O dia está claro e estou transitando
pelas ruas da cidade, atenta em meio de um trânsito caótico. É necessária toda
atenção para não bater em ninguém e evitar que o outro bata em você, isto é, no
carro. Paro em obediência à lâmpada do semáforo que ficou
vermelha e logo se aproxima da janela do meu veículo um rapaz alto, traja-se
com dignidade, sua roupa está limpa, o cabelo bem cortado, ainda é muito jovem.
Com diligência e visivelmente colocando
todo empenho no que faz, com a agilidade que suas forças lhe permitem com
vantagem, entrega panfletos. E logo me apercebo da presença de um outro, ambos
se ocupam do mesmo trabalho.
O sinal permite agora que eu avance,
mas já não vou só, levo comigo a imagem daqueles dois homens, duas pessoas,
dois filhos de um país altaneiro, dois brasileiros cheios de direitos que não
têm como alcançar.
Digo-me que é um desperdício de forças.
Eles poderiam estar ocupados em empresas que requerem as qualidades da qual são
dotadas e que lhes podem permitir melhor ganho. Não encontram essa mina, as
circunstâncias que os rodeiam militam de forma inacessível aos seus esforços,
resta-lhes entregar panfletos para receber muito pouco em recompensa, é um
serviço ocasional, nem exige maiores esforços. Não supre as necessidades de
suas vidas.
São evidências de que não obstante o
país vá crescendo, as desigualdades ainda são gritantes. Mas eles estavam
trabalhando. Outros preferem enveredar por caminhos menos dignos e tortuosos,
em pouco tempo o ganho fácil através do tráfico, o mais provável nos dias que
correm e o próprio vício, arrebatarão suas vidas e embora vivos perderão a
própria liberdade, porque a fidelização naquelas paragens tem preço de vida ou
morte.
Pelo restante do meu dia, a lembrança
daqueles dois rapazes ocupou parte do meu pensamento. Hoje, talvez mais de seis
meses depois a miragem deles ainda ocupa minha lembrança, até porque já me
deparei com outros em igual circunstância, ocupando-se da mesma tarefa.
Que pena! Que desperdício de tanta
força, meu Deus!