Numa volta ao passado, lembro bem
como escolhemos a nova casa, após três filhos já crescidos e ocupando todos os
espaços de um apartamento na Praia do Canto que, durante 19 anos foi
frequentado por adolescentes e adultos amigos dos meus filhos. Tempo bom: ruas
tranquilas, trânsito com poucos semáforos e um ambiente em que todos se
conheciam. Assim se vivia numa cidade ainda pacata, mas com louros da Vitória e
abençoada pelo Espírito Santo.
Mudamos então para Jardim Camburi,
bairro mais populoso de Vitória que estava se formatando com ruas ainda
descalças, poucos prédios, comércio tímido e vizinhança desconhecida. Mas não
nos importamos com isso, estávamos entusiasmados pelo novo.
A casa, em estilo nobre, tinha
janelas coloniais, cujas vidraças se mostravam como caleidoscópio com imagens
de combinações variadas e agradáveis efeitos visuais. Os seus novos moradores foram
descobrindo, aos poucos, o conforto e o lazer que a casa oferecia e também o
trabalho com a limpeza, para que se mostrasse límpida como os pequenos
fragmentos de cristais coloridos.
Os finais de semana eram sempre
alegrados com churrascos e banhos de piscina e todos eram muito bem-vindos. A
dimensão do acolhimento era proporcional ou maior que o tamanho da casa. Os
anos foram passando, os filhos casando e os netos chegando para preencher a
nossa vida e o nosso coração. Chegaram de mansinho nos espaços que os esperava.
Foram
muitas as brincadeiras e as quedas da rede a qual era disputada por todos,
embora tivesse algumas regras que eram sempre quebradas, como: um de cada vez;
contar até dez; balançar do menor para o maior. O banho no tanque era sempre
mais surpreendente que navegar no jacaré da piscina, pois lavavam seus biquínis
e sungas sem economia de água e sabão.
Os
anos foram passando e a casa acolhendo crianças que catavam folhas no jardim e
quebravam, “sem querer”, as lindas e
exóticas orquídeas com a bola que, quase
sempre, ia parar no quintal do vizinho. Geralmente elas se rasgavam nos cacos
de vidros sobre o muro e, como avó, prevenida, tinha um estoque em casa para
que fossem substituídas a cada chute
impensado.
Na
hora de irem embora era sempre uma disputa dos candidatos a dormir com a avó,
que se dispunha a contar histórias mais velhas do que novas, mas todas ouvidas
atentamente e corrigidas num deslize de memória.
Às
vezes, no meio dessa contação e já quase adormecida com a própria narrativa, a
avó já estava emendando uma história com outra, num misto de “O jacarezinho
egoísta” e “João e o pé de feijão”, que trocavam de cenários e coloridos como
os mutantes caleidoscópios. Com o repertório ultrapassado e repetitivo,
começava a criar histórias pouco atrativas, mesmo assim os seus ouvintes
ficavam atentos com os personagens novos, que muitas vezes eram eles próprios.
Quando descobriam essa manobra não ficavam muito satisfeitos, mas como estes
eram sempre elogiados: educados e estudiosos, todos de forma rápida se
incorporavam a eles. No encontro posterior pediam que recontasse a “nova”
história que já nem era mais lembrada.
Também
líamos e repetíamos orações infantis que não só serviam para a formação
religiosa como também acalmavam os ânimos e dividíamos parte da
responsabilidade com os anjos da guarda, sempre atentos. E assim o tempo
passava, as crianças cresciam e nós envelhecíamos na mesma proporção, porque o
tempo não para.
O Dia de Natal, sempre esperado,
juntava família e amigos que também tinham crianças – era uma festa! Na época
dos famosos patinetes, apesar de limitar espaço para essa prática, não havia quem
segurasse a gurizada. Ainda bem que toda criança tem um anjo a bordo ou na
garupa, que os protege. Destarte, Papai Noel se recolhia feliz e satisfeito
mais uma vez com o dever cumprido.
E assim passou o tempo: as crianças
cresceram e se transformaram em adolescentes menos chatos que a maioria que se
conhece e, como pássaros, bateram as primeiras asinhas rumo ao intercâmbio.
Após essa experiência, prosseguiram os estudos e vieram as paqueras e os
namoros.
Atualmente, com essa turminha
crescida, chegou outra em substituição e a avó retomava as mesmas histórias e
orações, intermediada com as intervenções dos netos mais velhos. Mas, com o
avanço da tecnologia, o acesso à internet e aos games, as velhas histórias
estão sendo substituídas por outros personagens, numa inovação ímpar que se
desdobra a cada momento – é como se estivéssemos, de forma curiosa movimentando
pequeninos cristais brilhantes e coloridos.
Hoje o espaço é outro – a casa foi
vendida e está apenas no imaginário daqueles que partilharam dela. Mas o
acolhimento é o mesmo com os tradicionais almoços no Dia das Mães, dos Pais e
Natal. Com a modernidade e o modismo é preciso diversificar o cardápio:
carnívoros, alérgicos, meio-vegetarianos, veganos, exigentes e os chatos. Mas a
alegria é a mesma e, com os namoricos dos netos mais velhos a família continua
aumentando e se ajeitando na mesa – agora pequena, formando mosaicos coloridos
e cristalinos como nos caleidoscópios de outrora.