Está próximo o dia da Pátria, acho que vocês vão gostar. Degustem a sabedoria das afirmações.
A Pátria é a família
amplificada – Rui Barbosa – 1903
O sentimento que divide, inimiza, retalia, detrai, amaldiçoa, persegue,
não será jamais o da pátria. A Pátria é a família amplificada.
E a família,
divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a
fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades,
uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas.
Multiplicai a célula, e tendes o organismo.
Multiplicai a
família, e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa,
a mesma circulação sangüínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a
fraternidade, de que Cristo lhes dera a fórmula sublime, ensinando-os a se
amarem uns aos outros: “Diliges proximum
tuuum sicut te ipsum”.
Dilatai a
fraternidade cristã, e chegareis das afeições individuais às solidariedades
coletivas, da família à nação, da nação à humanidade. Objetar-me-eis com a
guerra!
Eu vos respondo
com o arbitramento. O porvir é assaz vasto para comportar esta grande
esperança. Ainda entre as nações, independentes, soberanas, o dever dos deveres
está em respeitar nas outras os direitos da massa.
Aplicai-o agora
dentro das raias desta: é o mesmo resultado; benqueiramo-nos uns aos outros,
como nos queremos a nós mesmos. Se o casal do nosso vizinho cresce, enrica e
pompeia, não nos amofine a ventura, de que não compartimos. Bendigamos, antes,
na rapidez de sua medrança, no lustre da sua opulência, o avulsar da riqueza
nacional, que se não pode compor da miséria de todos.
Por mais que os
sucessos nos elevem, nos comícios, no foro, no parlamento, na administração,
aprendamos a considerar no poder um instrumento de defesa comum, a agradecer
nas oposições as válvulas essenciais da segurança da segurança da ordem, a
sentir no conflito dos antagonismos descobertos a melhor garantia da nossa
moralidade.
Não chamemos
jamais de inimigos da pátria aos nossos contendores. Não averbemos jamais de
traidores à pátria os nossos adversários mais irredutíveis.
A pátria não é
ninguém: são todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à idéia, à
palavra, à associação.
A pátria não é
um sistema, nem é uma seita, nem um monopólio, nenhuma forma de governo: é o
céu, o solo, o povo, tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo
dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que a servem
são os que não invejam, os que não inflamam, os que não conspiram, os que não
sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem, os que não se acobardam,
mas resistem, mas ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas
praticam a justiça, a admiração, o entusiasmo. Porque todos os sentimentos
grandes são benignos e residem originariamente no amor. No próprio patriotismo
armado o mais difícil da vocação, e a sua dignidade não está no matar, mas
morrer. A guerra, legitimamente, não pode ser o extermínio, nem a ambição: é,
simplesmente, a defesa. Além desses limites, seria um flagelo bárbaro, que o
patriotismo repudia...
Texto: Rui
Barbosa, 1903.