sábado, 20 de janeiro de 2018

CONFRONTANDO-ME COM A SAMARITANA


Na pele de samaritanos e samaritana 

Vestindo-me dos andrajos da mulher samaritana, igualmente dos sentimentos preconceituosos especialmente experimentados pelo povo da Samaria, em relação a única entre eles que  não  chamavam por um nome. Referem-se a ela,  apenas como samaritana. E porque consegui beber um pouco da água viva que Jesus oferece,  descubro o quanto sou egoísta, como se eu fosse a única pessoa a ter direito a tudo neste mundo, e só os meus mais próximos; o quanto privilegio os dons dos quais sou dotada, esquecida de que nada fiz para possui-los, Deus ao me criar os colocou em mim, tendo com isto uma finalidade orientada para um estilo de vida que devia adotar, de um serviço por amor que  também exige que me  desenvolva em todos os sentidos, de que esteja atenta para as necessidades das pessoas com as quais convivo no dia a dia, ou simplesmente encontro casualmente por alguma rua por onde possa estar passando.

E quando via aquela mulher, era invariável que pensasse: é possível que uma pessoa goste de viver com aquelas roupas disformes, já nem se pode chamar simplesmente decote o que deixa os seios totalmente à vista ao contrario da cintura extremamente apertada para deixar ainda mais exuberante a segunda parte do tronco ao qual ela imprimia movimento provocativo entre os homens e igualmente iradas as respectivas mulheres. Entre estas, ao menos cinco, já haviam passado pela experiência de ver seus maridos rumarem para a casa dela e se instalarem como se igualmente donos fossem até que um dia se cansavam das facilidades que lhes proporcionava, pela convivência promíscua e se lembrando das próprias esposas, de como era melhor a vida com elas, de como ali ao lado da esposa e dos filhos, sentia  todo sabor do que é uma família segundo os preceitos de Deus,  contristados, alguns pedindo perdão, voltavam, nem sempre recebidos de braços abertos, mas também sem um mínimo de hostilidade que pudesse causar qualquer constrangimento. Eram recebidos de volta e pouco a pouco tudo voltava a ser como era antes.

Ao saber de cada caso sempre me vinha a vontade de ir à casa dela e dizer “poucas e boas”, mas também chamando-lhe a atenção para que não se esquecesse de que havia um Senhor que a tudo via e nunca ficava satisfeito com o pecado que ela habitualmente cometia.

E passava o resto do meu dia remoendo aquelas ideias, ensaiando palavras que nunca lhe disse e deixando crescer em mim toda a decepção, toda hostilidade que a certo ponto também percebi quanto tempo  me fazia perder, como se tornava minha companhia onde quer que eu fosse, durante o que fosse ou o que eu estivesse fazendo.

E se encontrasse um grupo de outras mulheres que lhe dirigiam insultos ao vê-la passar ou indo buscar água no “Poço de Jacó”, não vacilava em me juntar a elas repetindo em coro as palavras que de tanto se repetirem eram sequenciais: adúltera, tomadora de marido  dos outros, vadia, sem moral, suja, vai embora daqui e nos deixe viver em paz. Você é um estorvo na nossa vida, não a suportamos mais, vê-la não se diferencia de uma visão demoníaca: “vai-te para os quintos do inferno”.

E quando escorraçada, sem outra alternativa, disparava em carreira de volta para sua casa, também sem segurança, mas era a que tinha.
Muitas vezes até ajoelhando-se, chorava copiosamente, sem lamentar-se, não entendia do que devesse fazer, não compreendia porque no entanto, era  dada a insinuar-se para homens e foi assim que tomou maridos de ao menos cinco delas.

E eu ficava pensando.  Moro no mesmo lugar que ela, pode aceitar viver a sua própria vida, sem incomodar ninguém, porque prefere ser pecadora, prostituta, irresponsável, aderir a uma vida fácil porque com aquele pouco que recebia dos homens conseguia manter-se.

Quando tudo mudou

Até aquele dia, em que ela chegou esbaforida dizendo a todos  que encontrara o profeta, um judeu que nunca vira antes, que sabia de toda a sua vida.
E juntei-me àquela pequena multidão que acreditou em suas palavras e rumou em direção ao “Poço de Jacó” onde, debaixo daquela árvore conhecida, encontramos o Cristo que ali estava e entretinha-se com seus discípulos.
Aproximando-se conversaram com Ele e se encantaram com o que ouviram até que Jesus demonstra ser chegado o momento de retomar o caminho, tendo ouvido que suplicavam: “não te vás, Senhor, fica conosco ao menos uns dois dias”.

