sábado, 30 de junho de 2018

A LUTA PELO DIREITO



        A luta pelo direito é também título de um livro que a Editora Forense, com tradução de João Vasconcelos, publicou no ano 2000, em sua 19ª edição brasileira. Trata-se como explica o próprio autor, Rudolf Von Ihering, de texto ampliado de uma conferência feita no verão de 1872,  na Sociedade Jurídica de Viena.

        Verdadeira tese de moral prática,  digna de ser lida ainda por outros muitos mais. Depois de ter afirmado que a luta é o trabalho eterno do direito, encerra com uma máxima  paulina: “ganharás o pão com o suor do teu rosto”, acrescentando só “na luta encontrarás o teu direito”. E mais: “desde o momento em que o direito renuncia a apoiar-se na luta, abandona-se a si próprio, porque bem se podem aplicar estas palavras do poeta (Goethe): Tal é a conclusão aceite atualmente: / Só deve merecer a liberdade e a vida, / Quem para as conservar luta constantemente.

         Nos dias que correm há todo um aparato que contrariamente aos bons princípios, pugna em prol da desmistificação da verdade do direito. Há um verdadeiro esforço no sentido de tornar sempre mais poderosas as forças  que militam de forma marginal, alheias aos princípios inalienáveis que todos trazemos esculpidos no âmago de toda corrente vital que integra nosso ser e vêm impingindo “desvalores” traduzidos em refrões que acabam sendo freqüentemente repetidos, apenas por terem sido ouvidos, jamais como resultado de uma reflexão por inteiro e que pelo conteúdo de verdade que trazem é que são aceitos e adotados.

        A ausência da coragem de lutar, por exemplo, leva muitos ao comodismo que se traduz em encasular-se, desfrutando de uma paz  aparente, num contentamento de não se ver pessoalmente atingido, tudo fazendo, para manter-se distante de qualquer batalha. Afirma-se: é perigoso embarcar em tais naves, para elas o mar está sempre revolto, melhor não arriscar vir a sucumbir.
        Choro por dentro, quando alguém afirma que tantas lutas já lutadas de nada valeram. Como aquela de um passado ainda  recente, dos jovens cabeludos que clamavam contra a ditadura,  das mulheres que queimaram peças íntimas como forma de reivindicar os próprios direitos,  até do fóruns sociais que se tornaram frequentes.

        Não aplaudo o radicalismo com que alguns se hajam em tais oportunidades,  mas nem o cruzar dos braços dos que assim se quedam, achando que não vale a pena  tanto aguerrimento.

        Falar em luta pelo direito é falar de assunto que a todos pertence. Todo homem é sujeito de direito, como de obrigações. É por ofício ou profissão  particularmente, assunto daqueles que integram as carreiras jurídicas.

        Muitos estamos vendo com certa preocupação, multiplicarem-se faculdades de direito. O sentimento aumenta, quando  deparamos com a facilidade proporcionada por algumas instituições no sentido de se obter o diploma de bacharel, quanto mais, ao constatar que os próprios acadêmicos rejeitam o professor que age estritamente dentro da legalidade, observando a frequência, não transigindo com irresponsabilidade, não negociando com qualquer tipo de artifício o alcance da aprovação. Isto atesta que se está diante de consciências que em nome de outros objetos podem marginalizar a justiça, contanto que haja proveito.

        São minoria, mas fazem um barulhão! Parecem ofuscar a maioria. Não conseguem. O que potencialmente é, não corre o  risco de jamais vir a não ser.

        Se fizermos o que devemos fazer tão bem quanto puder ser feito, correremos o eterno risco de não chegarmos a ser ou ter o que hoje não se consegue apenas pela envergadura moral que ostentamos. Mas que importa, se pela forma honesta com que pautamos nossa vida, já vivemos confortavelmente aboletados em altar indemolível nas consciências de todos quantos nos conhecem!

Marlusse Pestana Daher,
Escritora, acadêmica, promotora de justiça aposentada.






quarta-feira, 6 de junho de 2018

QUEM MANDA MAIS ?

