sábado, 20 de janeiro de 2018

CONFRONTANDO-ME COM A SAMARITANA


Na pele de samaritanos e samaritana 

Vestindo-me dos andrajos da mulher samaritana, igualmente dos sentimentos preconceituosos especialmente experimentados pelo povo da Samaria, em relação a única entre eles que  não  chamavam por um nome. Referem-se a ela,  apenas como samaritana. E porque consegui beber um pouco da água viva que Jesus oferece,  descubro o quanto sou egoísta, como se eu fosse a única pessoa a ter direito a tudo neste mundo, e só os meus mais próximos; o quanto privilegio os dons dos quais sou dotada, esquecida de que nada fiz para possui-los, Deus ao me criar os colocou em mim, tendo com isto uma finalidade orientada para um estilo de vida que devia adotar, de um serviço por amor que  também exige que me  desenvolva em todos os sentidos, de que esteja atenta para as necessidades das pessoas com as quais convivo no dia a dia, ou simplesmente encontro casualmente por alguma rua por onde possa estar passando.

E quando via aquela mulher, era invariável que pensasse: é possível que uma pessoa goste de viver com aquelas roupas disformes, já nem se pode chamar simplesmente decote o que deixa os seios totalmente à vista ao contrario da cintura extremamente apertada para deixar ainda mais exuberante a segunda parte do tronco ao qual ela imprimia movimento provocativo entre os homens e igualmente iradas as respectivas mulheres. Entre estas, ao menos cinco, já haviam passado pela experiência de ver seus maridos rumarem para a casa dela e se instalarem como se igualmente donos fossem até que um dia se cansavam das facilidades que lhes proporcionava, pela convivência promíscua e se lembrando das próprias esposas, de como era melhor a vida com elas, de como ali ao lado da esposa e dos filhos, sentia  todo sabor do que é uma família segundo os preceitos de Deus,  contristados, alguns pedindo perdão, voltavam, nem sempre recebidos de braços abertos, mas também sem um mínimo de hostilidade que pudesse causar qualquer constrangimento. Eram recebidos de volta e pouco a pouco tudo voltava a ser como era antes.

Ao saber de cada caso sempre me vinha a vontade de ir à casa dela e dizer “poucas e boas”, mas também chamando-lhe a atenção para que não se esquecesse de que havia um Senhor que a tudo via e nunca ficava satisfeito com o pecado que ela habitualmente cometia.

E passava o resto do meu dia remoendo aquelas ideias, ensaiando palavras que nunca lhe disse e deixando crescer em mim toda a decepção, toda hostilidade que a certo ponto também percebi quanto tempo  me fazia perder, como se tornava minha companhia onde quer que eu fosse, durante o que fosse ou o que eu estivesse fazendo.

E se encontrasse um grupo de outras mulheres que lhe dirigiam insultos ao vê-la passar ou indo buscar água no “Poço de Jacó”, não vacilava em me juntar a elas repetindo em coro as palavras que de tanto se repetirem eram sequenciais: adúltera, tomadora de marido  dos outros, vadia, sem moral, suja, vai embora daqui e nos deixe viver em paz. Você é um estorvo na nossa vida, não a suportamos mais, vê-la não se diferencia de uma visão demoníaca: “vai-te para os quintos do inferno”.

E quando escorraçada, sem outra alternativa, disparava em carreira de volta para sua casa, também sem segurança, mas era a que tinha.
Muitas vezes até ajoelhando-se, chorava copiosamente, sem lamentar-se, não entendia do que devesse fazer, não compreendia porque no entanto, era  dada a insinuar-se para homens e foi assim que tomou maridos de ao menos cinco delas.

E eu ficava pensando.  Moro no mesmo lugar que ela, pode aceitar viver a sua própria vida, sem incomodar ninguém, porque prefere ser pecadora, prostituta, irresponsável, aderir a uma vida fácil porque com aquele pouco que recebia dos homens conseguia manter-se.

