No sétimo dia...

Quando a chamava não só
Beatriz, mas Beatriz Abaurre, ela
ria divertida, porque o nome de família, por positiva gozação, eu o pronunciava
bem cheio e mais compassadamente. Na escrita, não dá para traduzir, só
imaginar. Ria sempre, aquele riso que a caracterizava, sorriso bem largo, igualmente
divertido, cujo ressoar ainda repercutirá por muito tempo aos meus ouvidos.
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Com a familia no dia do lançamento de sua biografia |
Obstinada, esguia,
inteligente, destacou-se sempre, não só pela projeção social alcançada, mas
pelos dotes musicais e artísticos dos quais era dotada; quando por mais de uma
vez presidiu o “Conselho Estadual de Cultura”, função que levou às últimas
consequências, lutando por manter íntegro o entorno do “Penedo” na Baia de
Vitória e dos diversos monumentos tombados em todo o Estado. Foi nesse tempo
que nos aproximamos, visto que eu dirigia o Centro de Apoio do Ministério
Público que trata do ambiente natural, do patrimônio histórico e artístico. Lá,
chegou a passar longas horas de diversas tardes, trocando ideia e valendo-se do
mesmo apoio que lhe podia dar, nas lutas que abraçava.
A perda do único filho
varão causou-lhe aquele baque terrível que provam todas as mães, em igual
circunstância, até pela forma trágica com que aconteceu. Mas se afirma que foi exatamente
tal tempo de dor a despertar nela, a excelente escritora e poetisa que se
revelou e que desde então não parou de produzir.
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Com Wanda Alckmin e sua biógrafa, Maria do Carmo Schneider |
Ao lado dela, ingressei na
Academia Feminina Espírito-santense de Letras. Desde então, nosso convívio foi
muito próximo, ao ponto de me sentir particularmente distinguida com particular
afeto seu. Antes, na sua plena forma, depois, quando foi sucumbindo aos poucos,
o que ela mesma contava. O longo período, que a manteve sob tenso cuidado médico,
impediu-me de vê-la o que não aconteceu sem sentido lamento da minha parte. Tivemos
apenas uma conversa ao telefone. Agora, se é possível saber, ela bem o sabe que
não foi porque não quis.
Permanece lá bem no alto,
no alto da Ladeira “Sagrado Coração de Maria”, um apartamento, mirante de esplêndida
paisagem, na qual se incluem, as barcas ancoradas no Iate, a ponte e a Ilha do
Frade, a Ilha do Boi, a Terceira ponte, o contorno do canal com seus edifícios de
apartamentos, a Curva da Jurema, todos, agora privados de um olhar cotidiano que
lhes era projetado em êxtase, mas que também enchiam de beleza a alma de
Beatriz. Naquela mesma morada, um piano na sala se calou, a viola não saiu mais
do seu estojo, debruçada sobre aquela mesa, não se vê mais aquela mulher
inteligente que disparava versos e escrevia contos e crônicas, estruturava e
editava livros, depois publicava.
Não se disque mais aquele
número de telefone que emudeceu, não se conte mais com o concurso daquela personalidade
bem dotada, capaz de fazer tanta coisa acontecer, não a chamemos mais pelo nome,
não virá nenhuma resposta, mas seu legado grande e valioso nunca deixará de ser
subsídio, de modo que tudo o que sabia permanece à disposição de quantos
precisarem e dele se quiserem valer.
É assim, tudo tem seu
tempo, as pessoas também. À sua hora, cada pessoa é a única capaz de dizer, já vou, sejam quais forem as
circunstâncias, o fato que a determinou.
A dor dos que ficam vai
doendo, até...
Descanse em paz, querida
Beatriz!
Marlusse
21 de junho de 2013
17:22