Por
mais que reflitamos sobre as coisas, existem aquelas que em determinados
momentos adquirem novos contornos, ou se tornam mais interpelativas, ou fazem
sentir muito mais o que são de tudo aquilo que a gente disser.
Uma
avó, viúva, naturalmente idosa, com sua pensão de marido assalariado, ou
conseguida pelo benefício assistencial ao idoso do INSS a que algumas fazem jus,
completados 65 anos e não dispõe de nenhuma outra fonte de renda, sustenta
filhos, netos e bisnetos. Se se falou de filhos, são no mínimo ou ao menos
dois, duas a maior possibilidade é que sejam mulheres, netos três ou quatro e bisneto, ao menos um.
E
a pergunta foco é como é possível? Vamos ali ao supermercado e só estamo-nos
referindo ao item alimento, não compramos quase nada e gastamos cento e cinquenta,
duzentos reais. Ai já corresponde a um terço do mensal da tal avó. A luz não é
de graça, nem a água, tem o crédito do telefone, porque hoje ninguém mais vive
sem um, nem que seja do tipo “pai de santo”, só serve para receber (telefonemas
ou mensagens). Tem aquela prestação pela compra daquele objeto que a propaganda
tipo “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, tornou de aquisição
irresistível. Quem sabe fez empréstimo para pagar dívidas e acumulou mais
dívida ainda, em cima de dívida.
Tem
SUS mas não tem médicos suficientes, nem todos os remédios necessários ou
prescritos. Ninguém pode andar nu e se souber que em algum lugar de caridade
está sendo feita distribuição de coisas lá se vai, pagando passagem de dois
três ônibus, gasta toda a manhã para chegar, entra numa fila enorme para ouvir
quando já está quase chegando sua vez: “sentimos muito, mas por hoje acabou”
Como
é possível? Não é. Quem disse que é possível “não sabe da Missa um terço”, mas
pode ser que se esqueça que seja esta a causa da intranquilidade das nossas vidas, porque somos nós que temos que
ficar presos em nossas casas, que a qualquer momento podemos ser alvo de uma
bala perdida ou mesmo propositalmente direcionada a nós. Nunca pensamos que
podemos ser assaltados, (eu já fui); pensamos que as coisas só acontecem com os
outros.
Para
entender o impulso determinante de tantas condutas reprováveis, um bom exame de
consciência pode ajudar e muito. Como a gente se sente diminuído por ter sido
preterido a um lugar esperado, a um cargo pelo qual tanto anseia, no emitir de
opiniões por outras superadas. Parece pouco, mas “as grandes coisas se fazem
com as pequenas. Estou hospedada num hotel e na hora do acerto das diárias
pergunto o que está sendo cobrado. Respondem-me que só as diárias, se não sou
suficientemente honesta, vou embora, bebi água da geladeira e consumi alguma
guloseima que tinha seu preço e fiquei calada. Chego em determinado lugar, vejo
uma caneta por ali, aparentemente de ninguém, coloco na bolsa e saio tranquila...
Isto é furto. Dou um jeito e coloco na mala alguma coisa disponibilizada aos
hóspedes num hotel, só enquanto ali estiverem, mas eu levo embora mesmo que não
me esteja fazendo falta. Isto também é furto.
Em
outra circunstância, sei que tal candidato é corrupto, mas voto nele porque
assegurou um emprego para mim ou para meu filho. Isto não é cidadania. Recebo
troco a mais ou da outra parte o caixa recebe duas notas coladinhas porque são
novas e cada um aperta ainda mais o bico
para que não se atreva a não ficar calado.
Não
sou justa em recompensar quem trabalha para mim. Você que me lê poderá acrescentar muitos
outros exemplos semelhantes.
O
pobre cuja índole pode ser tão podre quanto a minha, vê a chuva vazar barraco a
dentro, não tem lugar que fique preservado. Suja roupas, as próprias pessoas e
onde está a água para lavar? De manhã não teve café quanto mais com pão. Nem
batata porque a ele também não ocorre plantar. E com o passar das horas o
estômago dói pela fome e acaba sem ânimo e a esta altura não vale dizer nem que
“Deus veste os lírios dos campos e alimenta as aves do céu, quanto mais
esquecerá dele”, porque também não é esta a lógica do Evangelho, Deus não nos
substitui no que a nós compete fazer. Ele nos dotou de todo bem e nos concedeu
toda graça, até fez do seu próprio Filho mártir, para nos resgatar da morte e
do pecado, para que assumíssemos nossa humanidade e preservássemos nossa
dignidade.
A
nação que formamos deve ocupar um território demarcado onde falando a mesma
língua nos entendamos. Dialoguemos e juntos busquemos soluções para os nossos
problemas. Que “falemos a mesma língua”, no sentido de que sejam comuns os
esforços de cada um para que o bem comum não se torne de uns poucos, para que
não hajam tantas diferenças, para que as classes não se traduzam no
binômio miséria x abundância. Elas
sirvam no máximo, para desigualar iguais enquanto esta desigualdade se traduza
na harmonia que deve perpassar a coexistência não só social como humana, mas
com os animais, com o ambiente, com todo o criado.
E
não se venha afirmar que o sobredito é utopia. Antes é a única estrada que nem os
loucos erram atravessando por ela, rumo a terra prometida “onde corre leite e
mel”.
Há
soluções simples: Enquanto não gostarmos de ler para formular nossos próprios
conceitos. Enquanto não pararmos para pensar e concluir o que acontece a nossa
volta e acharmos que não me afeta, porque vou-me aborrecer, deixa isto par lá? Enquanto não assumirmos a nossa cidadania que
antecede a democracia, contribuiremos para a já
praticamente extrema degeneração dos valores, para a manutenção no poder
de pessoas indignas, pela desvalorização do gênero humano, entre mais, pelo
equívoco de ser o mesmo que sexo e criar qualificativos para impressionar
falas, afastamos o raiar de um novo dia em que ao menos não seja necessário que
“alguém seja menos rico para que tantos não sejam tão pobres”.
Marlusse
Pestana Daher Vitória, 17 de outubro de 2017 17:28
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Fugindo da própria terra, da pátria, da terra de seus antepassados. |