ISA DOS SANTOS MARIA PRADO
Itapetinga - SP
Estava
no velório de um conhecido, velório cheio de gente amiga, cheio de flores e
muito choro como é o certo, pelo passamento de alguém querido, quando do outro
lado da sala dividida apenas por outro caixão, uma senhora de cabelos bem
branquinhos que pareciam feitos de painas, olhos azuis de contas, muito bonita
em seus sessenta e poucos anos, numa ternura comovente, encontrava-se solitária
ao lado do marido morto.
Ao
centro o próprio “Demo”, diziam... O próprio encardido em carne e osso, mais
osso do que carne, muito magro e alto, um verdadeiro homenzarrão, (só no
tamanho) já que, segundo as más línguas... O tal não valia nada, não prestava,
não valia o feijão que comia. Enfim, daqueles que não tem ninguém que queira
segurar-lhe a alça do caixão.
Defunto
grande, aquele! Ali estendido bem no centro da sala, sem ninguém a rodear-lhe.
Sujeito rude, que fizera má fama, tanto que não havia parentes, amigos, filhos
nenhum a lhe guardar. Por certo guardavam eram as más lembranças do fatídico e
de suas maldades.
Quando
saiu o enterro ao lado, ao qual eu realmente tinha ido, restou apenas aquela
doce senhora a guardar o defunto mal amado. Abismada não pude me retirar e ali
permaneci a fazer companhia àquela pobre mulher, que em silêncio aguardava o
horário do enterro.
O
velório ficava na rua principal que dava direto ao cemitério, e lá do alto
cheio de cruzes branquinhas, frondosas árvores compunham um cenário que parecia
de filme, num lugarzinho discreto, onde dali algumas horas seria sepultado o
“Peçonhento”.
Cá
embaixo, preocupada a zelosa esposa se perguntava quem carregaria o caixão,
visto que pelo adiantado da hora não tinha aparecido ninguém para tal
incumbência. Eis então, que penalizada, pus-me a fazer café como de costume nos
velórios das cidades do interior. Certo é que, serve-se café para as pessoas
que estão prestando condolências e passaram a noite ali. Bem, como não havia
uma viva alma além de nós duas e o “Amaldiçoado” e este é claro não poderia
fartar-se mais de tal iguaria, então sem pestanejar saí às ruas e pus-me a
convidar os passantes para tomarem um cafezinho esperto, como diria minha irmã
Nancy.
Pois,
não é que deu certo! Alguns poucos desavisados entraram para tomar o cafezinho,
embora esconjurando o ‘Defunto’, mas permaneceram, ainda que a contragosto para
carregar-lhe o caixão, que, finalmente desceria à sepultura.
Faltava
ainda quem lhe encomendasse a alma...
Aí
a coisa ficou preta! Mais preta que o terno do valente, afinal quem haveria de
lhe encomendar a alma se o seu inventário de maldades já anunciava para onde o
famigerado iria?
Foi
quando, atraídas pelo cheiro do cafezinho, algumas crianças saídas da escola
que ficava ali perto, adentraram inadvertidamente o velório e claro, logo foram
seguidas por suas mães.
Aleluia!
Estava formado o coral, para o conforto da esposa solitária. Assim, unidas três
cabecinhas num mesmo véu (já que só a esposa do defunto trazia-o para suas
orações), viram-se as pobres mães, que congregavam da mesma fé, obrigadas a
entoar belos hinos de recomenda de alma.
Nunca
cantei tão forte e alto um hino do qual nem me lembrava a letra. No entanto
como o refrão saiu bonito! Bonito mesmo! Tanto que cá pra nós, teve um momento
que até me empolguei e acabei desafinando, mas deixa pra lá.
Fechado
o caixão sob o olhar agradecido daquela senhorinha, afastei-me, honestamente
refletindo sobre um velho ditado popular que diz... Bem você já deve saber qual
é, e se não souber pense no qual lhe aprouver afinal:
É a vida que segue...