E Jesus ficou hospedado na casa de alguns samaritanos assim como seus discípulos. E com sua pedagogia do amor mediante a qual os havia atraído sem que percebessem, foi-lhes ensinando. Dizem depois à samaritana: ‘Primeiro nós acreditamos no que você nos contou. Agora acreditamos no que ouvimos”
A partir de então me descobri pensando nos fatos, a partir do dia em que a samaritana foi vista em Sicar pela primeira vez. Chegou tendo nas mãos apenas uma trouxa que a avaliar pelo volume, continha bem pouco. Depois de andar errante de cá e de lá, descobriu aquela casa abandonada onde aventurou-se entrar. Disposta a sair se alguém reclamasse a propriedade o que não aconteceu e ela continuou ficando. 

Da minha janela podia vê-la se movimentando naquele pequeno espaço e curiosamente, jamais me passou pela cabeça fazer-lhe uma visita de  cortesia, interessar-me por sua situação, ouvi-la no que tivesse para dizer e não obstante me permitisse minha condição econômica, também nunca me dispus a levar-lhe alguma coisa para vestir-se melhor, para comer, para   ter onde dormir. 

Algum pouco tempo passado, começou uma movimentação de homens que crendo não serem vistos por ninguém entravam na casa e “usavam” a pobre coitada. Alguns deixavam ali qualquer moeda, outros absolutamente nada. 

E um dia aconteceu algo de mais grave, o marido de A, a deixou com os filhos e passara a conviver com a Samaritana. Em pouco tempo ao menos cinco sucessivamente tiveram o mesmo comportamento, mas ao invés de compreensão ou das razões que supostamente tinha para não se deixar rebaixar nem perder sua grandeza, sua dignidade, o saber que merecia muito mais, sucessivamente recebeu  a todos.

Se se juntasse aos adoradores de Deus era escorraçada dali por não ser digna.   Nem água no poço podia ir buscar livremente, porque era hostilizada de todas as formas. Em vista desta situação foi constrangida a sair ao sol  do meio dia, quando todas as outras mulheres o evitavam devido ao grande calor. E sacrificada depois de encher o cântaro tomava penosamente de volta, o caminho de sua casa.

Todos a desprezavam ninguém procurou ajudá-la, ninguém quis saber sua procedência, de onde era sua família, porque se encontrava tão sozinha. Do que precisava, de como se sentia.

Foi portanto uma grande surpresa, ter sido exatamente através dela que o Profeta de propósito passou pela Samaria, sem nenhum temor de sofrer qualquer ataque pelo fato de ser judeu e pelo que tudo indica, para encontra-la.
Com ela, mediante um fato quase indiferente, pedir de beber, travou um discurso de atração, de conquista, não havia possibilidade de não dar certo porque no desígnio de Deus, como está escrito: “ninguém vem a mim, sem que tenha sido  atraído pelo Pai”.(Jo. 5,44).

E mesmo opondo-se ao pedido e estranhando pelas divergências que pairavam entre judeus e samaritanos, (como se Jesus tivesse nacionalidade, era como Deus que Ele principalmente ali estava).

Sua perplexidade é maior, quando Jesus insinua que ela vacila em dar-lhe de beber, por não saber de quem se tratava e muito melhor era a  água que tinha para ela, uma água que  depois de bebida ninguém mais sente sede.

Quando então Ela pediu de tal água, chegou o momento central do que aconteceria. Vai chamar seu marido e volta com ele aqui, disse Jesus. Mas eu não tenho marido. respondeu. Jesus se revela: você disse a verdade nem este que está com você agora é seu marido.

Para saber assim do seu passado, outro não podia ser senão o Profeta divulgado e esperado e seu primeiro impulso foi sair em disparada carreira e  ir contar aos outros sua experiência. 

Foi a primeira vez que foi tida em conta – porque aquela turba também já estava atraída por Deus, embora não tivesse consciência.

Converti-me?

