segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

MEU DISCURSO DE POSSE NA AFESL

ACADEMIA FEMININA ESPIRITO-SANTENSE DE LETRAS

MEU DISCURSO DE POSSE

Cadeira 33. Patrona: ARGENTNA LOPES TRISTÃO


Em pouco mais de seis laudas, escritas em antiga máquina de escrever, ela assim encerrou sua autobiografia: este documento que encerro em cálida manhã do dia 24 de novembro de 1992, foi elaborado no meu “chalet” a Rua Roberto Kautsky, s/n, na cidade de Campinho (Domingos Martins).  E o dedicou a mim, é a mim! São exatamente estas as palavras com que o fez: Eu o ofereço a minha possível sucessora na Academia Feminina Espírito Santense de Letras.

        Certamente, D. Argentina jamais pensou que aquela moça com quem um dia conversou em italiano, na sua loja da Rua do Rosário, para quem autografou um pequeno livro, onde reuniu em trovas, frases copiadas de para-choques de caminhão, fosse exatamente, a destinatária desse seu gesto de carinho.

Para dizer da minha sensibilidade ao recebê-la, dirijo-me às suas duas filhas, aqui presentes, Diana e Maria da Penha, com meu sincero muito obrigada.

        De quem vem a ter assento em uma Academia se diz que se torna imortal “mas não imorrível” na expressão real e divertida de Murilo Melo Filho. Argentina Lopes Tristão, hoje, mais que ontem, é imortal. Seu nome e sua lembrança não perecerão, porque além de ter pertencido a esta Academia, a cadeira 33, que ora, com orgulho e alegria assumo, tem seu nome.

Quem foi Argentina?  Filha de um pai português, Luiz Antonio Lopes e de uma mãe brasileira, Maria Lopes da Cunha, nasceu aos 14 de abril de 1914, na aprazível região de Monte Belo, em Iconha, neste Estado.

        A família mudou-se pra a cidade de Manhuaçu – MG, quando Argentina tinha sete anos de idade. Ali, a menina cresceu, se desenvolveu e completou o curso da Escola Normal Oficial, com defesa de tese sobre “Metodologia do Ensino de Português”.

        Dedicou-se ao estudo da língua francesa, então considerada universal, vindo a dominá-la com fluência, além do italiano e do inglês. Guardou com carinho, nome de Mestres de cujos ensinamentos bebeu, mencionando: Dr. Juventino Nunes, um professor de português; D. Maria Batista Nunes, professora de geografia e história; D. Maria Vicentina Nunes, professora de ciências naturais, física e química e como não poderia deixar, D. Maria de Lucca Pinto Coelho, professora de francês.

        Foi frequentadora assídua dos vários grêmios existentes na cidade. No Grêmio Literário “Coelho Neto”, encontrou o sabor dos pendores para as letras  aos quais desde então se sentia inclinada.

Pela declamação de poesias, percebeu, como afirmou a “sensibilidade trazida pela musicalidade da palavra que nos torna sensíveis ao aprendizado de outros idiomas”.

        A ela se deveu a mais eficaz projeção do jornal “Idéia Nova”, de nível essencialmente literário, órgão oficial da Escola Normal de Manhuaçu, freqüentada só por moças, editado nas oficinas de um ex-ministro, Dr. Segadas Viana, residente na cidade.

        Lembra-se da educação para a feminilidade recebida na sua vida estudantil, mas também das aulas de tango, substituindo a ginástica comum. Além das, de arte culinária, costura e trabalhos manuais, que na minha sensibilidade repercutiu como qualquer coisa lembrando outros tempos, “o tempo de cabeça, do limão de cheiro, negro do recado,...” 

        Confessou-se admiradora de todos os gêneros literários, mas “inimiga ferrenha da escabrosidade na poesia”,  como se quisesse reafirmar que:  se a palavra que disposta em versos não conseguir provocar aquele arrepio que brota da mais perfeita  sensação de beleza, se não provoca um certo  arrepio,  poesia não é.

        Cultuou Catulo da Paixão cearense como o poeta sertanejo por excelência, além de José da Luz. No ápice de sua produção literária, quem mais a teve foi a trova que denominou “eficientíssimo veículo de comunicação entre poetas” De fato, fiquei sabendo que era em trova que se correspondia frequentemente, por exemplo, com o Acadêmico Humberto Del Maestro, outro trovador capixaba, que a brinda e homenageia, dotando a “A F E S L” com algumas dessas pérolas.

        Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, da Associação Espírito Santense de Imprensa, além de presidente de honra da Casa da Cultura de Afonso Cláudio – ES. Primeira trovadora a se inscrever Clube de Poetas e Trovadores de Salvador - Bahia. Reuniu em seu currículo, inúmeros certificados de participação em inúmeros eventos pelo Brasil e no exterior.

        Deixou três pequenos livros de “trova adivinha”, “Legendas de pára-choque”, também em trovas. Em sonetos: “Cadeia de Sonhos”; “Cenas da Vida Diária” (crônicas), um livreto com o título de “Sonetilho”; em poema livre, deixou a “História de Afonso Cláudio” (de sua fundação a 1930); “A Trova Adivinha” em parceria com Amália Max (do Paraná); “O Menino José” é obra com que resgata história da vida de José Ribeiro Tristão, “esse grande administrador de empresas de saudosa memória”, afirmou ela.

        Muito jovem, três meses e três dias após terminar os estudos, desposou Raymundo Ribeiro Tristão, com quem teve três filhos, Luiz Misael Lopes Tristão, já falecido; Diana Lopes Tristão e Maria da Penha Tristão de Souza que lhe deram nove netos.

        Por influência do marido, ocupou-se por muitos anos no comércio, onde sua alma de poeta deu vez à estilista incomparável no seu tempo. Muitas foram as noivas que no dia maior de suas vidas, subiram ao altar vestidas sob inspiração de D. Argentina. De fato, ela até registrou em suas memórias, a dedicatória lançada pela também acadêmica, Magda Lugon, no seu livro “Pequena Flor”: “Para minha querida Argentina, que com sua arte, criou-me o mais lindo vestido que jamais exibi em minha vida: o meu vestido de noiva”.
       
        Na hora que julgou chegada, D. Argentina deixou as demais atividades, deixando permanecer intata a trovadora e escrevia frequentemente.

        No seu chalé em Domingos Martins, premiada pela natureza, ela deu asas aos sentimentos que se afloravam, não se podava e assim era que se divertia com o bando buliçoso da garotada da rua, deliciando-se em banhos inesquecíveis em sua piscina. Quando recriminada por algum familiar, respondia que era muito bom ouvir toda aquela algazarra, música impagável.  Outra prova do quanto com os garotos se identificava se traduz no contato com aqueles que invadiam a Praça Costa Pereira, a quem fornecia lanche e falava da presença de Deus que tudo vê.  Um Deus que cultuou sempre ainda que jamais se tivesse ligado aos preceitos de uma religião.

        No dia 22 de maio de 1999, Argentina Lopes Tristão aceitou um convite para uma seresta em cuja oportunidade seria mais uma vez homenageada, na Casa da Cultura em Afonso Cláudio. Na hora precisa, dirigiu-se para lá onde era esperada pelo Senhor da Vida que diligenciaria seu regresso à casa do Pai.

        A festa da terra murchou, mas foi um espetáculo a que aconteceu no céu! Os amigos da terra não conseguiram sufocar o pranto, mas os do céu vibravam com a chegada de Argentina.

Na Igreja católica, comemorava-se a festa de Santa Rita de Cássia, gostam de lembrar seus familiares, que exatamente por isto, como que se sentem de certa forma recompensados, pela incomparável perda.

Na busca de uma sua palavra para constituir em síntese do seu testamento literário, respaldando a afirmação de sua filha, Maria da Penha, que a definiu como “uma mulher sintonizada com as causas e as coisas do seu tempo” escolhi duas trovas:

“Eu tenho um profundo amor,
Ao irmão deficiente,                           
Pois o grande Deus Senhor,                
Não vê ninguém diferente”.                

O gesto vil do atentado
De consequências insanas
Que torna animalizado
O uso das forças humanas.


Esta fala se restringe ao canto sobre a Patrona da cadeira que passo a ocupar.

No entanto, como já me acostumei a ser repetidamente perdoada, quando externo minhas irresignações, espero que mais uma vez, assim aconteça. É que não posso  sufocar um sentimento profundo que me possui:  o da mais  sincera e profunda gratidão às Acadêmicas que  generosamente referendaram meu nome, tornando-me integrante dessa Casa, onde doravante espero estar contribuindo na defesa dos objetivos que se propõe.  Ajudem-me, também lhes peço, para que a cada dia seja menos incapaz e envide os melhores esforços, na defesa da Língua Brasileira, na sua mais alta expressão.

        Nem posso deixar de citar os amigos que me alimentam com o incentivo da presença e da amizade; a minha família que aqui está, participando comigo da grandeza e da magnitude desta hora, principalmente à minha mãe, a quem dedico este momento.

