Valendo grana, se Silvio Santos me
perguntar qual é a estação das flores e der
quatro opções: primavera, verão,
outono e inverno; eu respondo primavera para ganhar, mas sem acreditar.
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O artista Kleber Galveas |
Quando tinha 6 anos, aluno do jardim
da infância em São Mateus, ES, respondi outono à mestra que festejava a chegada
da primavera com cartazes floridos. A reprovação foi total, da tia ao colega
desligado: contrariei a cartilha. Como estávamos na primavera, pedi que
olhassem pela janela as poucas árvores floridas. Entre elas se destacavam ipês
amarelos e manacás. A mata parecia um tapete verde-louro com poucos pontos
coloridos.
No fim de semana anterior, havia
subindo o rio Cricaré pela segunda vez com a família, quando ouvi minha mãe
dizer: “Isso aqui estava mais florido na semana santa, no outono”. Todos no
barco concordaram. Eu protestei, havia estudado na véspera e sabia de cor, o
“ponto” das estações do ano. As ilustrações da cartilha estavam nítidas na
minha memória: flores na primavera, frutos no outono.
Meu pai me explicou que também
aprendera assim, mas que eu devia ficar atento ao nosso ambiente, fazendo
minhas próprias observações. Pediu que prestasse atenção para comparar, essa
observação na primavera, com a que faríamos depois do verão, no outono, na
semana santa. Ele era médico, professor de inglês e matemática, ajudou a fundar
o primeiro ginásio de São Mateus, ES, tinha prestígio na cidade.
No dia seguinte levei-o a minha
escola, onde falou de observação, de anamnese na medicina e da importância desses
procedimentos em qualquer investigação. Sugeriu que pesquisássemos, observando
e desenhando nossas impressões das 4 estações. A professora ouviu e gostou.
No ano seguinte 1954, mudamos para
Vila Velha e continuei observando: mata do convento, restinga, mangue e, nas
viagens, o campo. Acredito que havendo mais flores nativas numa estação, aqui,
isso ocorre no outono. Nosso outono corresponde à primavera do hemisfério
norte.
Setembro, 22, TVs saúdam a primavera
com flores, e fazem vinhetas. Agências de publicidade sugerem flores para
ilustrar campanhas. Artistas realizam exposições temáticas. Poetas e cantores
alegram a festa das flores. Vitrines, publicações, decorações, por toda parte
as flores aparecem colocadas pelo homem. A natureza continua discreta apesar
das provocações.
Vejo nisso expressão do instinto de
imitação que nos assola, desinteresse por nós mesmos e pelo nosso ambiente.
Mais flor na primavera tropical é por conta das escolas que só reproduzem
conhecimentos, da publicidade, decorações e atos de fé. Aceitamos essa
informação sem nos darmos ao trabalho de olhar pela janela. Perdemos a
curiosidade, estamos prontos para acreditar.
Amor à natureza, como qualquer outro,
principia com atenção e conhecimento. Aprofundar essa relação é compreender, aplicar,
analisar, sintetizar e avaliar o objeto do nosso interesse. Destacar flores na
primavera capixaba é empobrecedor, falso, equivale à exótica neve no natal.
Adotá-las como símbolo da primavera tropical é ridículo, no mínimo plágio.
Atentos ao mundo à nossa volta, notamos diferenças, aprendemos a usufruir e
representá-lo, compondo nossa identidade e adquirindo segurança.
Aqui, há flores e frutos o ano todo.
Ecologia: a raiz da palavra é grega,
“oikos” e significa morada. Quem não conhece sua morada contribui pouco, recebe
menos, não sabe se apresentar: dizer de onde veio, quem é e o que quer.
Kleber Galvêas
tel.: (27) 3244-7115
PS. VEJA A EXPOSIÇÃO “OCTÓGONOS FLORIDOS”. Clique
aqui no link:http://www.galveas.com/expooctogonosfloridos.htm