Conto de Elza Cunha,
publicado Escritores do
Brasil, 1981.

As Ninfas se voltam surpresas à aproximação de Eólo
que, em galanteios, voluteia até roçar em suas leves túnicas. De soslaio, acena
para uma das beldades. Esta, sem perder o ritmo da música, sempre a bailar,
acompanha-o. Suas companheiras, entretidas, magnetizadas pelo bailar sonhador,
não percebem seu afastamento.
A certa distância, Eólo, confiante, profere: - “Vem
comigo! Não temas os ciúmes de Fauno, ele compreenderá. Não quero arrebatar-te.
Sou apenas o amante incondicional da natureza, no que se concebe de mais
altruístico. Para realizar o meu desejo, necessito da contribuição de tua
imarcescível beleza! Vou conduzir-te a um lugar de grande encanto, talvez ainda
por ti desconhecido. Encontro em ti a parte integrante, insofismável, para a
perfeição do painel consagrado à nossa mãe: A Natureza.”
Enlaçando-a pela cintura, levou-a, qual pluma, a
voar, a voar...
Neste voo esplendoroso, tudo lhe causa admiração.
Vê miríades de borboletas de variegadas cores, refulgentes ao sol. Tão juntas
voam, que formam uma nuvem irisada, qual pálio divino, a proteger-lhes as
cabeças. Ela sorri encantada, enquanto sua longa cabeleira tremula ao vento,
para depois cair em cascatas sobre os níveos ombros nus. Chispas eletrizantes,
desprendiam-se de seus cabelos, quais partículas de ouro, confundindo-se com o
brilho singular do diadema de pérolas, que lhe cingia a fronte, dando majestade
e realce àquele rosto de linhas tão puras!...
Chegaram, enfim, ao lugar colimado, no alto do
monte. Uma árvore frondosa e solitária, de ramos flexíveis, parecia
aguardá-los, acolhendo-os na sua sombra encantada. Entrementes, ouve-se
gorjeios de repassada melodia. Eram pássaros que, pousados nas árvores,
entoavam hinos de amor e louvor aos recém-chegados. Ficam ali parados,
enlevados, a ouvir aqueles cantos de ternura e magia, embevecidos também ante a
paisagem que se descortinava.
Depois, já refeitos, notam as múltiplas borboletas
dispersas, que assentadas, se misturam com as flores silvestres, formando um
tapete de colorido indescritível. Era como se fora a réplica do paraíso!
Eólo, entre soberbo e comovido, dirige-se à Ninfa
que, cada vez mais atônita, tem os olhos ávidos, como a querer abranger tudo a
um só tempo. – “Aqui, nos sentimos mais próximos do céu! A nossos pés, tens a
pródiga e fascinante natureza! Repara lá embaixo. O rio corre a marulhar
colóquios de amor, tendo como leito raros nenúfares, e como proteção a sombra
desta majestosa e milenária floresta. Que artista poderia dar, com o seu
pincel, o toque mágico ao verde intenso destas folhagens? Àqueloutras, folhas
novas de cor avermelhada...”
A Ninfa exclama: “É tudo extremamente belo!...”
Retorquiu Eólo: - “Ainda não é tudo. Contempla o
porte altaneiro daquele jequitibá à distância, qual sentinela do infinito! Não
analisaste um detalhe. As nuances que a vista nos ofererece derivam, por certo,
das incontáveis variedades de árvores componentes desta floresta. Entre outras,
destacam-se os jequitibás, jacarandás, braúnas, perobas, sucupiras, cerejeiras,
vináticos, guaribus, e os ipês, cuja a floração multicor empresta à paisagem
uma dimensão de maior encantamento.
Dizem que duendes, em busca de mistérios, se
transportaram de suas casas, para divertirem-se com seus risinhos e
travessuras, assustando os desavisados caçadores no seio da floresta. E mais ,
que, em noite de luar, brincam de “esconde-esconde”, com os sacis-pererês.
Interessante essa lenda, não achas?”
-“Sinto-me no mundo da fantasia”, disse a Ninfa,
quase inaudível.
