segunda-feira, 9 de outubro de 2017

POUCA GENTE SABE

CONDENAÇÃO DO BRASIL POR VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. 

Valerio de Oliveira Mazuolli(1)

A primeira condenação internacional do Brasil por violação de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) – mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica –, se deu relativamente ao Caso Damião Ximenes Lopes, que foi fruto da demanda nº 12.237, encaminhada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que tem sede em Washington, nos Estados Unidos) à Corte Interamericana de Direitos Humanos (localizada em San José, na Costa Rica) em 1º de outubro de 2004. O caso dizia respeito à morte do Sr. Damião Ximenes Lopes (que sofria de deficiência mental) em um centro de saúde que funcionava à base do Sistema Único de Saúde, chamado Casa de Repouso Guararapes, localizado no Município de Sobral, Estado do Ceará. Durante sua internação para tratamento psiquiátrico a vítima sofreu uma série de torturas e maus-tratos, por parte dos funcionários da citada Casa de Repouso. A falta de investigação e punição dos responsáveis, e ainda de garantias judiciais, acabaram caracterizando a violação da Convenção Americana em quatro principais artigos: o 4º (direito à vida), o 5º (direito à integridade física), o 8º (garantias judiciais) e o 25º (direito à proteção judicial).

Na sentença de 4 de julho de 2006 – que foi a primeira do sistema interamericano a julgar a violação de direitos humanos de pessoa portadora de deficiência mental –, a Corte Interamericana determinou, entre outras coisas, a obrigação do Brasil de investigar os responsáveis pela morte da vítima e de realizar programas de capacitação para os profissionais de atendimento psiquiátrico, e o pagamento de indenização (no prazo de um ano) por danos materiais e imateriais à família da vítima, no valor total de US$ 146 mil.

O Estado brasileiro, neste caso, como violador mediato dos direitos humanos da vítima, teria duas possibilidade: a) ou aguardar a condenação da Justiça Federal em execução de sentença (a sentença da Corte) promovida pelos familiares da vítima, pagando o valor arbitrado (na ordem dos precatórios) quando transitada em julgado a decisão final; ou b) pagar imediatamente, sponte sua (ou seja, por vontade própria), o quantum ordenado pela Corte Interamericana, sem aguardar que os familiares da vítima procurem a Justiça para vindicar seu direito já reconhecido internacionalmente, em respeito à regra do art. 68, §1 da Convenção Americana, que dispõe que "os Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes". 

É evidente que um Estado consciente dos seus deveres internacionais não deve aguardar que a vítima – ou, no Caso Damião Ximenes Lopes, seus familiares – procure a Justiça para se satisfazer no seu direito para, somente depois, pagar a indenização que lhe(s) é devida. E mesmo que uma ação judicial nesse sentido tenha sido proposta, não deve o Estado condenado recorrer da decisão executória a fim de protelar a garantia do direito da vítima. O Estado, no plano internacional, é responsável pelas obrigações que assumira por meio de tratados e convenções internacionais, dentre elas a de prontamente cumprir as decisões dos tribunais internacionais cuja competência contenciosa ele mesmo aceitou (no exercício pleno de sua soberania) por meio de manifestação expressa e inequívoca (o Brasil aceitou a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Decreto Legislativo n° 89/98).

No Caso Damião Ximenes Lopes, o governo brasileiro, felizmente, optou por agir corretamente e dar cumprimento imediato à sentença proferida pela Corte Interamericana. Assim foi que, por meio do Decreto n° 6.185, de 13 de agosto desse ano, o Presidente da República autorizou a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República a "promover as gestões necessárias ao cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, expedida em 4 de julho de 2006, referente ao caso Damião Ximenes Lopes, em especial a indenização pelas violações dos direitos humanos aos familiares ou a quem de direito couber, na forma do Anexo a este Decreto" (art. 1°). Conforme estabelecido no art. 1° da Lei n° 10.192, 14 de fevereiro de 2001, os valores em dólares determinados pela sentença (num total de US$ 146 mil) foram convertidos em Real (moeda brasileira atual) de acordo com a taxa de câmbio oficial do Banco Central do Brasil em 5 de julho de 2007, correspondente a R$ 1,9149, ficando assim colocado o quadro das indenizações: Albertina Viana Lopes (mãe) – R$ 117.766,35; Francisco Leopoldino Lopes (pai) – R$ 28.723,50; Irene Ximenes Lopes Miranda (irmã) – R$ 105.319,50; e Cosme Ximenes Lopes (irmão) – R$ 28.723,50.

Frise-se que se o Estado deixa de observar o comando do art. 68, §1 da Convenção Americana (que ordena aos Estados acatarem, sponte sua, as decisões da Corte), incorre ele em nova violação da Convenção, fazendo operar no sistema interamericano a possibilidade de novo procedimento contencioso contra esse mesmo Estado.


