segunda-feira, 11 de setembro de 2017

POESIAS DE BEATRIZ MONJARDIM

No silêncio do meu quarto

                                            Beatriz Monjardim

No silêncio e no escuro do meu quarto,
Deixo que entre pela janela aberta,
A brisa fresca e olorosa em que me farto,
Das lembranças que a brisa em mim desperta.
Coisas da infância, e em pensamento sigo,
Em busca dos meus sonhos, alma atenta;
Sonhos tão lindos, que em meu peito abrigo,
Que me dão força e o meu viver sustenta.
Consigo ver luzir os vagalumes,
Sentir das flores, os doces perfumes...
E até ouvir o criquilar de um grilo!
Quanta inocência nas noites da infância!
Sem dor de amor...sem saudades e esta ânsia...
Dormir em paz, o coração tranquilo.


Em tuas mãos

                                               Beatriz Monjardim

Perdoa-me Senhor, se ainda choro,
Vergada ao peso da desesperança...
Aflita, ergo as mãos aos céus e imploro:
Não sei se ouves... se minha voz te alcança.
Quisera ver de novo o teu olhar
Buscar o meu tão terno e compassivo...
Todo o meu ser se abrasa ao recordar
Aquele sonho em que Te vi tão Vivo!
Sei que És o Caminho, a Verdade e a Vida!
Que hás de curar toda dor, toda ferida...
E que, aos tristes, hás de enxugar o pranto.
Deponho em Tuas mãos, minha tristeza...
Ofereço-Te esses versos, na certeza,
De que aceitas meu louvor nesse meu canto.




É doce o pranto

                                      Beatriz Monjardim

Meus olhos se banharam em pranto:
Orvalho da saudade mansa
Que banha minha face enquanto,
Saudosa, lembro os dias de criança.
Já se perde o tempo na distância;
Embora a vida escoe e o tempo passe,
Relembrando os saudosos dias da infância,
É doce o pranto que banha a face...
Ah, louras manhãs ensolaradas
Que douravam a verde capoeira,
Onde eu sonhava horas encantadas,
Ao som dos grilos e cigarras cantadeiras...
As folhas secas me faziam o berço,
Na relva fresca, doce e perfumada,
Por aroeiras, goimbês __ah, nunca esqueço,
Se deste aroma, tenho a alma saturada!
O sol queimava, a terra sufocava,
Zumbiam insetos no ar parado e quente...
E eu, deitada na relva, armazenava,
Essas lembranças para o eternamente.

Ah, louras manhãs, tardes serenas,
Que ainda perduram, embora o tempo passe...
Brotam em meus olhos lágrimas amenas;
É doce o pranto que me banha a face.

LITERALIZANDO A ÁGUA


Adriana Gusmão

Ao raiar o dia, minha porta se abre em silencioso convite para a entrada da brisa matinal. Uma densa neblina dificulta a visibilidade. Ouço vozes que tão cedo já trafegam pela movimentada avenida em que está localizada minha residência. São trabalhadores que como eu, madrugaram para “enfrentar” a fila por água potável! Tão escassa, tão preciosa, tão desejada, tão essencial fonte de vida, a água vai evaporando...

Hoje, insuficiente até para gotejar em nossas torneiras, se faz reflexo da mediocridade com a qual lidamos com os bens procedentes dos recursos naturais. A ganância humana pôs preço sob o que é dádiva da natureza! A necessidade pelo bem primordial à vida – a água; obriga-nos a pagar duplamente pelo uso dos ofícios públicos, essenciais, vitais! Aliás, fica até difícil o cálculo de “quantas vezes mais” paga-se pelos insuficientes serviços prestados!

Um senhor de meia idade “abre” sua banca de jornal. Penso na manchete que antecederia uma matéria que o jornalista e escritor Euclides da Cunha publicaria se ainda estivesse entre nós: "Não ‘acudiram’ Os Sertões, agora eles dominaram o Brasil!”. Na virada do século, 1800-1900, estava ele em Canudos como correspondente da imprensa... Mas fez mais que notícias, reportagens, documentários... Euclides fez denuncia social! E, no capítulo introdutório, delatou o descaso ante a degradação dos recursos naturais e urgente necessidade de “salvar” o que se restava (sim, pois já não resta mais!) de uma natureza que ainda clama por atenção e urgentes cuidados... Não queremos viver nos sertões... Também não queremos que gracilianamente nossas vidas se tornem tão secas a ponto de pensarmos como Fabiano que “apanhar do governo não é desfeita”, que o tal do juro, do imposto, o governo, o patrão, minguem nosso precioso ordenado...  Mas o progresso nos acompanha, a ganância nos cega, o consumismo esgota os sensos de humanidade e harmonia sobreviventes em nós! Precisamos de coisas...

A fila anda vagarosamente... Muitas reclamações, porquanto a água não “caíra” nas caixas-d’água durante a noite. Embora com alto teor de sal, ela é usada para a higienização dos ambientes. Cada qual com sua queixa... seu balde... sua individualidade... seu direito... sua cidadania... É, e já se foram outros cem anos de descaso, abandono, depredação, solidão... Como no enredo de Gabriel Garcia Marques, será que estamos à espera da sétima geração para ver se concretizar a profecia do fim e, enquanto isso, nossa casa transforma-se em um paraíso decadente?! Na narrativa da vida real, será que as estirpes condenadas a tantos anos de desolação terão uma segunda oportunidade sobre a terra?
A neblina agora já subiu e, a fila, cresce significativamente. Talvez “A guerra do fim do mundo” do peruano Mário Vargas Llosa narrando ficcionalmente a “Guerra de Canudos”, publicada quase oitenta anos depois, literatizando fatos seja mais interessante... Poeticamente, até a morte vira descanso e nascem rios de lágrimas! Mas Llosa, certa vez comentou que era preciso desconfiar das utopias, pois elas terminam, em geral, em holocaustos. Que há uma estranha verdade na política, que consiste em que as soluções medíocres costumam ser as melhores soluções... Será essa opinião um fato?! Segundo o autor, não há outra saída, na política, que não seja o realismo...
― Oh, sim, por favor! Pode encher “meus baldes”! Aceita pagamento com cartão de crédito?