A Acadêmica, Mestre e doutoranda Karina de Rezende Tavares Fleury coordena o Ano Literário Maria Antonieta Tatagiba da Amaletras. Na abertura dirigiu-lhe a seguinte carta, lida pela acadêmica, mestre e Doutora Renata Bonfim.
Vila
Velha, 27 de fevereiro de 2015.
Querida amiga,
foi em 2005 que
ouvi falar de você pela primeira vez. O professor Francisco Aurelio Ribeiro
escreveu seu nome no quadro junto ao de outras dez escritoras capixabas
conhecidas no passado, mas totalmente desconhecidas de nós, imagina, de nós estudiosos
da literatura!
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Antonieta |
De imediato, afeiçoei-me
ao seu nome: Tatagiba... quando eu era criança, meu pai jogava futebol com
alguns rapazes da família Tatagiba... sempre achei esse nome engraçado... isso
foi lá em São José do Calçado, nos idos de 1970. Além disso, seu prenome me
remete à Maria Antonieta, austríaca que se tornou a última rainha da França e
porque, dentre outras coisas, usou a moda como forma de se impor naquela
sociedade, perdeu, literalmente, a cabeça! Sabia que a rainha e a nossa Maria
Leopoldina, a mulher de D. Pedro I, eram parentes distantes? Ambas são da
família dos Habsburgo!
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Karina Fleury |
Pois então,
desde essa inesquecível aula ministrada pelo Francisco Aurelio, na UFES, dediquei-me
a conhecer melhor a sua vida e obra, Antonieta. Ainda me lembro das palavras do
professor: “Esta mulher precisa ser estudada!”. Não hesitei: levei você para
dentro da minha casa. Seu único livro, Frauta
Agreste (1927), tornou-se meu objeto de estudo no mestrado. Sua foto,
retirada da Revista Vida Capichaba,
estampava a parede no meu escritório. Rafael, meu filho que então contava com
quase 2 aninhos, quando perguntavam: “quem é essa mulher aí?” Ele dizia:
“Antonieta, uai!”.
Preencher os
vazios que o tempo deixou na sua biografia, impulsionou-me rumo não só ao seu
passado, mas também ao meu. Voltei a São José do Calçado, fui a São Pedro do
Itapaboana, conversei com muitas pessoas. Entrei na casa onde você viveu com
sua família depois de casada. Fui buscar seu túmulo no cemitério local...
infelizmente, constatei que o tempo também havia apagado seu nome daquele
sagrado solo. Busquei contato com pessoas de sua família. Dona Stael, seu Ión,
imagina, Geraldo, seu filho que ainda era tão pequeno quando você partiu, me
enviou o seu livro, que guardo com tanto amor. Era tamanha a alegria deles ao
saberem que, enfim, estávamos reconhecendo o seu valor como poetisa, a primeira
a publicar livro no Espírito Santo. Desenvolvi projetos sobre sua vida e obra
com professoras de escolas da rede pública e privada, em Vitória. Dei
palestras. Você foi homenageada numa das edições do Bravos Companheiros e fantasmas, seminário sobre literatura
capixaba. Publiquei na Coleção Roberto Almada: Alma de Flor. Encontrei a antiga rua que levou seu nome no bairro
Jucutuquara. Na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, resgatei das páginas de
O Jornal, o seu único conto: “A cruz
da estrada”! Apresentei minha dissertação, em 2008, e a publiquei com o título:
Maria Antonieta Tatagiba: vida e
obra. Quanta emoção!
Neste ano de
2015, que faz 120 anos da data de seu nascimento, seu nome volta a brilhar
graças à Marlusse Pestana Daher, cidadã mateense, presidente da AMALETRAS e
membro de AFESL. Sabendo da sua importância como precursora das letras
capixabas, depois de ter escutado eu dizer num evento de literatura aqui em
Vitória que eu gostaria muito de ver seu livro reeditado, Marlusse convidou
Renata Bomfim, Sonia Rita Sancio Landrith e a mim para, juntas, pensarmos um
projeto que ficará nos anais da história de nossa terra. Trata-se do Ano literário Maria Antonieta Tatagiba,
que levará a tantas outras pessoas o primor de seus textos e o conhecimento de
sua curta, porém, intensa trajetória de vida.
Costumamos dizer
que o povo brasileiro tem memória curta, mas não acredito nisso. Penso que a
memória se constrói das relações que se estabelecem entre os indivíduos. João
Cabral de Melo Neto traduz bem o meu sentimento:
Um galo sozinho não
tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
É na coletividade que as lembranças, ainda que individuais,
se reestruturam e se tornam coletivas. Professor Francisco plantou a
sementinha, eu a colhi. Replantei-a. Outros a colheram e assim sucessivamente.
Sim, é verdade, a história é feita de esquecimentos. Mas é
certo também que, de tempos em tempos, um sonho deixará de ser pessoal e
contagiará outros e o passado será (re)atualizado, e o velho será reinscrito na
história como novo.
E então, Antonieta, você revive, entoando seus versos em
nossos corações, ensinando-nos que a literatura é uma encantadora viagem de
descobertas sem ponto final.
Até a próxima parada,
Karina Fleury.