Prossegue Eólo: - “Analisando esta harmonia que nos
deslumbra, ela se coaduna com a orquestração da natureza em festa. Ouve o canto
mavioso do uirapuru, das graúnas e de muitos outros pássaros. Este tom agudo,
estridente, é peculiar da araponga, que forma certa balbúrdia com o grasnar das
araras, no magnífico colorido de suas plumagens. Seguem os papagaios, as
jandaias, nos seus vaivéns de festiva algazarra. Tudo isto faz parte do
orquestrar que nos desperta para o belo da vida!...
Atenta ainda, à distância, o pio triste do macuco,
que se aproxima do roncar soturno do mutum. Este, em compensação, semelhante a
um grande pato selvagem, de rara beleza, sua plumagem tem cor preta com
reflexos metálicos. Arrogante no porte, tem sobre a cabeça um topete altivo, qual
coroa a indicar sua espécie imperial.
Por último, vê acolá. São os astutos macacos que
não faltariam. Soltam gritos sibilinos, em intermináveis acrobacias, e estão a
gangorrar no imenso cipoal pendente das árvores. Admiro-os na destreza e
inteligência.”
A Ninfa suspira profundamente, estática e possuída
por respeito místico que a deslumbra e confunde.
-“Agora, que tomaste conhecimento de tantas
magnificências, compreenderás o por que transportei-te a este lugar.
Este cenário, de perturbadora beleza, quero que se
complete, por inteiro, no expoente máximo da natureza: A tua escultural figura
de mulher!...
Fauno não tardará vir a teu encontro. Obrigado!
Adeus!...”. Acenou-lhe, comovido.
A Ninfa ficou , também, emocionada. Depois
entrega-se ao embevecimento e êxtase. Senta-se e, de mansinho inclina-se,
lateralmente, apoiando o corpo divinal sobre os cotovelos, numa postura
meditativa, tendo o queixo firmado na palma da mão. Ao acomodar-se, de seu
amplo decote surge o inesperado. Seus lindos e voluptosos seios, quais pomos
divinos, saltam e , ao sentirem o contacto leve, nos pequeninos seixos,
tornam-se repentinamente, excitados e tesos. Um frêmito de volúpia intensa
estremece-lhe todo os corpo. Repete aquele roçar suave, como uma carícia. Sua
boca rubra é toda sensualidade! Tem os
lábios carnudos entreabertos, hálito quente, respiração curta e seus olhos
semicerrados brilham estranhos, mas infinitamente amorosos e provocantes. Em
gestos lentos, desfaz-se de sua leve túnica. Fica nua!
Os zéfiros que passam percorrer seu corpo em
esplêndida carícia. A sensualidade de seu corpo em flor aproxima-se ao clímax.
Quanto maior era a ansiedade e pertubação, vê
Fauno. Este, ao vê-la , titubeia, a vista ofusca-se-lhe ante aquele
quadro onírico, provocante e belo. Chega, de mansinho, receoso de tresmudar
aquele cenário, em que a grandiosidade e apoteose da natureza estavam prestes à
sublimação.
A Ninfa estende-lhe as mãos súplices, em alucinante
tentação.
Dois corpos abraçados, tombam, amorosamente...
Aquela árvore solitária, de ramos flexíveis,
dobra-se qual cortina misteriosa, em respeito ao ato máximo da natureza: “O
Amor!...”
Ao som mavioso de uma lira sonhadora, a Ninfa abre,
graciosamente, seus olhos garços e de seus úmidos lábios desprende o mais suave
e inolvidável sorriso. Eis ai um quadro digno de modelo a um Canova.
Fauno, possuído de extremo carinho e compreensão,
apresenta-lhe a túnica.
Com gestos lentos, já vestida, deixa-se enlaçar
pelos braços de seu amado, que a conduz às suas companheiras. Ao deixá-la ,
Fauno beija-a, com ternura, e se afasta para a sua eterna vigilância de seus
domínios.
À aproximação de alguém, as Ninfas se voltam
pasmadas pela tocante beleza e felicidade que transparece no rosto de sua
companheira. Depois, sorridentes e brejeiras, dão sequência ao bailado imutável
de suas vidas nômades.