Enquanto Jesus ainda era hóspede dos samaritanos coloquei-me em reflexão profunda e fui reconhecendo que não tinha exercido o dom da hospitalidade em relação àquela mulher; não matei sua fome, não lhe dei o que comer nem com que se vestir, mas me juntei a turba todas as vezes em que se reunia  para escrachá-la, para diminui-la, para fazê-la sentir-se a última das pessoas, sem nenhum direito, sem voz e sem vez. E é como se me fosse dado um grande tapa na cara ao entender que ninguém tem o direito de julgar ninguém, ninguém pode se omitir de fazer pelo outro, tudo do que for capaz de fazer, de ajudar de todas as formas, de ver na pessoa do outro Javeh ultrajado. 

E assumi no meu corpo toda sua indigência para tentar  provar tudo que sofreu em nossas garras, todas as humilhações pelas quais passou, tudo que ouviu de triste, enfim do ter provado a mais forte ausência de caridade de que o ser humano desajustado, sem amor, é capaz.

E como me doeu! E como me entristeceu! E como provei do quanto é triste viver em solidão, de não ouvir de ninguém uma palavra de carinho, proporcionar um afago, por ninguém se sentir amada.

ENCARNO-ME DE VOLTA

Jesus foi o maior dos Mestres. No curto espaço de sua vida terrena, pelo bem que fez foi logo condenado à morte, não sem ter proclamado em todos os termos a BOA NOVA do Pai, sua missão.

Ensinou com exemplo e palavras o que significa vivenciar o primeiro mandamento e o segundo que a ele é semelhante. 

1° Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração com toda tua alma e com todas as tuas forças.
2°Amarás a teu próximo como a ti mesmo. 

Às vezes nos amamos pouco ou sequer nos amamos e olha a consequência, a pobreza, a falta de peso do nosso amor traduzido em não amor ou nenhum, e estaremos incorrendo em grave desamor, porque “quem disser que ama a Deus que não vê e não ama ao próximo que vê é um grande mentiroso. (1 Jo. 4,21).

Relevo alguma vaidade demonstrada pela Samaritana, seu prostituir-se, nunca sozinha, porque não há prostituída, sem prostituidor. Como condená-la na sua ignorância se no meu saber também nem sempre me comporto segundo a moral, o direito e a justiça. 
Quantas samaritanas estão percorrendo desvairadas os caminhos do mundo, atravessando mares, expulsas pelas circunstâncias de ação ou omissão de governantes iníquos, de cidadão sem cidadania, das suas próprias pátrias, morrendo e deixando seus pequenos seres na orfandade ou vendo-os morrerem sem que seus corpos sejam recuperados ou são encontrados jogados pelas ondas numa praia.

“Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” disse Jesus. Esta pedra hoje se chama Francisco que afirma: “... a misericórdia não é uma palavra abstrata, mas um rosto para reconhecer, contemplar e servir. E assim o manifesta na Bula da Misericórdia com que convoca(ou) o Jubileu: “Jesus de Nazaré com a Sua palavra, com os seus gestos e com toda a Sua pessoa revela a misericórdia de Deus. N’Ele não há nada em que falte compaixão”. A seguir acrescenta: “a Sua Pessoa não é outra coisa senão Amor, um amor que se doa e oferece gratuitamente. Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, para com as pessoas pobres, excluídas, doentes e em sofrimento, levam consigo o distintivo da misericórdia”

Não há outro caminho, o caminho para ver e ouvir qualquer samaritana, todas as samaritanas de onde vieram ou estão,  passa pela misericórdia.
Esta obrigação assume novos contornos, se agiganta, quando a pessoa aceita Cristo e a Ele consagra toda sua vida, fazendo por acréscimo, uma promessa de caridade.

                                                        
Marlusse Pestana Daher


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

DE NOVO EM PAUTA

A QUESTÃO NÃO É A IDADE

Não sou contra a redução da maioridade penal, sou a favor de que os direitos fundamentais de todas as pessoas sejam indistintamente reconhecidos, dando a cada uma os meios de gozá-los e cumpri-los.

Sempre se disse que o Congresso Nacional é movido à ocasião, que o legislador não usa da acuidade necessária no sentido de que no destino, a norma seja eficaz. Por que continuar a repetir: “as leis são como salsichas, se soubéssemos como são feitas não as comeríamos”.

