Dona
Maria Tatagiba, virtuosa senhora que viveu em São José
Ninguém ao certo, sabia a finalidade de tantos ramalhetes
de flores e da grande quantidade de mudas diversas. Suas mãos eram ágeis para apanhar
as mais belas flores em tons diversificados. Ia formando lindas braçadas de
flores. Todas catadas dos jardins alheios.
Aos poucos, todos os moradores da pequena cidade percebiam
que Dona Maria Tatagiba apanhava as flores coloridas e perfumadas e depositava-as
bem arrumadas, em jarras com água fresca e límpida nos altares das diversas
igrejas. As mudas de flores eram distribuídas para quem primeiro as elogiasse em
seus braços enrugados.
Em alguns dias, certamente diferenciados, flores aveludadas,
macias e cheirosas iam enfeitar alguns túmulos no cemitério local. Era rotina
na vida misteriosa dessa velhinha simpática, catar nos quintais vizinhos e
muros alheios as mais belas flores e suas mudas, aparentemente fresquinhas. No
quintal de sua humilde casa era enorme o acúmulo de plantio de flores.

Em toda cidade montanhosa todos se acostumaram com a
velha senhora, as pessoas iam e vinham, apressadas, em suas rotinas
corriqueiras, ninguém mais a observava. Assim, longos anos de vida teve Dona
Maria, catando flores e mudas diversas, a enfeitar os altares das igrejas de
todas as religiões, a depositar carinhosamente nos túmulos alheios flores com
pingos do sereno da noite e a distribuir sorridente e feliz, as mudas catadas
dos quintais da cidade entre montanhas e flores.
A vida foi passando... Décadas e mais décadas ocorreram
naquele povoado feliz, hospitaleiro e rodeado de flores encantadas e montanhas
azuladas entre rochas centenárias herdadas de “São José”, o padroeiro da cidade.
Dona Maria viveu catando flores por mais cem anos!
As crianças alegravam-se com a velhinha de vestido preto
e coberta com o véu negro de renda grossa, carregando as braçadas de flores perfumadas,
com seu rosário de longas contas pendurado na cintura do vestido. Ela era
misteriosamente feliz e a todos encantava!
Certa manhã coberta pelo cântico dos canários soltos
entre os “eucaliptos” da cidade, Dona Maria não mais apareceu para catar flores
alheias, nem enfeitar altares e túmulos, nem ao menos trazer alegria à garotada
que corria atrás dela, em algazarra, rindo e enfeitando as ruas de pedras
antigas do povoado. Reinava um triste silêncio sem a velhinha simpática que
sobrevivia feliz, catando flores, distribuindo amor e felicidade. Ela havia morrido
entre ramalhetes de flores em seu pequeno quarto, solitária. Soube-se que ao
tentar catar flores em um muro alto, teve uma súbita queda e ausentou-se por um
longo tempo enquanto era cuidada por uma parenta zelosa.
Sabe-se que ela é de uma tradicional família, mas não se
sabe do mistério que envolveu sua caminhada vivida aqui no planeta terra. Seu
velório foi emocionante! O caixão foi coberto de flores de todas as cores, qualidades
diversas, todas trazidas pelas crianças que as catavam dos quintais alheios.
Preces e muitas preces... As pessoas de diversas religiões vieram dar o último
adeus à mulher que ornava de rosas os altares silenciosos.
Passaram-se os anos... Ninguém mais teve seu jardim
furtado, nem se vê mais rosário longo de contas grandes. As flores permanecem
vivas e coloridas. Porém, há na cidade um grande vazio, uma ausência de perfume
de flores exalando pelas ruas de pedras antigas. As crianças por certo, estão
nascendo e crescendo mais infelizes, pois não conheceram como as de aurora, a
mulher que roubava flores.
Dona Maria Tatagiba jaz num túmulo com flores secas ao
sol das montanhas, pois todas estão secas pelo tempo, como secas e tristes
estão as ruas e as vidas das pessoas que deixam perpetuar nas almas uma angustia sem
esperanças e sem as loucuras essenciais da VIDA!
A cidade interiorana necessita de suas personagens misteriosas. as que compõem o
cenário típico e obviamente cultuam a história de sua gente. Hoje, os fiéis
moradores (sem rosários, preces e furtos de rosas) prosseguem com suas rotinas
monótonas sem mistérios pelas ruas, sem perspectivas de sonhos, oucuras e
liberdade!