quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

FRAGMENTOS DE MIM

Em  breve você será convidado(a) para o lançamento do meu novo livro de poesias que tem o seguinte


Prefácio

Em Os anjos não fazem arte, primeiro livro de poesias de Marlusse Pestana Daher, somos introduzidos no fazer poético desta professora, promotora de justiça e membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, pelo “O Porto de São Mateus”, um belo poema cujo olhar se volta para as antigas histórias de senhores e de escravos de sua cidade natal.
Nitidamente embebida da tradição oral, a poesia narrativa de Marlusse nos revela sua percepção sensível diante do mundo e sua capacidade de memorizar e reinventar experiências (re)vividas, conduzindo, assim, o leitor a também retornar em suas próprias histórias, ora vivida como protagonista, ora como narradora.
Sem abandonar essa perspectiva, porém agora mais intimista, a poetisa apresenta neste seu novo livro, Fragmentos de mim, um discurso memorialista, autobiográfico, um retrato da escrita feminina, como se pode verificar já no título da obra.
Em “Hilda, que saudade!”, “Canto de mãe”, “Dia de chuva”, “Meu grupo escolar”, “Sonhando com a chuva”, “Sons e delírios”, “Meu mar”, “Feliz Natal” e “Processo nº 249/86- 1ª Vara Privativa do Juri”, o eu lírico, no seu projeto de capturar e narrar o real, de retratar-se e ao outro no texto, estabelece com o leitor um “pacto de fidelidade”, na expressão de Lúcia Castello Branco, em suas “Notas sobre uma memória feminina”.  É o que vemos em “Momento feliz” quando o eu lírico confessa: “Que momento, meu Deus!/ acabara de fotografar/ para mantê-lo indelével/[...]/ não encontro palavras/ para descrever/ ou para transformar em poesia”. É justamente nessa tentativa de congelar o momento difícil até de falar, de tornar o sujeito uno, íntegro e sem fissuras que residem, uníssonas, a escrita feminina e memorialista.
Em poemas, como “Silêncio”, “Sinos” e “Inquietação”, impera a força da natureza viva, a despeito da dor, do vazio, do indizível experimentados pelo eu lírico. Para exemplificar, busquemos o poema “Sinos”. Incrédulo, o eu lírico escuta o ressoar dos “acordes de um sino ao longe”: “Mas como? Se hoje é sexta-feira santa /e hoje os sinos não dobram!”. Era o vento que, impelindo os badalos “uns de encontro aos outros...”, fazia ecoar “os sinos da felicidade”, numa clara inversão da ordem (im)posta pelos homens.
Por vezes, o disparo para a produção dos poemas dá-se no descortinar: de uma “tarde cinzenta” que “por um detalhe me [fez] projetar/ e [...] voltar anos e anos” (“Meu grupo escolar”); de uma “nuvem interposta/ entre água e sol” (“Sombra”); ou ainda do “silencio plúmbeo/ da madrugada ensangüentada” (“Não me perco”). Noutras, se o “sono não vem/é madrugada” (“Inquietação”); se o eu lírico busca “encontrar forças/ para recomeçar/ das incertezas/ do insucesso/ do nada” (“Tristésse- Recomeço”) ou se vagueia “no quase vazio/ que em meu ser se fez” (“Posso te encontrar”) surge, em “Jesus”, a esperança do (re)encontro consigo mesmo, com o outro, ainda que neste vazio repleto da presença divina que há em cada um de nós: “Um corpo tombava no madeiro,/ estava morto o filho de Deus”.
Verifica-se a presença dos verbos no pretérito imperfeito do indicativo, cujo valor fundamental é designar um fato passado, mas não concluído, ensina-nos Celso Cunha, em Nova gramática do português contemporâneo, encerra a ideia de continuidade.
E é justamente no registro dessa falta que o texto se constrói. A fragmentação deste “eu” é também a fragmentação do discurso, onde as palavras, por isso mesmo, jamais conseguirão captar o original da memória, tornando-se, então, meias-palavras que querem revelar meias-verdades. Cabe, então, ao leitor preencher, com suas experiências de vida, as lacunas deixadas pela escrita de nossa poetisa.
Profª  Karina de Rezende Tavares Fleury
Mestre em Estudos Literários (UFES)