
verso e prosa decantadas, antes de chegar ao mar.
Foi a placidez de suas
águas a lhe fazer valer o nome “Kiri Karé” que significa “rio de águas calmas”,
na língua Tupi, língua cujo direito de uso como nossa, nos foi arrebatado. O
pseudo descobridor impôs-nos o Português que mesmo sendo “a última flor do Lacio,
inculta e bela” na expressão de Bilac, era a dele e não a que o povo indígena
que aqui já habitava, falava de há muito tempo. Como continua manso e continua
belo o meu rio!
Naquele exato momento,
um pequeno barco a vapor passa à jusante singrando-o e deixando na superfície
espelhada, ondulações semelhantes às marítimas que se desfazem ao esbarrarem de
encontro a margem, junto a mata ciliar de verde intenso, do outro lado se
contorcem como em remoinho, mas é curto o tempo do qual precisam para logo se
recompor.
Quedo-me em contemplação,
as águas que passam a cada instante não são mais as mesmas que vejo, mas outras
que ao mesmo tempo tomam o espaço deixado, sendo substituídas por outras que
chegam. É impossível distingui-las pela forma, ou origem, cor ou intensidade
que demonstrem, prossegue acariciando-se com ternura, na mais absoluta harmonia,
o caudal que não se cansa, não afrouxa o ritmo que ostenta, ansioso pela
consumação plena do encontro com o mar,
momento de espetáculo que acontece na belíssima Barra Nova.
Quantas e quantas
gerações já terão feito o mesmo que eu, já terão provado da mesma magia e
desembocado em fascinação indescritível só possível, se o caminho empreendido é
feito nas asas da poesia.
Certamente, é sempre um encantamento
mirar tal paisagem que mão humana nenhuma será capaz de repetir e, se tenta,
como é o caso de quem pinta um quadro, carecerá de outros elementos ou agentes
que lhe deem suporte.
É a terra que produz toda matéria prima: da forma em madeira que recebe a tela, do pincel e da tinta, antes de a mão humana fazer surgir o retrato.
É a terra que produz toda matéria prima: da forma em madeira que recebe a tela, do pincel e da tinta, antes de a mão humana fazer surgir o retrato.
Não se pretenda, pois,
que meu perdão perdoe, se direito tenho a tanto, quem egoisticamente constrói
irregularmente, desfaz o que não pode refazer, ou impede a todos o direito de
tal visão, mas igualmente, não me deixo atormentar por lembranças, meu rio de
águas calmas! Entro e saio, parto e volto, mas se estou presente
(mateenseando), com a sensação de que minha visão nunca se interrompeu, faço absoluta questão te ver.
Marlusse
Pestana Daher