sábado, 7 de janeiro de 2017

A FLOR DE QUIMERA


Isa, a Florzinha do Campo
Concorrente do Concurso Literário Elza Cunha
 
  Foi ele, um imponente faisão, que sobrevoando uma fazenda, deixou cair de seu bico a semente de uma flor. Jogada sobre a terra, essa semente recebeu da natureza todos os nutrientes necessários para sua sobrevivência e assim ela germinou. Primeiro o caule, verde e vigoroso, depois as folhas, leves e macias, o gracioso botão, e ao término de sua metamorfose ela desabrochou com toda benemerência, expondo suas pétalas brancas e douradas delicadamente ao mundo, enriquecendo a flora num espetáculo solitário e exalando sua doce e suave fragrância. A flor de Quimera, campestre, singela, magnífica em sua essência, nasceu ao acaso e estava pronta para viver como tantas outras flores, a sua breve jornada no universo, quando subitamente foi arrancada do solo por uma garotinha que por ali passava. A menina levou a flor para sua casa onde lá ofertou carinhosamente a sua avó que repousava no leito, enferma. Tão doente estava sua avó que a princípio nenhuma importância deu a flor, fazendo a neta depositá-la em um pequeno vaso que deixou ao lado de sua cama. Ao anoitecer a flor de Quimera, esquecida no vaso, exalou o seu perfume pelo quarto e seu agradável aroma fez despertar a velha senhora convalescente. Nunca em sua vida havia ela inalado um cheiro tão inebriante como aquele e isso atiçou sua curiosidade de saber de onde efluía. Com grande dificuldade, em sua debilidade física, encostou-se a cabeceira da cama e viu que o cheiro emanava dela, da flor de Quimera, então levou as mãos tremulas até o vaso com a flor e a pegou, cheirando-a e não se lembrando de ter visto uma como aquela em lugar algum. De modo tranquilo, ela tocou com as pontas dos dedos, levemente as suas delicadas pétalas, sentindo dentro de si algo novo e diferente, depois segurou a flor contra o peito tendo naquele instante a sensação de que aquela flor tinha algo especial e no ímpeto ela quis se levantar para ir até a janela, onde a claridade da lua a deixaria admirar a flor com maior nitidez. Vagarosamente e com tamanho esforço, ela se colocou em pé, dando lentos passos ela caminhou em direção à janela e lá chegando se prostrou a admirar a bela flor. Uma luz tênue que vinha da lua iluminou a flor fazendo suas pétalas brilharem com intensidade, deixando a velha senhora, com a leve impressão de que aquela flor era de alguma forma uma flor mágica, talvez com poderes curativos, pensou, mas aquela flor era simplesmente, apenas uma flor. E olhando fixamente para ela lhe sobreveio uma vontade incontrolável de conversar com a flor.

    - Um dia Também fui jovem e bonita como você. - Disse num sopro de voz a velha senhora de rosto pálido, enrugado, cansado, e como se a flor pudesse lhe ouvir, ela pegou seu antigo álbum de fotografias e o abriu passando a contar para a flor a história de sua vida. Ria e chorava a pobre senhora, compartilhando ali com a flor, emoções profundas provindas de suas recordações. Sentia a velha senhora, um imensurável bem estar ao lado da flor, como se ela lhe fosse uma amiga querida, com quem pudesse desabafar. E tão envolvida estava com a flor, que ao final de sua emocionante narrativa, ela sussurrou uma canção em um acalanto, deixando-se levar pela melodia, dançando pelo quarto, com a flor, em suaves rodopios. Era um momento único para aquela senhora que se sentindo viva, serena, cheia de esperança e quase curada de sua enfermidade nem percebeu o passar das horas e quando deu por si já vinha o alvorecer, então decidiu voltar para sua cama, beijando delicadamente a flor e colocando-a no criado mudo de sua cama adormecendo logo em seguida, repleta de contentamento.

    E sucedeu-se que enquanto a velha senhora adormecia em seu leito, a bela flor de Quimera que até aquele momento mantinha-se estática a agraciar a velha senhora com sua bela presença, começou do mundo a se despedir, murchando repentinamente e deixando cair as suas pétalas, lentamente, uma a uma. O ciclo da vida em seu curso natural havia chegado ao fim para ela, e a flor de Quimera desprendendo sua ultima pétala, como se fosse seu último suspiro, disse adeus ao mundo, terminando ali sua graciosa passagem.

    No outro dia, quando a velha senhora despertou, sentia-se cheia de saúde. Sua face antes pálida estava agora corada dando-lhe uma feição saudável, as forças lhe haviam voltado e sorria, como há muito tempo não fazia. Sua neta ao ver a avó ficou impressionada com sua recuperação.

