terça-feira, 9 de dezembro de 2014

NUNCA ANTES NESTE PAÍS


Venho observando as notícias sobre as investigações da operação "Lava Jato".

Como a maioria dos brasileiros, permaneço cética em relação aos resultados concretos, sempre adiados e depois esquecidos por todos, inclusive pelos mais revoltados cidadãos brasileiros. Procuramos o culpado (ou culpados), pelo frustrante resultado e infelizmente, não sabemos a quem debitar a conta.

Como magistrada participei de diversas operações policiais grandiosas envolvendo autoridades. Fui juíza rigorosa e atenta, mas pouco pude ver de concreto nos processos que consumiram grande parte do meu tempo como julgadora. O que vi foram resultados muito aquém dos esforços e gastos na condução do processo. Portanto, falo com a propriedade de quem conhece o sistema nas suas entranhas. Os únicos processos grandes, envolvendo corrupção da cúpula do poder com resultados visíveis foram: o determinante do impeachment de Collor, quando ficou provado ele ter recebido propina - representada por um Fiat; o Mensalão, quando as provas evidentes do processo deixaram o STF, sem alternativa senão a condenação.

Para não parecer pessimista, basta lembrar dentre os maiores escândalos financeiros envolvendo altos figurões da República e desvios de recursos públicos, cujo destino já se sabia de antemão - iriam para as campanhas eleitorais e engordariam as contas pessoais dos candidatos e seus parceiros: Anões do Orçamento (1989 a 1992, 800 milhões dentro do Congresso Nacional); Vampiros (1990 a 2004, 2,4 bilhões, fraude a licitações dentro do Ministério da Saúde); TRT de São Paulo (1992 a 1999, 923 milhões, envolvendo o Senador Luiz Estevão e o Juiz conhecido como Lalau); BANESTADO (1996 a 2000, 42 milhões, no Estado do Paraná); Banco Marka (1999, 1,8 bilhões, dentro do Banco Central; Pobre Amazônia (1998 e 1999, SUDAM, 214 milhões); Máfia dos Fiscais (1998 a 2008, 18 milhões, Câmara dos Vereadores de São Paulo); Mensalão (2005, 55 milhões, Câmara Federal, envolvendo o PT); Sanguessugas (2006, 140 milhões, envolvendo 3 senadores e 70 deputados); Operação Navalha (2007, 610 milhões, envolvendo o Ministério das Minas e Energia, nove Estados, o DF e a empresa Gautama). Todos esse escândalos foram investigados pela Polícia Federal, monitorados pelo Ministério Público Federal e processados pela Justiça. Mas, houve punição adequada?

Como vemos, a descoberta das falcatruas na Petrobras, conhecidas por todos desde as eleições de 2010, foram repetidas com maior perfeição nas eleições de 2014 e antes do segundo turno o governo se mobilizou politicamente para abafar as investigações: esvaziou a CPI da Câmara, tentou desconsiderar o magistrado Sérgio Moro, disse que se tratavam de investigações de cunho politico-partidário patrocinadas pela oposição e conseguiu retardar o que só agora vem a tona, com força total, pouco menos de um mês após a apuração de todas as urnas e a reeleição da Presidente. 

Hoje comprova-se que não é especulação ou invenção eleitoral e sim uma certeza - pelo que já está apurado por documentos e declarações - trata-se do maior escândalo de corrupção do Brasil, alcançando a cifra de 60 bilhões retirados de uma única empresa, a Petrobras. Os mandantes e beneficiários estão ligados diretamente ao governo federal, pertencem ao PT e aos partidos que dão sustentação política a Dilma, via as maiores empreiteiras do país. Os empreiteiros, presos provisoriamente, já com a experiência do Mensalão, de que os figurões políticos conseguem a liberdade, estão aderindo maciçamente ao instituto da delação premiada.

Diante do quadro que se tem no momento, quando tudo parece levar ao caso do – sem saída para o governo que promoveu, ou ao menos chancelou o absurdo desfalque, somos surpreendidos com a fala presidencial, que se apossou da corrupção perpetrada para dizer em alto e bom som: "nunca antes neste país o Governo promoveu tão séria e severa investigação pela MINHA Polícia Federal, pelo MEU Ministério Público e pela MINHA Justiça Federal". Tudo virou Governo (e do Governo), porque não mais se tem a noção do que seja Estado e do que seja Governo. Tudo é uma coisa só.

O Ministro da Justiça, no mesmo diapasão, com a voz embargada por uma teatral indignação, disse: "estamos investigando, a Presidenta quer o maior rigor nas apurações, mas não vamos admitir o terceiro turno". E como já é de costume, como aconteceu no caso do Mensalão, alias, o governo afirma nada saber. Porém, é difícil acreditar que a milionária campanha eleitoral governista, tenha sido bancada unicamente com o dinheiro do fundo partidário e doações espontâneas das empresas. Não acredito que assim pensem a Polícia Federal (quase sucateada nesses quatro últimos anos) e o Ministério Público. E muito menos, que se acredite que os brasileiros são cegos a ponto de não verem o que está realmente acontecendo.

A Presidente se elegeu com 53 milhões de votos e com o auxílio de 39 milhões de eleitores que lavaram as mãos ao darem seu voto em branco ou nulo.Mas nós estamos vigilantes e mobilizados em nome da verdadeira democracia, da ética e da cidadania para, como oposição e testemunhas históricas, exigirmos maior rigor e pudor nas condenações. Não vamos esmorecer. Exigimos apuração séria e competente não pela Polícia de Dilma, mas pelas instituições democráticas deste país, nascidas antes do PT. 

Realmente, nunca antes neste país se viu roubalheira igual.

Salvador, Bahia, 19 de novembro de 2014

Eliana Calmon