de orações, mesmo que para tanto não tivesse disposição.

Colégios religiosos, naquele tempo, pois, tinham exigências deveras rígidas. De certa forma era o tal  “julgar que prestavam serviço a Deus” (Jo. 16,2).

Acabou permanecendo em Vitória trabalhando como professora logicamente no bairro em que morava, a efusiva Jucutuquara, que muito orgulhava seus moradores. Hoje, no entanto, seu aspecto é muito simples, que me desculpem seus ainda orgulhosos dela, moradores ou não, parece mais uma cidade decadente.

E na mesma cidade encontrou o seu Príncipe encantado. Oriundo de Campos, RJ, apareceu o jovem Leão Dionizio de Souza, que na capital do Estado veio trabalhar na efervescente “Vale do Rio Doce”.

Casaram-se e deram verdadeiro testemunho de amor conjugal. Leão era alegre e fácil de disparar sonoras gargalhadas. Lilá menos exuberante, pode-se justificar pela infância e juventude de sacrifício que passou. Profundamente religiosa, nunca deixou a prática de suas devoções. E por sorte, sua casa se situava na Rua da Igreja local.

Tiveram dois filhos: José Luís Gomes de Souza e Regina Gomes de Souza. A criação de ambos foi mais tranquila do que ela tivera, ao menos a condição financeira era bem melhor. Tinha uma bonita casa que fui identificar na Rua Mario Aguirre, mais conhecida como acima já mencionado, Rua da Igreja (de São Sebastião, das menores que já vi).

Fiquei toda contente, quando fiquei sabendo que a moradora da frente, a tinha conhecido, quis conversar com ela, não foi possível, estava almoçando ia viajar, a doméstica que ia e vinha com as palavras que trocamos.

Voltei uma segunda vez e ela estava esquentando o jantar e a conversa não saiu. Marcamos para a segunda-feira seguinte, fui e ela não estava, voltei mais uma vez e a casa estava fechada.  

Que decepção! A casa de fachada bonita foi completamente descaracterizada como se pode ver pelas fotografias anexas.

Família amiga saia juntos a passeios e sempre consideraram marcantes determinada comemorações em família, como o Natal, com enfeite de árvore e tudo que pudesse fazer memória do acontecimento, de quem é o principal personagem, Jesus, o filho de Maria.

Seu São Mateus

Todos os anos, a exemplo de muitos outros mateenses ausentes, marcava presença no Dia do Padroeiro e festa da cidade, 21 de setembro, data que adquirira outro grande significado para ela, José Luís Gomes de Souza, seu primeiro filho, nasceu nesta data. Quando o mesmo completou dois anos foi fotografado e no verso um relicário, a letra de D. Lilá em dedicatória da lembrança enviada à amiga Rosita, em São Mateus.

A “Festa de São Mateus”, era também a hora do encontro anual marcado para conviver com as famílias reunidas, rever amigos, abraçar todos.

25 anos de casamento

No dia das Bodas de Prata.
Entrada na Igreja São Sebastião
Jucutuquara






No dia ______ Lilá e Leão acompanhados dos filhos e na presença de alguns amigos, comemoraram a chamada “Bodas de Prata”, momento do qual são lembrança as fotografias que ilustram estas páginas. Ignorada a data.A Professora 

É de se provar grande tristeza de como as pessoas apagam na história, não se encontram registros de quem foi, máxime porque só teve dois filhos e o que sobrevive está enfermo, sem condições de evocar e narrar lembranças familiares.
O corte do bolo. 

É verdade que Lilazina não foi apenas mais uma pessoa entre todas que existem, tanto que acabou por ter seu nome lembrado para denominar uma Escola na cidade em que nasceu.
Troca das alianças e  renovação das promessas

Concluiu o Curso Normal, como já citado, tendo-se casado era moradora de Jucutuquara, pelo que é natural ter escolhido o ‘Grupo Escolar Pe. Anchieta”, hoje EMEF Pe. Anchieta, situada na mesma Rua João Santos Filho 295, na Ilha de Santa Maria, em Vitória – ES (que se confunde com Jucutuquara) que passou por reforma naturalmente, mas é a mesma, não não é, a outra era um grupo escolar de construção a moda do tempo

Ali exercia seu mister de ensinar. Uma pessoa com quem conversei por ser de Jucutuquara, pouco disse, mas respondeu que a conheceu e foi professora no mesmo “Grupo Escolar”. Perguntei-lhe:

- E o que se pode dizer de Lilazina? 

– “Era uma pessoa muito calada, reservada, não era assim como nós somos hoje, porque naquele tempo, a mulher era mais da casa, cuidando de filhos, do marido”...

A nora que disse não ter lembranças dela, fez, contudo uma afirmação: “eu a achava muito triste”.

De minha parte não é essa lembrança, talvez porque a tenha visto poucas vezes, mas a vi sorrindo, as conversas com minha mãe, quando ia a São Mateus.

Profundamente religiosa, deu a família exemplo de pessoa temente a Deus. As únicas fotos que dela foram encontradas – são as das suas “Bodas de Prata” revelam alguém muito concentrada e agindo como quem comemora grande acontecimento da própria vida.

O fato de o filho achar-se enfermo e depressivo, impediu que se pudesse conversar com ele e obter mais informações de sua mãe, a filha morreu já há algum tempo. Não se encontrou dela um único registro, embora exista, claro em cartórios - duvidas impediram expedição de sua certidão de nascimento).
Não foi localizada a Lei que deu seu nome à Escola.

Morreu há mais de cinquenta anos, tendo conhecido dois dos seus cinco netos. Seus restos mortais foram depostos no Cemitério de Santo Antonio em Vitória e os céus pelos merecimentos de sua vida a receberam e de lá nos olha, neste esforço de resgatar um pouco da sua memória.

Lilazina Gomes de Souza foi casada com Leão Dioniso de Souza
Tiveram dos filhos:

José Luís Gomes de Souza casado com Maria Teresa Gonçalves de Souza
Têm três filhos: José Luís Gomes de Souza Filho
                         Márcio Gonçalves de Souza (conhecidos por ela)
                         Maria Elisa Gonçalves de Souza

2ª Regina Gomes de Souza (falecida) foi casada com um Grazzi de família de Ibiraçu – ES
Tiveram dois filhos: Lucia Souza Grazzi casada e residente nos EEUU
E José Alberto Grazzi que mora em Vitória, mas não foi localizado.

Vitória, 6 de novembro de 2019.
Marlusse Pestana Daher

Obs. Não é tudo que queria, mas é tudo que encontrei depois de dedicar a tanto uma boa parcela do meu tempo. Fazendo pela memória de D. Lilá, faço-o por minha querida mamãe, em homenagem à amizade que as unia.

Para o Corpo Docente da EMEF Lilazina Gomes de Souza que comemorou os cinquenta anos da escola, no dia 8 deste mês de novembro 2019, nada sabia dela, agora ao menos sabem um pouco. 

Natal em familia.

Deixei as lacunaas das informações que ainda espero obter.