“Era assim mesmo,
acreditávamos por respeito e confiança nos mais velhos, muito carinho e amor
por nossos pais... Onde foram parar todos esses valores”?
Exatamente, estas são as
palavras com as quais minha amiga, Ady Gomes Lencastre, comentou a crônica que
escrevi ontem: “Crendices mateenses”. Citando várias, disse que acreditávamos
sem perguntar, por exemplo, “por que beber leite e comer manga faz mal”?
Certamente, sentíamo-nos
amadas. Jamais duvidamos do que ouvimos dos
lábios de mamãe. Era sempre dela a autoria das narrativas. Ainda que não enfatizássemos, é certo que ao nosso inconsciente não passava despercebido tudo que fazia, as diversas mulheres em que ela cotidianamente se desdobrava para que tivéssemos o essencial sempre a tempo e a hora. Ela nos defendia dos castigos de papai. Ela brigava se fosse preciso, com quem ousasse nos atingir.
lábios de mamãe. Era sempre dela a autoria das narrativas. Ainda que não enfatizássemos, é certo que ao nosso inconsciente não passava despercebido tudo que fazia, as diversas mulheres em que ela cotidianamente se desdobrava para que tivéssemos o essencial sempre a tempo e a hora. Ela nos defendia dos castigos de papai. Ela brigava se fosse preciso, com quem ousasse nos atingir.
E o carinho que dispensava
a cada uma das irmãzinhas que nascia, até chegar a oitava. Ao irmãozinho, o
sexto da constelação. Sem sentir nenhum ciúme, porque toda por quem era menor,
não era menos em favor de quem já estava crescidinha.
Uma vez fiz fogueira do
montinho de lixo que o varredor deixou na rua. O carroceiro que recolhia, deu a
maior bronca ao passar, só por isto. E vovó quis me bater. Sai correndo,
entrava pela porta da frente, saia pela dos fundos, rodando pelo terreno vazio
ao lado, vovó atrás. Ao passar por dentro de casa ouvia sua voz que me animava:
corre! E claro, eu corria. Acho que vovó
se deu por vencida e quando voltei mais tarde, nada aconteceu.
Éramos mais inocentes?
Claro que sim. Eu tinha perto de dez anos, quando Hilda nasceu. Estava
conversando com umas coleguinhas, na frente da casa de Marivete. Nesse tempo,
morávamos em Linhares. Marilene atacou a conversa da cegonha com repercussão
entre todas nós, o que deixou aquele papo ainda mais animado.
Uma delas saiu-se com
essa. “Tem vezes que é cegonha que traz o nenê, tem vezes que é uma garça”. Em
seguida, afirmei convencidíssima: eu nasci com garça! Até hoje, não se apagou
da minha lembrança o sorriso de Marilene, num rosto emoldurado por cabelos
negros e lisos e que pegando nos meus, disse: “é por isto que seus cabelos são
louros”...
Quem disse que não existia
Papai Noel? Certa feita, começamos a escrever cartas para o bom velhinho. Mamãe
assegurou que se colocássemos em determinado lugar, era dentro de casa mesmo,
ele passaria para apanhar. Assim fizemos e ela dizia que era preciso que nós
estivéssemos fora da casa. Claro que saíamos.
Passados alguns instantes,
realmente, Papai Noel havia passado e levado as cartas. Encantadas com o
prodígio, minhas irmãzinhas e eu redigimos outras cartas, colocávamos no local
indicado por mamãe, saiamos, quando voltávamos, Papai Noel recolhera também
essas outras.
Nossa! Ficamos em estado
de êxtase.
Pois é, a criança que
fomos era assim. Não tínhamos discernimento aguçado por tantos apelos, nem
sempre salutares, do mundo que não é mais aquele. Jogávamos peteca, cantávamos
roda em noite de lua cheia, descalças, na rua de terra, sujava os pés de
poeira... Nunca concluímos em verdade, onde foi parar a “bela condessa, língua
de França, onde nasceu”.
Não tinha televisão. As
estórias contadas à voz eram afazer típico das vovós. Se não tivesse tanta
variedade não nos importava, ouvíamos as mesmas sem qualquer objeção.
Bem se vê que o mundo em
torno do qual giravam nossos sonhos era pleno de mistérios, de figuras
misteriosas nunca vistas, de personagens criados pela imaginação ou transmitido
de geração após geração.
O lobisomem, gente, era o
bicho da sexta-feira. Que aparecia, aparecia. Nunca o vi, mas quem disse que
não o concebi: grande, feio, olhos pretos, peludo, dentes enormes, garras
incríveis, aquela mão horrorosa de dedos longos demais. Estremecia só de
pensar.
À mãe só tratávamos de a senhora. A ela todo respeito,
admiração, gratidão.
Experimente dizer que
mentia, que não era o símbolo de tudo que de bom e melhor Deus nos podia dar.
Ia dar briga, das feias.
Prosseguimos, uma vez
sucessores, seremos sucedidos. E a vida continua, mesmo sem dar resposta ao que
minha amiga perguntou: “Onde foram parar todos esses valores”?
Hum... foram substituídos
por outros, não foram?
Vitória, 2 de
dezembro de 2015 17:55