    -Foi essa flor quem me curou! - Afirmava a avó para a neta, procurando pela flor de Quimera ao lado de sua cama. Mas notou que a flor não estava mais lá. Em seu lugar havia um viçoso girassol que a neta colocou, jogando fora a flor de Quimera já perecida. Ao saber que a flor havia morrido a velha senhora entristeceu. Havia ela nutrido pela flor um profundo apreço e desejava tê-la novamente junto a si, nem que fosse apenas por alguns segundos, mas, contudo, sabia ela que isso não seria possível. No entanto, crente de que a flor de Quimera havia lhe restabelecido a saúde e sentindo por ela um profundo sentimento de gratidão, ela passou a procurar incansavelmente por uma flor como ela, percorrendo, junto com a neta, a sua imensa fazenda, procurando em cada lugar a presença de uma flor semelhante, porém o imponente faisão nunca mais sobrevoou a fazenda para deixar cair de seu bico a semente de uma flor igual a esta e a velha senhora não encontrou a flor que tanto procurava. Então voltou para casa, onde ela compreendeu finalmente, que na efemeridade da vida há coisas insubstituíveis, coisas que nos chegam num momento de um instante, nos falam ao coração, nas mais diversas linguagens, e depois se vão, tornando-se inesquecíveis em nossas lembranças, para sempre, como ela, a flor de Quimera.
 
 
 
 
Nota: Tivemos ótimos participantes no concurso.
 

RECORDANDO ELZA CUNHA E SEUS VERSOS

A alegria de ser  bisa.

Luar na Fazenda

( Início de minha vida literária e correspondência com intelectuais )

Noite, poesia, ebúrnea claridade,

queda o ser embevecido ao luar.

Analiso enleada a sublimidade

da natureza muda a desfilar.

 

Ameno cenário de soledade,

bois na relva tranqüilos a pastar,

habitações brancas em paridade

em pratarias se tornam ao luar.

 

Longe, fica o rio, depois da cachoeira

em desenfreado amor, a murmurar

canções, unificam-se em alva esteira.

 

Apaixonada, ponho-me a cismar.

Fugir não se pode, por mais se queira

à apoteose onírica do Luar.

 

( “ Fazenda Cachoeiro do Cravo”, fundada por meus ancestrais, que passou de Pais para filhos, até minha geração, bisneta que sou do seu fundador Antônio Rodrigues da Cunha, Barão dos Aimorés.

Como uma de suas herdeiras, para não discordar da maioria dos meus irmãos concordei sensibilizada até às lágrimas, com a venda da mesma, a José Maria Fontana ).

 

Amizade e Gratidão

(Ofereço em memória a minha querida sogra: Olívia Carneiro Pires)

 

Sogras, dizem comumente,

querem dela longe estar.

Eu penso bem diferente:

- Benvinda seja a meu lar.

 

                  Minha sogra, minha amiga,

                  foste a Mãe que reencontrei.

                  O “falar”, reles intriga.

                  Sempre e sempre te amarei.

 

Encontrei na minha sogra,

conforto, amor e carinho

a felicidade logra:

- Na morte, saudade, espinho.

 

  

Tão Só

( Em memória a minha sogra-mãe: Olívia Carneiro Pires )

 

Palavras de angústia que perpetuam

no meu dorido ser cansado e triste.

No lúgubre cortejo tumultuam

recordações em que o sofrer persiste.

 

Tão só, lá no caixa desamparada,

semblante calmo, visão enternecida;

os cabelos, de neve banhados,

da sua longevidade, ó mãe querida!

 

Tão só, frase sutil e pequenina,

extravasa a alma, fere o coração.

Brota, treme a lágrima cristalina.

 

Geme, desliza e suaviza a aflição.

Tão só?! - Não creio! Á morada Divina,

seguir-lhe-ão atos nobres de sua missão.

 

 


A Gaivota

( a mim mesma, Elza Cunha Pires )

 
 
Eu sou a gaivota,

que voa singrando os mares,

em busca de bonança

que aplaque o coração

de revividas dores.

 

Eu sou a gaivota,

calma, inteligível,

que se banha qual criança,

plaina na imensidão,

pasma do imponderável!...

 

Eu sou a gaivota,

irisada, fugidia,

em busca da esperança

que ilumine a razão

no viver de seus dias.

 

Eu sou a gaivota,

sonhadora, esgotada,

que treme, que se cansa,

bate as asas em vão,

no Oceano ( das ilusões ) sepultadas.