Resolvi republicar este artigo
neste momento em que alguns duvidam
de que o Senado tenha poder de cassar Gilmar Mendes.


- Quem manda mais, o prefeito ou o juiz? perguntou-me alguém dia
destes.  

- Nenhum dos dois. Cada um manda no âmbito de sua competência como a lei o autoriza a mandar. Todo ato administrativo ou jurídico só se pode executar na forma determinada pela lei que por sua vez, decorre de um mandato aos que compõem o poder legislativo, quando no exercício da função outorgada: “todo poder emana do povo”.

 Os dois, prefeito e juiz, têm atribuições absolutamente distintas e um não pode invadir a competência do outro. O Código Penal Brasileiro prevê como crime, a usurpação de função pública, e penaliza com até a 5 (cinco) anos de reclusão, além de  multa, o infrator. Por fim, ocorrerá até perda da função.

Mas meu interlocutor não se contentou e perguntou de novo: Juiz pode mandar prender o prefeito?  Pode, tanto quanto o prefeito  pode prender o Juiz  ou qualquer pessoa do povo pode prender um ou outro,  na forma prevista na Constituição Federal, já que qualquer pessoa pode prender aquela que for flagrada em delito. 

Nem desta vez, meu interlocutor se deu por satisfeito e prosseguiu: o juiz pode mandar prender um funcionário, por ter sabido que na sua repartição  falou mal dele? 

Não pode, é arbitrariedade. Tem que saber se o que a pessoa falou é crime; se for, através de advogado, porque só advogado pode representar alguém em juízo, mesmo que seja um juiz, requererá que seja instaurado o procedimento respectivo, quando, deve ser ouvido o Ministério Público e acolhendo ou não o  parecer prolatado, outro Juiz que não pode ser ele,  decidirá sobre eventual prisão. E como prisão é caso muito sério,  dificilmente, “um falar mal” segregará alguém. Morada no local, trabalho, raízes de família e outros detalhes hão de ser vistos como impeditivos da prisão até que eventual sentença condenatória, se houver, transite em julgado, isto é, não se tenha mais como recorrer dela.

O poder legislativo, por exemplo, é o mais representativo dos três poderes, mas como os que o integram dependem de voto, há quem não hesite em usar meios menos dignos no sentido de obter o mandato. Da mesma forma os que pretendem o mandato executivo.

Por ter conquistado a função, mediante concurso, sem povo, alguns integrantes do judiciário se erigiram em verdadeiras dinastias, na expressão de Bandeira de Mello e pensam que para demonstrar o poder que têm,  precisam fazer além daquilo e somente cumprir o próprio dever.

Quem manda mais, não manda sem outorga do povo. Povo é quem  manda mais. Pena que  é um mandante  que renuncia ao poder que detém ou dele se esquece. Chega as vezes ao ponto de se insurgir contra seus iguais, impondo-lhes derrotas humilhantes ou  qualificando-os pejorativamente. 

Povo constitui nação desde que esteja num território. Governo é quem ele quiser que seja. Logo, é ele quem manda mais.

12/11/2001

sexta-feira, 1 de junho de 2018

COMO HAVER PAZ?



Para recordar. Escrito em 2010.

HAITI, DO POVO MAIS POBRE E MAIS MARTIRIZADO DO PLANETA

Já era o mais pobre país do planeta, de gente martirizada, à margem da cultura, do desenvolvimento, da história. Mas um terremoto se abateu sobre ele, fez ainda mais estragos e roubou mais de 200 mil vidas. Então virou manchete de todos os jornais do mundo. Agora todos falam do Haiti.  

Situa-se num conjunto de arquipélagos entre as duas Américas, ocupa o terço ocidental da Ilha de São Domingos, possuindo uma das duas fronteiras terrestres da região, a que faz a leste com a República Dominicana. A capital é Porto Príncipe. 