Enfim, merece elogios a decisão do governo brasileiro de indenizar prontamente os familiares da vítima, por ter sido uma decisão em duplo sentido correta: a) por respeitar o contido no Pacto de San José; e b) por demonstrar estar o Brasil afinado com os princípios inspiradores do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Com isto, o Brasil assegura o seu status de Estado Constitucional e Humanista de Direito e dá bom exemplo aos demais Estados-partes na Convenção Americana daquilo que deve realmente ser feito em caso de condenação de um Estado-parte pela Corte Interamericana. 

(Com crise de depressão, Damião foi internado, espancado e morto numa clínica de Sobral no Ceará. A familia recorreu a OEA)


MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Condenação Internacional do Brasil por violação de direitos humanos e cumprimento de sentença sponte sua. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br.17 agosto. 2007.



CADÊ VOCÊS?

Salvador Bonomo


Atento e estarrecido, acompanho, com especial atenção, as gravíssimas notícias alusivas à maior tragédia ambiental já ocorrida no Brasil, consistente no rompimento de uma barragem da mineradora Samarco (leia-se: Vale e BHP Billiton) em Mariana-MG, cujas águas e lama, além de produzirem enormes danos humanos e ambientais naquela localidade, estão a contaminar (ou matar!) o Rio Doce numa extensão de aproximadamente 550 quilômetros, ou seja, até desaguar no mar, na localidade de Regência, Município de Linhares.


O rompimento da mencionada barragem representa acontecimento de danos humanos e ambientais sem precedentes na nossa História, incalculáveis, imprevisíveis e irreversíveis, cujas causas exclusivas resultam de reconhecida e evidente negligência da Samarco (leia-se: Vale e BHP Billiton) e de ineficiência do poder público, à semelhança do que, ao longo dos últimos quarenta anos, ocorrera com a Plataforma de Enchova na Bacia de Campos-RJ (1984), com o Cézio-137, em Goiânia-Go (1987), com o Vazamento da Chevron em Campo do Frade-RJ (2001), com o Incêndio na Boate Kiss em Santa Maria-RS (2013) e com o Navio Plataforma FPSO-ES (2015).

Por pública e notória deficiência da nossa Cultura, que, ignorando por completo a ideia de planejamento, só adota a temerária improvisação, ou, quando muito, “dicas”, os Poderes públicos em geral sofrem as consequências das respectivas características negativas, como o são a irresponsabilidade, a incompetência e a corrupção, conteúdos da nossa negativa mentalidade patrimonialista, que confunde interesses públicos com interesses privados, cujas comprovações são: (1ª) os acidentes acima elencados; (2ª) 26% dos 513 Deputados Federais e 40% dos 81 Senadores terem pendências no STF; (3ª) o “Mensalão”, o “Petrolão” et caterva; (4ª) o Brasil, em corrupção, ocupar o 69º lugar entre 175 Países.

Frisando, ouso sustentar que essa espécie de tragédia é resultado evidente e irrefutável das nossas deficiências culturais, que emergem, claramente, de alguns ditados populares, como os que seguem: “Agora é tarde: Inês é morta”; “O brasileiro só fecha a porta depois de roubado” e só elaboramos leis “para inglês ver”, como o fizemos durante a Escravidão.

De outra parte, urge ressalatar-se que, entre nós, a impunidade sempre foi a regra, excetuando-se pretos, pobres e prostitutas, de que é exemplo o caso Collor de Mello, que foi julgado 23 anos depois da prática do delito, e absolvido, razão precípua da sistemática roubalheira que grassa no País, pelo que, embora sistematicamente negado, o ex-Presidente da França, Charles De Gaulle teria dito: “Le Brésil n’est pas un pays serieux” (O Brasil não é um país sério).

A propósito, urge relevar-se que, segundo dicção do vulgo e literatura pertinente, as nossas leis só spuniam as pessoas humildes, como o registrara, ironicamente, o saudoso escritor pátrio, Fernando Sabino (1923-2004): “Para os pobres, é dura lex, sed lex: a lei é dura, mas é a lei". Para os ricos, é dura lex, sed látex: a lei é dura, mas estica”.

Urge que nos desvencilhemos, o quanto antes, sobretudo da incompetência e da desonestidade, cujas provas cabais são: juros elevados, inflação galopante, desemprego aumentando, corrupção generalizada, estagnação crescente e descrédito caindo!

Concluo, pregando que não basta sermos honestos e dizermos que somos honestos; urge, também, combatermos a incompetência e a desonestidade, sob pena de sermos coniventes com as ilicitudes que, com frequência, ocorrem em torno de nós. Transcrevo, ainda, os primeiros versos de profético poema do saudoso Carlos Drummond de Andrade: “O Rio! É doce. A Vale! Amarga. Ai, antes fosse, Mais leve a carga”. Por último, Competência e Honestidade, cadê vocês! Onde estão, que não respondem!


Salvador Bonomo
Ex Deputado estadual e Promotor de Justiça aposentado~
Vitória, ES, 20.11.2015.