Já ouvi várias vezes, “larga isto prá lá”, mas não tem
jeito. Vejo, leio ou ouço coisas que não consigo deglutir.
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Milena |
O Código Penal Brasileiro
denomina homicídio a morte de alguém por outrem. Origina-se no latim homicidium e tem como significado,
repete-se, o ato de matar uma pessoa. Acrescente-se: “Uma análise mais extensa da origem etimológica do
conceito revela que o vocábulo latino “homicidĭum” deriva da combinação de um
termo grego que se pode traduzir por “semelhante” e de “caedere” (matar).
Homicídio, por conseguinte, é matar um semelhante (isto é, outra pessoa).[1]
Depois
que a Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil - deitado em
berço esplêndido - indiferente, neste caso especificamente, ao processo penal
contra o ex-marido de Maria da Penha que àquela corte se volveu, o país foi
condenado e surgiu a lei específica que a bem da verdade, nada trouxe de novo,
porque é uma coletânea de dispositivos já existentes em outra normas, bastava
serem aplicadas onde a prática da justiça as reclamasse. Por isto mesmo sempre
repeti: não precisamos de mais leis, precisamos de bons juízes, hermeneutas, de
advogados que batam às portas dos tribunais e se for necessário, arrombem-nas
na busca da justiça.
Para
disfarçar a própria incompetência, “para mostrar serviço” os nossos governantes
recorrem a promulgação de novas leis. É mole? Fui consultar para
ser precisa ao dizer: no último dia 26 de setembro, muito pp. foi publicada
mais uma. Temos 13.484 leis, ordinárias.
Como
dizia inicialmente, a lei penal tipificou o homicídio no art. 121 ou prevendo:
matar alguém, estabelece a dosagem das penas que se devem reportar a atenuantes
ou agravantes. Mas se a vítima for mulher, passou a se chamar ou foi tipificado
como feminicídio, numa referência específica à mulher, a conduta perpetrada por
alguém de tirar-lhe a vida, ou matá-la. Já se falava em fratricídio, matricídio
e continuam abrigadas entre as alíneas do inc. II do art 61, agravantes, do Código Penal.
Por
que feminicídio? Ou a mulher não é "alguém" e portanto seu assassinato como
sempre foi e o é, sem outras referências em outros países, punido, no caso
brasileiro, segundo o art. 121 CP já mencionado e respectivos complementos?
Quem quiser pensar diferente, não pretendo contrariar. Permito-me dizer o que
penso.
Ou
será que se quer falar em homicídio para homens e mulhericídio para mulheres?
Temos até precedentes constituidos pelo "homo sapiens e
a mulher sapiens".
Fico
só olhando. Apesar da dor provada pela causa ou o que representa o do que se fala,
como as pessoas parecem até encher o peito, para se referirem a feminicídio.
Minha sensação é quase de que o inusitado da palavra parece diminuir a
gravidade do que significa.
Nossa
cidade vem sendo atingida e todos morremos um pouco com a morte de tantas
mulheres, vítimas de machismo de homens fracos e covardes, que na ausência de
valores com que possam ser enaltecidos e admirados, usam da força física,
esquecem que mulheres são mães de quem muito carecem os filhos, deles também,
como é o caso de Milena.
Hoje,
(01/10/2017) uma chuva fina e vento muito forte não impediram que uma multidão
expressiva se fizesse presente na orla de Camburi onde caminhamos no que foi
chamado “todos por Milena” que bem traduzindo significa todos contra os algozes
de Milena, todos contra a impunidade que inclusive se constitui em temor ou
desconfiança geral, e até posso citar dois casos específicos: da vendedora de
água de coco da qual adquiri um copo e do taxista que me trouxe de volta à casa, ao fim da caminhada.
Em verdade, em verdade, a impunidade campeia.
Os atos processuais tramitam a passo de jabuti, fazem com que ao constatar o
tempo que passa sem respostas, as pessoas descreiam das autoridades
constituídas cujo poder delas mesmas emana e porque ainda não entenderam o
potencial representado pela condição cidadã que todos detemos, se quedam em
desânimo, entregam-se ao medo e deixam acontecer como os crápulas querem, determinam
ou praticam diretamente.
A
grande, grande mesmo, maioria portava camisas com dizeres. Nas próprias para o
caso Milena tinha escrito nas costas: “Basta de violência contra a mulher”. Na
verdade o que basta é de todo e qualquer tipo de violência, seja qual for, na
casa, na rua, no trabalho, no trânsito e muitos etc. Violência zero! Ou nas palavras de Diana
Moran, ativista e poetisa panamenha, morta misteriosamente: “acabemos com a
violência que a violência doméstica acaba”.
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A chuva fina e o vento foram enfrentados no todos por Milena . |
Deparamo-nos
apreensivos com os resultados, com as consequências, mas nem sempre (ou nunca?)
cogitamos da prevenção. Ainda temos muitas crianças sem creche, as maiores, na
idade recomendada, fora da escola, somos um país de milhões de desempregados.
Gente cheia de dignidade e direitos sem um teto no qual se abrigar. Pessoas que
dormem pelas calçadas. Políticos que afundaram o país, tão rico, com um
potencial imensurável de liderança em desenvolvimento, possibilidades de fazer com que todos
vivessem com dignidade, continuam
fazendo discursos populistas, desafiando instituições e ameaçando
com seus exércitos marginais. Outros, que comprovadamente já respondem a
processos penais ainda figuram como nossos representantes. Eles custam ao país
R$ 9.000.000,00 (nove bilhões de reais) por ano e se fala de rombo na
previdência. Por que tanto? E isto no oficial, porque depois ainda tem. Quando
Eduardo Cunha já afastado do cargo, ostentava regalias e ocupava a residência
oficial, soube-se que a despesa com ele era (continua sendo com o atual) R$
500.000,00 (quinhentos mil reais por mês).
Falei de muitas coisas
motivada pela morte desumana e incompreensível de Milena. A única consolação é
saber que ela adormeceu em Deus. Sua morte é um sinal, mais um grito de alerta
para todos nós. Ouçamos.
Tomara que chegue logo o
tempo, melhor ainda, o dia em que nada disso aconteça mais, que tudo esteja
mudado. Tomara. Só depende de nós e pensar que nem os ricos precisarão ser
menos ricos, mas os pobres com certeza, também serão menos pobres.
Vitoria, 1 e 2 de outubro de 2017 00:39