Quando tudo mudou

Até aquele dia, em que ela chegou esbaforida dizendo a todos  que encontrara o profeta, um judeu que nunca vira antes, que sabia de toda a sua vida.
E juntei-me àquela pequena multidão que acreditou em suas palavras e rumou em direção ao “Poço de Jacó” onde, debaixo daquela árvore conhecida, encontramos o Cristo que ali estava e entretinha-se com seus discípulos.
Aproximando-se conversaram com Ele e se encantaram com o que ouviram até que Jesus demonstra ser chegado o momento de retomar o caminho, tendo ouvido que suplicavam: “não te vás, Senhor, fica conosco ao menos uns dois dias”.

E Jesus ficou hospedado na casa de alguns samaritanos assim como seus discípulos. E com sua pedagogia do amor mediante a qual os havia atraído sem que percebessem, foi-lhes ensinando. Dizem depois à samaritana: ‘Primeiro nós acreditamos no que você nos contou. Agora acreditamos no que ouvimos”
A partir de então me descobri pensando nos fatos, a partir do dia em que a samaritana foi vista em Sicar pela primeira vez. Chegou tendo nas mãos apenas uma trouxa que a avaliar pelo volume, continha bem pouco. Depois de andar errante de cá e de lá, descobriu aquela casa abandonada onde aventurou-se entrar. Disposta a sair se alguém reclamasse a propriedade o que não aconteceu e ela continuou ficando. 

Da minha janela podia vê-la se movimentando naquele pequeno espaço e curiosamente, jamais me passou pela cabeça fazer-lhe uma visita de  cortesia, interessar-me por sua situação, ouvi-la no que tivesse para dizer e não obstante me permitisse minha condição econômica, também nunca me dispus a levar-lhe alguma coisa para vestir-se melhor, para comer, para   ter onde dormir. 

Algum pouco tempo passado, começou uma movimentação de homens que crendo não serem vistos por ninguém entravam na casa e “usavam” a pobre coitada. Alguns deixavam ali qualquer moeda, outros absolutamente nada. 

E um dia aconteceu algo de mais grave, o marido de A, a deixou com os filhos e passara a conviver com a Samaritana. Em pouco tempo ao menos cinco sucessivamente tiveram o mesmo comportamento, mas ao invés de compreensão ou das razões que supostamente tinha para não se deixar rebaixar nem perder sua grandeza, sua dignidade, o saber que merecia muito mais, sucessivamente recebeu  a todos.

Se se juntasse aos adoradores de Deus era escorraçada dali por não ser digna.   Nem água no poço podia ir buscar livremente, porque era hostilizada de todas as formas. Em vista desta situação foi constrangida a sair ao sol  do meio dia, quando todas as outras mulheres o evitavam devido ao grande calor. E sacrificada depois de encher o cântaro tomava penosamente de volta, o caminho de sua casa.

Todos a desprezavam ninguém procurou ajudá-la, ninguém quis saber sua procedência, de onde era sua família, porque se encontrava tão sozinha. Do que precisava, de como se sentia.

Foi portanto uma grande surpresa, ter sido exatamente através dela que o Profeta de propósito passou pela Samaria, sem nenhum temor de sofrer qualquer ataque pelo fato de ser judeu e pelo que tudo indica, para encontra-la.
Com ela, mediante um fato quase indiferente, pedir de beber, travou um discurso de atração, de conquista, não havia possibilidade de não dar certo porque no desígnio de Deus, como está escrito: “ninguém vem a mim, sem que tenha sido  atraído pelo Pai”.(Jo. 5,44).

E mesmo opondo-se ao pedido e estranhando pelas divergências que pairavam entre judeus e samaritanos, (como se Jesus tivesse nacionalidade, era como Deus que Ele principalmente ali estava).

Sua perplexidade é maior, quando Jesus insinua que ela vacila em dar-lhe de beber, por não saber de quem se tratava e muito melhor era a  água que tinha para ela, uma água que  depois de bebida ninguém mais sente sede.

Quando então Ela pediu de tal água, chegou o momento central do que aconteceria. Vai chamar seu marido e volta com ele aqui, disse Jesus. Mas eu não tenho marido. respondeu. Jesus se revela: você disse a verdade nem este que está com você agora é seu marido.