95% da população é negra, 4,9% mulata e tão somente 0,1%, branca. 80,3% dos haitianos professam a religião católica. Não se negue contudo a forte influência africana com suas práticas religiosas semelhantes a dos denominados cadomblés. Foi o primeiro território americano a ser descoberto por Cristóvão Colomgo, cedido à França pela Espanha em 1697. No século XVIII, chegou a ser a mais próspera colônia francesa na América, com a exportação de açúcar, cacau e café. Trata-se da  primeira colônia de maioria negra, mediante revolta de escravos, a conquistar a libertação, em 1794. Mas no mesmo ano, a França dominou a ilha. Um ex escravo Tousasaint Louverture tornou-se Governador Geral em 1801, redigiu uma Constituição para o país em cujo artigo 1º esculpiu o comando: “A escravatura está para sempre abolida, não podem existir escravos sobre este território.” Mas não durou, foi deposto e morto pelos franceses. Em 1803, outro líder, Jacques Dessalines, organiza o exército e derrota os franceses. Declarada a independência, o próprio Dessalines proclamou-se Imperador.

Tamanha coragem valeu ao Haiti 60 anos de bloqueio comercial imposto pelos escravistas europeus e estadunidenses. No governo de Jean Pierre Boyer, cercado pela frota da ex-metrópole, constrangido, assinou tratado pelo desbloqueio, sendo imposto ao país a título de indenização à França, a quantia de 150 milhões de francos, reduzidos para 90 milhões, o que não impediu nada menos que, o exaurimento da economia do país.

Depois do terremoto as Nações se mobilizam e centenas de aviões carregados de alimentos, roupa e água foram mandados para o Haiti, de todas as partes do mundo.

Além do que já foi, o governo brasileiro prometeu doar US$ 15 milhões ao Haiti, 14 toneladas de produtos alimentícios, entre sardinha, leite em pó, açúcar cristal e água.

Releva ser dito que a precariedade do país, máxime pela destruição sofrida, dificulta a chegada das próprias ajudas. Não há estradas, aeroporto destruído, linhas telefônicas interrompidas, ainda é precário o contato pela internet.

Órgãos governamentais e ONGs disponibilizaram contas bancárias para receber doações. O Banco do Brasil abriu uma conta (SOS Haiti - agência 1606-3, c/c 91.000-7) para o recebimento dos recursos que serão administrados diretamente pela Embaixada do Haiti no país.

Entretanto, o Haiti não precisa só de pão e água. Clama por desenvolvimento, clama por ser capaz de superar suas dificuldades e se tornar deveras uma Nação Soberana, mediante a liberdade merecida pelo seu povo, gente como qualquer outra, todos filhos de Deus, igualmente feitos á sua imagem e semelhança. 

Em artigo intitulado: “Lamento junto a Deus pelo Haiti”, desabafa Leonardo Boff: “Em cada haitiano que sofre soterrado ou que morre de sede e de fome, morremos um pouco também todos nós junto com eles. Finalmente somos irmãos e irmãs da única e mesma família humana. Como não sofrer?”

Ante a indigência haitiana o Prof. Ricardo A. S. Setenfus que integrou a missão da ONU/OEA no Haiti em 1993 afirmara: “A idéia de que cada sociedade deva resolver de forma autônoma seus dilemas nacionais – sustentáculo do princípio da não intervenção – é absolutamente inaplicável em certas situações como, por exemplo, no caso haitiano. Jamais este país conheceu ao longo de sua história sequer vestígios de democracia. A vontade da maioria sempre foi esmagada pela força. ... uma cruel realidade. ... Nada é mais desumano que a demonstração de indiferença frente ao sofrimento de outrem.”

Ante o sobredito,  importa que as Nações – seu povo - se predisponham a ajudar o Haiti, de mãos dadas com sua gente, atentas aos seus grandes anseios, até porque o país que não tem nada para dar,  precisa tudo receber. Que se entenda isso. Que o Haiti se inclua nos projetos desenvolvimentistas nacionais.

Nada mais soa atual no momento, que proêmio da Constituição Gaudium et Spes,  (Vaticano II): “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração”.

“Eles sofrem, nós sofremos”. “Guiados pelo Espírito Santo.  Eco no coração. A Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história”.