segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

CORACORALINAMENTE


Há anos aqueles versos longos a transbordarem no seguinte, quase sempre se abstendo da rima clássica, ou dos versos fixos, compensados sempre pelo infinito de verdades da vida longamente vivida, assimilada, louvada, cantada,  bem vivida, me encheram da maior e infindável ternura, de respeito quase genuflexo, por aquela face enrugada por efeito do tempo, aquele corpo curvado, endossando um vestidinho de fazenda cheia de florezinhas, no meio da canela, mangas longas como usou desde os tempos de antão. 

Ler seus poemas é cantar deslumbramentos, sentir a alma que voa por aí, até a paramos impensados. É saborear doces sem artifício, feitos com o que de melhor a terra tem, coco, abóbora, chuchu, o que mais ao momento convém. 

Falo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, vulgo Cora Coralina, a poetisa, eterna ouvinte do marulhar das águas mansas de um rio, já agora um pouco decadente, porque não é exceção ao que pertence à natureza, tão ferida, desrespeitada, malograda. Mas que de tempo em tempo transborda ameaçando o acervo tão carinhosamente custodiado, da velha senhora. 
Casa de Cora depois de reconstruída. Ai ela nasceu.
E mais precisamente, daquele momento em que passa por debaixo da ponte, que leva gente de lá para cá, que tantas vezes, quantas jamais se saberá, ela mesma, de cá para lá. Rio sobre o qual deitou tantas vezes seu olhar complacente, agradecido, fulminante, imenso, antes de galgar em passos que a cada ano foram-se tornando mais lentos para a igrejinha de sua devoção chegar. 
Poema do Beco
A cidade tem aspecto bonito, como convém a todas, mas difícil nas que distam de uma vez.

Naquele dia, em que realizei meu sonho, desse monumento visitar, O céu azul deixou-se nublar por um temporal benfazejo, que desceu ladeira abaixo que acabou por lavar minha sandália de borracha, enegrecida pelo pó de minério espalhado por siderúrgica impropria do lugar tão diferente do dela, mas é onde eu vivo. 

Sala preservada, muito linda. 
Que linda casa, velha, mas absolutamente conservada na qual em cada cômodo, algo a faz lembrar. Aqui, uma máquina de escrever que projeta escritos seus na parede, ali, uma espécie de cano natural, por onde a água desce cantando e também vai repetindo versos seus. 

Suas roupas, seus escritos, suas lembranças. As homenagens recebidas só depois de septuagenária, mas não vencida. 
Falar em poesia é mágico, falar da poesia é sorvê-la, falar de poesia é sentir calafrios derivantes da beleza e do sentir que só ela tem. Falar de poesia é imergir na beleza coracoralinamente. Falar de amor de tudo e de todos que ela poetizou, falar de amor é plagiar em versos, Cora, falar em poesia tem que ser de Cora Coralina, 

Coracoralinamente.