        Sobretudo e sobre todos a Deus, que me dotou dos dons que tornaram ser possível, ser aceita e estar aqui e por tudo o mais que nem conheço e nem sei! 




PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO X DIREITOS DA CRIANÇA


                                    O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO                                                              FRENTE À VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA




A violência doméstica como um todo, e em especial, a violência sexual intra familiar ainda têm sido tratadas como assuntos privados e estigmatizantes, mesmo pelos profissionais da área jurídica,  sobre quem recai a responsabilidade de considerá-la tema público e sujeito a conseqüências na esfera judicial.

Essa curiosa inversão, verdadeira negação de valores tutelados pela Lei, favorece a recorrência do processo de vitimização, porque, ante a ausência da intercessão do Poder Público, sucede a tendência da criança a adaptar-se à situação abusiva, por absoluta escassez de alternativas outras que provoquem o seu rompimento. Essa adaptação, lamentavelmente, ocorre em detrimento de seu normal desenvolvimento emocional, gerando um adulto inseguro, com baixa auto-estima, sem parâmetros relacionais adequados, e que, em muitas das vezes, vai repetir o processo de objetificação do qual foi vítima, agora na posição de agressor.

As pesquisas de forma uníssona verificado que, instalado o abuso, o rompimento do segredo que o sustenta vai depender de um ambiente familiar no qual a criança vá se sentir protegida após a revelação e/ou de um suporte estatal que lhe dê outras possibilidades, a não ser a submissão a essa violação.  É sabido que o enfrentamento das questões implicadas no abuso sexual intra familiar, configuradas nos planos jurídico, social e psicológico, depende de uma abordagem multidisciplinar voltada para a efetiva proteção da criança e de sua saúde, que inclui a existência de órgãos públicos e profissionais aptos para esse atendimento.

É preciso, portanto, em defesa dos direitos dessas vítimas, reagir contra o imobilismo decorrente da indiferença de uma sociedade desiludida e do desinteresse do Poder Público. Mister se faz que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja efetivamente implementado.

No contexto do Estatuto, que nos trouxe a tão decantada doutrina da proteção integral, estabeleceu-se um sistema de garantias assentado sobre uma verdadeira “rede de proteção”, consistente em um conjunto articulado e integrado de organismos e ações que têm por meta assegurar os direitos dos infantes.

Esse sistema é composto tanto pelas políticas sociais básicas – que vão assegurar o direito à educação, saúde, profissionalização, etc. – quanto pelas políticas de proteção especial – que, em conjunto com os órgãos do sistema de justiça, entram em cena quando da ocorrência concreta de violação de direitos.

Como acentua Edson Seda, na vigência da legislação anterior, “a ausência ou insuficiência de ação necessária para implementação de qualquer das políticas públicas transformava a criança e o adolescente em menor em situação irregular, o que bastava para que fossem encaminhados à autoridade tutelar. Atualmente, com a vigência do ECRIAD, a mesma falha inverte a polarização, colocando a política pública em situação irregular, demandando imediata ação administrativa para cobrar o direito violado”. Observe-se, nesse sentido,  a severidade do art. 208 do texto legal.

É indispensável que cobremos do Poder Público seu dever frente aos cidadãos. A provisão de todo o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, que perpassa tanto as políticas sociais básicas quanto os serviços de proteção previstos no art. 101 do Estatuto, não são favores, mas obrigações do Estado, contrapartidas óbvias dos direitos subjetivos de nossos infantes expressamente elencados em lei.

A ampla legitimação confiada ao Ministério Público para a defesa desses direitos, que nos autoriza a atuar tanto na esfera judicial quanto extrajudicialmente, torna a omissão do Poder Público fator que obrigatoriamente nos impele agir, sob pena de sermos, também, omissos.

A sensibilização do Poder Público, a celebração de compromissos de ajustamento de conduta e a emissão de recomendações têm-se revelado instrumentos bastante eficazes na atuação ministerial em defesa dos direitos da criança. Temos obtido avanços significativos através da intervenção extrajudicial.

É notória a carência de serviços públicos, em todo o território brasileiro, em severo prejuízo de nossa sofrida população, que tem depositado no Ministério Público crédito e confiança.

A proposta é que façamos jus a esse crédito, assumindo, concretamente, o papel de agentes comprometidos com a materialização dos tantos direitos assegurados às nossas crianças, que, em muitos casos, presentifica-se somente no papel.