A colcha de crochê
ornamentando a cama do quarto de casal da nossa casa era um deliciar-se para
mamãe. Naquele tempo de vacas muito
magras, praticamente, era um seu adorno doméstico quase único, o pouco que ela tinha e
mexia com seus atributos femininos. No
restante, nas nossas camas, sobrepujavam as colchas de chitão, aquele tecido
rústico sempre muito florido, visto também em saias franzidas das chamadas de
dois babados, de pessoas mais exuberantes, (poupei dizer extravagantes).

Chitão foi até porta improvisada
de guarda-roupa improvisado no nosso quarto. Abdo, - que coincidentemente com
esta escrita, faz hoje um ano que em muita saudade nos deixou - uma vez, acabou
tocando fogo na cortina-porta ao brincar com uma vela. Que confusão! Ainda bem
que papai que devia estar por perto, debelou a chama em tempo.
Lembro-me bem do modo como
mamãe falava da colcha de crochê, ora exaltando a sua, ora falando de outras, vistas com outros desenhos, a maioria florais, algumas formavam tais
flores em relevo, colocadas por cima, sempre artisticamente elaborados
por mãos agílimas, exímias. O resultado era incrível e pensar que para tanto,
bastavam fios e uma agulha.
Vovó Rachid, que veio lá
de Beirute, no Líbano, até devido a um problema de inchaço que tinha em uma
perna, nunca curada, vivia mais sentada, ocupou-se por muitos anos, manuseando
com maestria aquele pequeno filete de metal com uma ponta estrategicamente
preparada, produzindo trabalhos maravilhosos com os quais presenteava filhas e
noras. Acho que nunca vendeu nenhuma.
O crochê teve seu tempo
áureo por volta dos anos até 60. Até vestidos eram feitos. Concorria com o
tricot.
Há umas três décadas
talvez, andei lá pelo Nordeste e, ou em Petrolina, ou Juazeiro, encantei-me com
uma colcha de crochê branca e realizei aquele sonho inconsciente ancorado em
mim, comprei uma colcha de crochê branca. Pronto, eu também tinha a minha
colcha de crochê! Pesada, não fácil de transporte, um incômodo para quem viaja,
mas eu nem percebi.
Mamãe logo se prontificou
em preparar o forro de cetim branco usando bordado inglês larguíssimo como
babado generoso em toda volta, com exceção da cabeceira, onde o forro é
diligentemente destinado a prender-se ao colchão.
Tantas vezes me senti
alegre ao forrar minha cama com a colcha de crochê, quedando-me a
contemplar o detalhe do cetim que brilha entre os espaços das trancinhas ou dos
pontos da arte.
Na verdade, de vez em
quando, lembro-me dela e forro com ela a cama, para mudar o visual do quarto,
ou por inconsciente nostalgia de um tempo.

Hoje foi termo de um
desses períodos. Santa Mãe de Deus! que trabalho dá dobrar o forro com aquela
“babadaria” que não se encaixa, no tamanho certo, para caber no lugar que lhe
está reservado. Depois, dobrar a colcha em si. Difícil, ela é mole, acerta
aqui, puxa ali, diferencia acolá, só mesmo em cima da cama.
Inconscientemente penso, será
que alguém gostaria de ganhar esta colcha de crochê? Ao mesmo tempo me lembro
que mesmo solteiros, preferem cama de casal e até porque não pretendo
desfazer-me dela, aquieto, não sem antes deixar escapar um misto de suspiro ou
lamento: como pesa esta colcha de crochê!
Vitória,
13 de fevereiro de 2016
11:18