É ruidosa a grita por implantação de políticas públicas, na direção da educação e da saúde. Entretanto, ainda não se viu determinação necessária ou vontade de realizar, por parte dos que recebem o poder que emana do povo, mas o esquece e age em vista de seus interesses, da consecução do próximo mandato, mesmo com o sacrífico dos interesses do Estado como um todo.

Quer-se reduzir a maioridade penal. Preparemo-nos para ver adolescentes de idade inferior serem usados com o mesmo fim.

Tendo atuado na Vara da Infância e da adolescência credencio-me a falar por experiência vivida. Atendi mãe pedindo que o filho fosse “preso”; mãe fingindo que era manca com pano na boca como se babasse, pedindo entrega do filho; adolescente que matara cinco pessoas, a última reduzida a pedaços, posta em saco e jogada num rio. Praticamente, todas, famílias uni parental, sem emprego, sem salário, habitando guetos, quem sabe, vivendo do resultado da prática dos atos infracionais perpetrados por esses mesmos filhos. 

O delinquente é produto da desordem na qual foi gerado, foi criado e vive. É produto do meio sim, porquanto, suscetível de receber influências de toda parte, desde o glamour do estrelato, à opulência do poder, ao encantamento do aplauso, à ganância do ter. Se não alcança, toma outro rumo no qual, ao menos aparentemente, encontra o que procura.

Não se vai ao alto pelo último degrau da escada. Não nos faltam leis. Ignoramos o que ditam. Nenhuma, por si, alcança o próprio fim.  Não será a segregação em prisões que reduzirá a criminalidade. Ali, se  formam doutores nela.
Antes, importa que se proceda ao reconhecimento da condição de pessoa da pessoa humana, a cada uma seja dado o que é seu. Coloquemos esse contingente de crianças na escola, propugnemos no sentido de que pela educação sejam despertadas suas virtudes, o potencial de dotes em tantos sentidos e áreas que com certeza todas têm. Façamos com que ouçam nossos aplausos.

A Nação que não educa suas crianças deve-se envergonhar de puni-las na idade adulta.

Marlusse Pestana Daher                                                                                 Promotora de Justiça aposentada e escritora

domingo, 14 de janeiro de 2018

PE JOSE PEDRO LUCCHI



O Pe. Pedro Lucchi está passando por uma situação desagradável em sua vida, exatamente por ser padre e ter sido arrolado como testemunha de um algoz que tem contra si, não só a força da lei penal, mas toda uma sociedade que clama por justiça.

Em processo penal, existe a fase em que Ministério Público e Defesa, exercida por advogado, deve arrolar pessoas como testemunhas. Elas serão ouvidas, respondendo a perguntas que forem formuladas pelo Juiz e os citados, MP e advogado. O fim é que mediante o que as mesmas disserem, sem mentiras, venham conseguir o melhor resultado para sucesso  das respectivas teses.

Arrolar um padre (que assim como celebrou o casamento dos dois,  celebrou a Missa de 7° dia por Milena), como testemunha em favor dele (o chicote que bateu) claro que causou  impacto, máxime em se tratando deste homicídio que causou tanto clamor social qual foi o da médica Milena Gottardi. E pode não passar de um “faz de conta”, como é muitíssimo provável. A Lei permite à defesa o “jus spetaculandi”, (inventei), em favor da ampla defesa.

Se a Lei autoriza condução coercitiva de quem intimado não comparecer o mesmo não acontece no sentido de pretender que diga coisas das quais não sabe. No caso do Pe. Lucchi, ele pode responder simplesmente que tudo o que sabe foi o que os jornais noticiaram, como noticiaram, não deve emitir opinião, porque prova são fatos e não hipóteses, achismos, ou assemelhados. 

Ainda, se o que ocasionou a lembrança do seu nome pelo réu, tiver motivo no fato de como sacerdote, ter feito qualquer intervenção em momento de litígio do casal, é ainda em decorrência de tal ofício que está sujeito ao segredo do que ouviu, nos termos do Código Canônico:

Segundo o direito canônico da Igreja Católica, o segredo sacramental da confissão é inviolável, mesmo que a pessoa revele um crime. A relação entre padre e fiel segue as determinações morais e éticas do sigilo profissional – e que estão previstas na lei. Segundo o artigo 154 do Código Penal, a quebra de sigilo é punível com multa e até detenção de três meses a um ano, quanto ao padre pode ser excomungado, no caso, pela Igreja. E os artigos 229 do Código Civil e 207 do Código Penal dizem que padres e outros profissionais não podem ser obrigados a quebrar o segredo mesmo em depoimento judicial.

