Marilena
Soneghet
“Com
minhas frágeis / e frias mãos cavei
um poço / no fundo do horto / da solidão”
- HL
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Henriqueta Lisboa |
Anos atrás, debrucei-me a conhecer as
obras de algumas figuras feminis que se destacaram no século XX: Florbela
Espanca, de Portugal, Gabriela Mistral do Chile, a uruguaia Juana de Ibarbouru
- “Juana de América” -, Cecília Meirelles e Henriqueta Lisboa, do Brasil –
todas “sacerdotisas do inexplicável” como as define o crítico Paschoal Rangel.
Tocada pela densidade da lírica henriqueteana,
passei a vasculhar livrarias e sebos em busca do ouro de sua lavra. “Lavra”,
sim. Como boa mineradora, ela faz das indagações uma ferramenta ao “escavar” os
mais ricos filões. Segundo o crítico Fabio Lucas, é bem “típica de HL essa
índole meio barroca, com retorcimentos de consciência, a espiritualidade, os
grandes silêncios e a surdina.” Contemplativa, observadora, ela transforma a
vida em força criadora, extrai-lhe o sumo e a torna poesia. Uma poesia
que, ao fundir elementos do Simbolismo,
do Classicismo e do Modernismo, os transcende, tornando-se única!
Henriqueta nasceu aos 15 de julho de
1901, na aurora desse “século de assombro”. Lambari, a estância das “águas
virtuosas” ao sul de Minas, foi seu berço. Seus pais, João de Almeida Lisboa e
Maria Rita de Vilhena Lisboa, deram-lhe família numerosa. Educada nos moldes da
tradicional família mineira, estudou no Colégio Sion, frequentado por moças da
elite, onde aprendeu fluentemente o francês. Mal compreendendo seu jeito
reservado, a diretora do colégio a alcunhava: “la petite orgueilleuse”. Mas era
por extrema sensibilidade que se recolhia à solitude. Plateias a constrangiam,
e justificava-se dizendo “ter feito do silêncio e da sombra sua morada”.
Em seu perfil, nota-se, desde logo, a
suavidade do caráter sobre o qual Afonso Romano de Sant’Anna escreveria: “ela
passa por nós como uma brisa,[...] com o rumor branco da poesia”. Sua postura
digna e a frágil silhueta despertam brandos sentimentos. Termos como brisa,
anjo, asas vestem a persona da poeta.
“HL vive sempre esvoaçando em meus pensamentos, feito um passarinho”; comenta
Mario de Andrade, que divisa em seu lirismo: “uma carícia simples, dor
recôndita em sorriso leve e frase contida.” Grandes amigos, mantiveram entre
si, por vários anos, assídua correspondência.
Aos 21 anos HL publica Fogo fátuo. Mas é com Enternecimento (1930) , sua primeira
obra considerada de fato, que se projeta no panorama literário, ao conquistar o
Prêmio Olavo Bilac da Acad. Brasileira de Letras! Seguem-lhe Velário”(1936), e Prisioneira da Noite (1941) que, juntos, marcam a primeira fase de
sua poesia, a do “penumbrismo” - dos poetas fascinados pela sombra, e pelo
mistério :
“Ó
noite, ensina-me / o teu magno segredo: iluminar
da sombra.”
Talvez esse paradoxal desejo seja um
reflexo de uma vida ascética, condicionada à ideia, predominante na época, de
poetisa e mulher.
Seria por demais extenso traçar um
panorama de sua obra que abrange dos temas infantis à tradução de grandes
poetas, a temas reflexivos, recorrentes (como o da morte), que se adensam a
cada novo livro. A descoberta da vida e seus valores em Azul Profundo e O Alvo Humano são, no seu dizer,
“incursões em busca das causas primeiras” [...] “a observação do ser enquanto
ser, sem a ilusão das aparências”. Essas palavras e uma profunda religiosidade
atestam estar em Alvo Humano o leit motiv de sua poesia.
Se indagar é um fenômeno inerente ao Ser,
a poética de HL explora, inquieta, os sombrios esconsos dos enigmas
humanos: - “De onde veio/ Quem é?/ Para
onde vai quando se for?” ou “Que poder obscuro/ governa teu povo, ó Deus?” e
ainda “Ó vida, ó morte entrelaçadas /fibras da humana tessitura,/ onde findais
ou começais,/ nesses crepúsculos de aurora/ em que a luz exsurge da sombra/
numa sucessão conivente?”
Sua obra completa-se com Miradouro (“um livro difícil com grossas
franjas de silêncio” PR), Celebração dos
Elementos (1977), sobre o cosmos e o mundo espiritual, e Pousada do Ser (1982), com o qual encerra sua carreira
literária aos quase 80 anos de idade. HL vem a falecer em BH aos 9 de outubro
de 1985.
Sobre sua poesia disse Drummond: “Não
haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por
este tímido e esquivo poeta.”
Entre o efêmero e o eterno HL viveu a
poesia em sua essência; “tocou as fímbrias do Absoluto ao tentar
desvendar o sublime que se encontra em cada gesto, em cada sentimento, em cada
palavra”.
“Há de chegar o dia em que em todo o universo, não
restará de mim nem uma poeira de ossos. E
como hoje, tal qual, haverá noite de lua, e
um vulto a uma janela e um sofrimento e um verso”...