sexta-feira, 10 de maio de 2013

CANÇÃO DO AFRICANO

                                                                           Castro Alves
 

Lá na úmida senzala,

Sentado na estreita sala,

Junto ao braseiro, no chão,

 Entoa o escravo o seu canto,

E ao cantar correm-lhe em pranto

Saudades do seu torrão ...

 De um lado, uma negra escrava

 Os olhos no filho crava,

Que tem no colo a embalar...

E à meia voz lá responde

Ao canto, e o filhinho esconde,

Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,

 Das bandas de onde o sol vem;

 Esta terra é mais bonita,

Mas à outra eu quero bem!

 "0 sol faz lá tudo em fogo,

Faz em brasa toda a areia;

 Ninguém sabe como é belo

 Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras tão grandes,

Tão compridas como o mar,

Com suas poucas palmeiras

Dão vontade de pensar ...
"Lá todos vivem felizes,

Todos dançam no terreiro;

A gente lá não se vende

Como aqui, só por dinheiro".

O escravo calou a fala,

Porque na úmida sala

O fogo estava a apagar;

 E a escrava acabou seu canto,

Pra não acordar com o pranto

O seu filhinho a sonhar.



OUTROS POEMAS DE CASTRO ALVES


AS DUAS FLORES
 São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
 
Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
 
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
 
 
AMAR E SER AMADO
 
 Amar e ser amado!
Com que anelo
Com quanto ardor
este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
 Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano,
Beijar teus labios em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante, amado
Como um anjo feliz... que pensamento!?

A CRUZ DA ESTRADA

Castro Alves

 Caminheiro que passas pela estrada,

 Seguindo pelo rumo do sertão,

 Quando vires a cruz abandonada,

 Deixa-a em paz dormir na solidão.

 
 Que vale o ramo do alecrim cheiroso

 Que lhe atiras nos braços ao passar?

 Vais espantar o bando buliçoso

 Das borboletas, que lá vão pousar.

 
 É de um escravo humilde sepultura,

Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.

Deixa-o dormir no leito de verdura,

Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

 
 Não precisa de ti. O gaturamo

 Geme, por ele, à tarde, no sertão.

 E a juriti, do taquaral no ramo,

 Povoa, soluçando, a solidão.

 
 Dentre os braços da cruz, a parasita,

 Num abraço de flores, se prendeu.

 Chora orvalhos a grama, que palpita;

 Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

 
 Quando, à noite, o silêncio habita as matas,

 A sepultura fala a sós com Deus.
 
 Prende-se a voz na boca das cascatas,

 E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

 

 Caminheiro! do escravo desgraçado

 O sono agora mesmo começou!

 Não lhe toques no leito de noivado,

 Há pouco a liberdade o desposou.