Confissão é um ato sigiloso, sigilosas são interferências do sacerdote em litígio de um casal ou qualquer outra, no mesmo exercício sacerdotal.

A Constituição prevê a liberdade de culto, por extensão há de respeitar os atos, ritos o que for que decorra das práticas religiosas. E ai se encontra  o sigilo da confissão.   

A família do Pe. Pedro está sofrendo com ele, ao mesmo tempo os fiéis católicos dos quais é Pastor também estão rezando com força nessa intenção e não só eles, mas os que  conhecem  o padre e lhe querem muito  bem.

Deus não despreza os que Nele confiam. O Espírito Santo colocará na boca do Pe. Lucchi a palavra certa. Por fim, consolemo-nos, porque como escreveu o Apóstolo Paulo ao romanos: tudo concorre para  o bem dos que amam a Deus.

Marlusse Pestana Daher                                                                  Promotora de Justiça aposentada
14/01/2018.


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DOMINAI A TERRA


        Após ter criado a terra e constatado que o resultado estava muito bom, Deus quis criar um outro ser, que tivesse além de todos os atributos que a tal criatura dera, outros, tais como: capacidade de perceber e discernir sobre o que o rodeia, inteligência e capacidade para entre muito mais, determinar-se pela própria vontade. E criou a pessoa humana, nada menos que à sua imagem e semelhança.  De pronto, fê-la ciente das competências que devia ter, das quais todas as outras seriam decorrentes. E disse-lhe: crescei, povoai a terra e dominai-a.

        Há milhões de anos! Podemos ficar por aqui pensando, quanto era estupendo tudo e quanta beleza havia para qualquer banda em direção da qual se olhasse. Quanta pureza no ar que se respirava, quanta harmonia no canto dos pássaros; quanta destreza na floresta cujos galhos balouçavam ao impacto dos ventos; que sinfonia ininterrupta espargiam os oceanos no seu destino de espraiar-se e voltar aos seus pontos de partida, absolutamente certos de que há limites que lhe são impostos a partir da imensa área que lhe foi destinada. Aqueles mangues, plenos de mistérios indecantáveis. Animais inumeráveis, de todas as cores, de todos os portes, de impensadas espécies.  Vida a explodir por toda parte! Uma biodiversidade que jorra poesia e produz a ópera jamais repetida ou sequer aproximada, quanto mais igualada, por mais geniais que sejam estes esplêndidos compositores dos quais temos notícia.

        Mas a pessoa virou homem, olvidou-se da semelhança. E pouco a pouco, pela facilidade de satisfazer suas necessidades, sem sequer precisar distanciar-se de onde estivesse, sem reparar que, a certo ponto, precisou andar, viajar um pouco mais, para encontrar com que subsistir, prosseguiu inconsciente. Sem plantar, colhia, com as próprias mãos, com alguns instrumentos primitivíssimos, seguiram-se aperfeiçoamentos...  Hum!!!  por fogo é uma boa solução, poupa-se força e se apressa resultado. Depredação...   Exaustão!

        Bem, com ou mais consciência, a grande verdade é que chegamos ao exaurimento do potencial da terra. Depois de milhões de anos que não estão incluídos no nosso calendário e só depois de 1950 anos, a partir de quando os anos contamos, é que algumas iniciativas começaram a ser adotadas. Movimentou-se a ONU, realizando diversas Conferências, entre elas a da Biodiversidade, no Brasil, em 1992. As nações se mobilizaram. Passou-se a falar que o meio ambiente conta. Surgiram ONGs. Hoje, se fala em aquecimento da terra, em exaustão do solo. A terra está desproporcionalmente povoada. A revolução industrial debita-se a queda nas taxas de natalidade nos países que se industrializaram. O sonho da cidade grande ou as intempéries circunstanciais ocorridas no campo promoveram a migração de um grande contingente para as periferias das cidades. Desatentos os (des)governos privilegiaram ricos que se tornaram milionários. Aos marginalizados, sem outra alternativa,   restou povoar a terra e como povoam!

