domingo, 30 de agosto de 2015

TODOS SOMOS BRASILEIROS


        É verdade que nossos jornalistas se mostram contundentes em suas entrevistas, que na hora de criticar seja o que for, não dizem meias palavras, ainda que inverdade não seja, que alguns resvalam por afirmações carecedoras de melhores conhecimentos sobre alguns assuntos, o que comprova que realmente, ninguém sabe tudo, nem há quem domine por inteiro,  todas as áreas científicas, sociais, econômicas ou não.

E há um problema, em algumas circunstâncias, ficam devendo mais clareza, pois nós outros, o povo, temos outras ocupações, não podemos seguir tudo, nem sempre entendemos o que nos dizem ou o que significa mesmo, certas afirmações que fazem.

Aconteceu com Miriam Leitão, no programa “Bom Dia Brasil” da última sexta-feira, quando depois de comentar as últimas turbulências... que turbulência! trata-se mesmo é de tempestade, daquelas que devastam economias como a da nossa vizinha, respingando em nós. Ao citar diversas reduções que em conseqüência se processarão por aqui, etc, concluiu dizendo que o Brasil tem como vencer a crise. Resta só esperar mais um pouco para se saber, quando e como se dará a “quebra” da Argentina “com direito a calote e tudo”.

        Não somos economistas e temos o direito de ser mais bem informados. O Brasil tem como superar a crise?  os Ministros demonstram serenidade? mas de que é que se fala? ou não são tidas em conta,  certas estatísticas muito evidenciadas nos últimos dias, durante a realização no Rio de Janeiro, de 6 a 8 do corrente mês, da “1ª Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância” da qual saiu a  “Carta do Rio”,  com quase 300 propostas.

        Tratou-se de uma prévia para a “Conferência Mundial contra a Discriminação Racial” que a ONU promoverá em Durban, na  África do Sul, de 31 de agosto a 08 de setembro próximos.

        Na oportunidade, lembrou-se que em 1993, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fundação da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Controle da Presidência da República, apresentara um relatório com os seguintes dados: “32 milhões de pessoas passam fome no Brasil; 9 milhões de famílias possuem renda mensal que só dá para comprar no máximo, uma cesta básica de alimentos;  cerca de 2,7 milhões de crianças menores de 2 anos apresentam déficit nutricional;  7,2 milhões de indigentes residem no Nordeste; 4,5 milhões dos famintos são "famintos urbanos" e vivem nas regiões metropolitanas”.

Registrou-se ainda ali, que Roberto Martins, atual presidente do mesmo IPEA,  com base em dados próprios, cruzados com os do IBGE, coletados em 1999, afirmou: “a pobreza no Brasil, tem cor: é negra. A renda mensal dos brancos no país é de R$ 400 e a dos negros é de R$ 170. O Brasil branco é cerca de 2,5 vezes mais rico que o Brasil negro”. No Brasil, 22 milhões de indigentes (que ganham até R$ 60 mensais),  representam 13% da população. Esse percentual sobe para 18% entre a parcela negra da população e cai para 8% entre os brancos. Há diferenças também na área educacional: a taxa de analfabetismo dos negros é de 16,5%; a dos brancos é de 9%. 

Há quem não acredite em iniciativas como a de conferências desse porte. Mas é inegável que elas representam, mesmo que lento algum avanço. No “Congresso Mundial das Raças”, realizado em Londres, em 1911,  o Brasil foi representado só por brancos,  “pois aqueles eram os tempos em que se dizia que aqui, os negros sabiam qual era o seu lugar”. Na África do Sul, estarão índios, negros, homossexuais e vão ter voz.

Portanto, vencer a crise passa pela solução de problemas que são mais sérios do que possamos pensar, principalmente, porque ainda nos deixamos governar por aqueles que “somente por fortuna se tornam Príncipes”. (Machiavelli, O Príncipe, cap VII - início).

Memória fraca, acabamos sempre por esquecer as crises a seu tempo, a duras penas suportadas, não admitimos a realidade das desigualdades sociais em que vivemos; que invariavelmente, a maioria sofre algum tipo de exclusão e  como o Presidente Geisel, que certa feita o afirmou, como pretexto para se recusar a receber uma delegação de negros,  nos iludimos pensando que de fato e de direito, todos somos brasileiros.


Escrito em 16 de julho de 2001