Para saber assim do seu passado, outro não podia ser senão o Profeta divulgado e esperado e seu primeiro impulso foi sair em disparada carreira e  ir contar aos outros sua experiência. 

Foi a primeira vez que foi tida em conta – porque aquela turba também já estava atraída por Deus, embora não tivesse consciência.

Converti-me?

Enquanto Jesus ainda era hóspede dos samaritanos coloquei-me em reflexão profunda e fui reconhecendo que não tinha exercido o dom da hospitalidade em relação àquela mulher; não matei sua fome, não lhe dei o que comer nem com que se vestir, mas me juntei a turba todas as vezes em que se reunia  para escrachá-la, para diminui-la, para fazê-la sentir-se a última das pessoas, sem nenhum direito, sem voz e sem vez. E é como se me fosse dado um grande tapa na cara ao entender que ninguém tem o direito de julgar ninguém, ninguém pode se omitir de fazer pelo outro, tudo do que for capaz de fazer, de ajudar de todas as formas, de ver na pessoa do outro Javeh ultrajado. 

E assumi no meu corpo toda sua indigência para tentar  provar tudo que sofreu em nossas garras, todas as humilhações pelas quais passou, tudo que ouviu de triste, enfim do ter provado a mais forte ausência de caridade de que o ser humano desajustado, sem amor, é capaz.

E como me doeu! E como me entristeceu! E como provei do quanto é triste viver em solidão, de não ouvir de ninguém uma palavra de carinho, proporcionar um afago, por ninguém se sentir amada.

ENCARNO-ME DE VOLTA

Jesus foi o maior dos Mestres. No curto espaço de sua vida terrena, pelo bem que fez foi logo condenado à morte, não sem ter proclamado em todos os termos a BOA NOVA do Pai, sua missão.

Ensinou com exemplo e palavras o que significa vivenciar o primeiro mandamento e o segundo que a ele é semelhante. 

1° Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração com toda tua alma e com todas as tuas forças.
2°Amarás a teu próximo como a ti mesmo. 

Às vezes nos amamos pouco ou sequer nos amamos e olha a consequência, a pobreza, a falta de peso do nosso amor traduzido em não amor ou nenhum, e estaremos incorrendo em grave desamor, porque “quem disser que ama a Deus que não vê e não ama ao próximo que vê é um grande mentiroso. (1 Jo. 4,21).

Relevo alguma vaidade demonstrada pela Samaritana, seu prostituir-se, nunca sozinha, porque não há prostituída, sem prostituidor. Como condená-la na sua ignorância se no meu saber também nem sempre me comporto segundo a moral, o direito e a justiça. 
Quantas samaritanas estão percorrendo desvairadas os caminhos do mundo, atravessando mares, expulsas pelas circunstâncias de ação ou omissão de governantes iníquos, de cidadão sem cidadania, das suas próprias pátrias, morrendo e deixando seus pequenos seres na orfandade ou vendo-os morrerem sem que seus corpos sejam recuperados ou são encontrados jogados pelas ondas numa praia.

“Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” disse Jesus. Esta pedra hoje se chama Francisco que afirma: “... a misericórdia não é uma palavra abstrata, mas um rosto para reconhecer, contemplar e servir. E assim o manifesta na Bula da Misericórdia com que convoca(ou) o Jubileu: “Jesus de Nazaré com a Sua palavra, com os seus gestos e com toda a Sua pessoa revela a misericórdia de Deus. N’Ele não há nada em que falte compaixão”. A seguir acrescenta: “a Sua Pessoa não é outra coisa senão Amor, um amor que se doa e oferece gratuitamente. Os sinais que realiza, sobretudo para com os pecadores, para com as pessoas pobres, excluídas, doentes e em sofrimento, levam consigo o distintivo da misericórdia”

Não há outro caminho, o caminho para ver e ouvir qualquer samaritana, todas as samaritanas de onde vieram ou estão,  passa pela misericórdia.
Esta obrigação assume novos contornos, se agiganta, quando a pessoa aceita Cristo e a Ele consagra toda sua vida, fazendo por acréscimo, uma promessa de caridade.

                                                        
Marlusse Pestana Daher