        Dominai a terra. Sim, dominai, porque você, pessoa, lhe é superior e toda a grandeza que ela encerra é para estar a seu serviço, agir sempre em seu favor. Dominai-a, no sentido certo, ou de que todo domínio requer um respeito que seja recíproco. Uma relação de ternura até. Não, lhe causando transtornos! Não, desrespeitando seu ritmo e suas forças! Não, sugando-a! Não, privando-a do próprio tempo! Não, deixando de restituir-lhe o que lhe empresta.

         Ou que todos virem eunucos. Ao menos assim, teremos certeza de que não haverá futuras gerações e consequentemente ninguém virá a ser privado dos bens da terra, condições sem as quais é impossível ter vida.

Marlusse Pestana Daher
24 de janeiro de 2014





[1] 10 h

AINDA É TEMPO

AINDA É TEMPO mas como a gente não faz a hora vai retardando.  Escrevi este artigo há quinze anos, note-se que ainda serve.

        Ouvindo entrevista de um cientista político conclui, o que já entrevia, que as pesquisas para eleição de deputado estadual refletem a falta de possibilidade da maioria dos candidatos divulgarem suas idéias, permanecendo desconhecidos, não se elegerem e tudo ficar como antes.

 O que predomina é a focalização das atenções nos dois candidatos a Governador, a tendência a votar nos mesmos, principalmente, nos que fizeram muitos distorcidos favores ou distribuem “oncinhas”, notas de 50 reais, (dizem alguns). Um Cláudio Vereza, que não é otário, pode não se reeleger.

Percebe-se no eleitor, uma irrefreável sede de obter vantagem, mesmo chamando o candidato de ladrão (título outorgado indistintamente a políticos), ou sabendo que é completamente desprovido de virtudes, se dele recebe algo, o resto que se dane.

Nos bastidores da Frente Popular Parlamentar, do PSB, um gemido seco domina o ânimo geral. Provavelmente, uma única (re)eleição, é o que acontecerá. Um detalhe é evidente, o partido aceitou um candidato a governador, sem nenhuma relação com sua história, ligado a outros candidatos a deputado com quem tem toda afinidade desejada e que no entanto, apesar de tudo, também correm  risco de não eleição.

Citado candidato, aboletado na sua t r a d i ç ã o, (ou sei lá o quê) ignorou os candidatos do seu partido, que pelo menos hoje, é o PSB, e, escudado em outras siglas e ladeado por outros menestréis, partiu pelos caminhos da terra capixaba em busca do voto que o leve ao Anchieta.

Já reparou – e como! - que, sem renovação na Assembléia, poderá ter sérias dificuldades, se eleito. Poder-se-á deparar com um parlamento que sabe dar “bons nós” na caminhada de um governador...  Cairá por terra sua fama de que será um grande governador tal qual foi prefeito de Vitória. Talvez o povo ainda não tenha reparado que é impossível ser mau prefeito de uma capital que dispõe de tantos recursos.

O partido por sua vez, concentrou suas forças na eleição de um deputado federal, negou palanque aos deputados estaduais e o tempo total a que têm direito na televisão. Relegou-os aos minguados 40 segundos que lhes sobrou, a não passarem de poder dizer além de uma única frase, sendo a televisão tão preciosa.

Em público o digo, candidatos a deputado estadual, sufocam um grito preso na garganta. Não puderam fazer sua pregação cívica, esclarecer o povo sobre a soberania do seu gesto de votar e outras coisas mais. 

Não posso calar. Se a isto se chamar de “infidelidade partidária”, opto por ser infiel e voltar a dizer ao povo que deve redobrar sua atenção na escolha dos candidatos aos diversos cargos. Se não protagonizarmos a nossa própria história, seremos marionete de outra, comandada pelo crime organizado, pelo tráfico, etc. O que nos diz ter Vitória servido de refúgio ao mais procurado pela polícia nos últimos tempos? Qual será a sorte dos nossos filhos num futuro que é amanhã? Chega de acomodação, de repetir resignadamente  “que gente honesta não ganha eleição”, ou não somos todos honestos?  A sorte está lançada, mas ainda é tempo de revertermos o quadro, queiramos.

Este ano voltamos às urnas e todos somos chamados a um posicionamento sério e participativo, Acomodar-se é covardia.

Marlusse Pestana Daher