Antes de adentrar o portão
do prédio em que mora minha mãe, contemplei pela calçada uma pequerrucha de
pouco mais de um ano que ousadamente, larga a mão da mãe que a conduzia e se aventura
em caminhada solo.
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Andando em corda bamba |
Por umas duas vezes seus
passos traem-na e com um simples cruzar de pernas, uma foi para frente reta, a
outra dobrada ficou para trás, quase senta-se no chão. Com um impulso se ergue
e de novo lá vai... Ela me viu, mas o que lhe importa a minha presença?
Subo ao segundo andar.
Abro a porta e deparo com minha mãe cujos passos se tornaram ainda mais lentos,
o corpo curvado para frente, como quem sente os 97 anos passados. Caminha
apoiando-se nos móveis da sala, nas paredes da pequena circulação. Não me vê, a
visão lhe foi roubada por uma queda despercebida de retina, enquanto do outro
olho, só tem visão a frente que vai minguando também. É ainda mais precária sua audição.
Duas vidas. Uma desponta,
ainda carece de todos os cuidados, mas já busca autonomia, pensando que pode ir
onde quiser. Desafia sem consciência qualquer perigo, prescinde da mão que a
conduza, escolhe a direção a tomar. E tem caminho imenso à sua frente, vai
continuar crescendo ainda por década e meia, depois por bem mais um lustro
chegará a idade de jovem adulta. Muita água vai rolar ainda debaixo daquela
ponte.
A outra vida vai-se
extinguindo, já se foram muito dos sentidos, órgãos há que já não se comportam
como antes... a própria lucidez escapou. Aceita se vê, mão que lhe for
estendida.
Tal qual o dia que nasce e
se põe. É a vida!
Vitória, 16 de novembro de
2013
18:05