terça-feira, 30 de abril de 2019

A CULTURA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL



Ricardo Bezerra
Estudar a Constituição Federal é buscar na intenção do legislador a ideia, o texto e sua aplicabilidade para atender as necessidades da sociedade. O Legislador é o representante do povo e como tal precisa inserir na legislação a vontade do povo. Assim, aos 30 anos da Constituição Federal estamos buscando fazer uma abordagem do Direito Constitucional para que tenhamos a consciência de que a Cultura, ao ser integrante da nossa Carta Magna, servirá ao povo e irá nortear a legislação que a compreende, bem como possibilitar programas de Políticas Públicas.

Como nosso estudo é a Cultura, temos que iniciar expondo que ela é uma garantia Constitucional prevista no art. 215 da CF, onde está expresso que: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Compreendendo que a Cultura está inserida na Constituição é uma garantia para o cidadão de que o Estado irá cumprir e aplicar: 01) Exercício dos direitos culturais; 02) Acesso às fontes de cultura; e, 03) Apoio e difusão das manifestações culturais. Desta forma, há de se afirmar que o Estado passa a ter o compromisso, a obrigação e o dever de ter que garantir o referido direito constitucional e a efetivação de Políticas Públicas, onde estas irão ocorrer através dos seus órgãos da Administração Direta ou Indireta, desde que voltadas para ações culturais, o exercício, o acesso, a valorização e difusão da CULTURA.

Diante do exposto, destacamos que a Constituição Federal garantiu para o Direito a Cultura três eixos, que são eles: Exercício; Acesso; e, Apoio.

Exercício será tudo que venha proporcionar a aplicação dos “Direitos Culturais”, entendendo que estão na Declaração dos Direitos Humanos (1948). Como afirma Bernardo Novais da Mata Machado: “os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, cuja história remonta à Revolução Francesa e à sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que sustentou serem os indivíduos portadores de direitos inerentes à pessoa humana, tais como direito à vida e à liberdade. “(MACHADO, 2007)”.

O efetivo exercício dos direitos culturais foi uma preocupação do Constituinte. Porém, “o legislador não expressou quais são os princípios constitucionais culturais, porém, os mesmos podem ser classificados como, “o princípio do pluralismo cultural, o da participação popular na concepção e gestão das políticas culturais, o do suporte logístico estatal na atuação no setor cultural, o do respeito à memória coletiva e o da universalidade” (SANTOS 2007). ”

“No texto constitucional, é possível encontrar alguns exemplos do que a doutrina especializada usualmente considera como espécies de direitos culturais. São eles: o direito autoral (artigo 5º, XXVII e XXVIII), o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (artigos 5º, IX, e 215, §3º, II), o direito à preservação do patrimônio histórico e cultural (artigos 5º, LXXIII, e 215, §3º, inciso I); o direito à diversidade e identidade cultural (artigo 215, caput, § 1º, 2º, 3º, V, 242, § 1º); e o direito de acesso à cultura (artigo 215, §3º, II e IV).”.

Nos estudos realizados encontramos a sensibilidade do legislador pela primeira vez na Constituição de 1988 quanto a Cultura como Patrimônio, que corresponde ao conjunto de direitos e obrigações de uma pessoa, pecuniariamente apreciáveis, sendo a “representação da pessoa”. Neste sentido de “conjunto de bens com valor econômico determinado” é que temos maior clareza no inciso LXXIII do art. 5º:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesiva ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

O Conceito de Cultura na Constituição Federal de 1988 é um trabalho resultado do IV ENECULT, realizado entre 28 a 30 de maio de 2008 na Faculdade de Comunicação/UFBA, em Salvador/Bahia, da lavra do Advogado JÚLIO CESAR PEREIRA, oportunidade em que extraímos conceitos e narrativas que proporcionam um aprofundamento ao tema, iniciando que “A ideia de cultura como “bem” não é inédita no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição de 1946, conhecida como Constituição da República Populista, ao determinar em seu artigo 174 que “O amparo à cultura é dever do Estado”, revela que o paternalismo pós Estado Novo também pretendia ocupar-se da cultura enquanto objeto de intervenção estatal.”. Afirma, ainda, que é “de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proporcionar “meio de acesso” à cultura […]”.

A formação ideológica na Constituição de 1988 seria de fomentar e proteger o “patrimônio cultural” com amparo nas Leis de incentivo à cultura. Será que realmente as Empresas entenderam e aderiram aos incentivos fiscais? Muito há que se questionar sobre esta temática.

Um breve histórico sobre Cultura nas Constituições na leitura do Advogado Júlio Cesar Pereira é de que na Constituição Imperial de 1824 o vocábulo cultura aparece na mesma concepção de cultivo. O Congresso Constituinte de 1891 é marcado pela ausência do termo cultura. A cultura das letras, baseada na Constituição alemã de Weimar, de orientação nazista, surge na Constituição de 1934 ao tratar “Da Educação e da Cultura”, onde estabelece para o Estado (União, Estados e Municípios) “favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, (…) bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual”. A Constituição de 1937 em seu art. 52 estabelece que integrantes do Conselho Federal sejam distinguidos por atividade “em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional”; assim, a noção de cultura sobe sendo homologada à noção de proeminência. A expressão “cultura nacional” abre as portas para uma perspectiva social que pretende fazer sobrelevar certa “cultura oficial”. A Constituição de 1946 é considerada tímida no trato da democracia econômica e social, homologando “missões culturais” a “missões diplomáticas”, “conferencias” e “congressos” de que podem participar deputados e senadores. A Constituição de 1967, ditadura militar, deu supervalorização positiva da cultura, como algo relacionado à família, artes, letras, ciência e status social, atinge seu fastígio, seu ponto mais alto; estabelece também que os Juízes Federais para serem nomeados terão que ter “cultura e idoneidade moral”, homologando a cultura à noção de caráter, de moralidade, da ideia de virtude perseguida pelo modelo político vigente.

A Constituição Federal de 1988 firma bens “de valor cultural”, passando a “assegurar” o “respeito a valores culturais” e incentivar a “produção e o conhecimento de bens e valores culturais”.

Quem atribui valor às coisas é o ser humano, permanecendo no texto o imaginário social resultante de compacta formação ideológica.
Os 30 (trinta) anos da Constituição Federal deve ser celebrada no campo cultural pelo avanço histórico delineado e de agasalhamento da cultura para consolidação de direitos fundamentais, visto que a Cultura é um instrumento de desenvolvimento social e econômico, não podendo ser tratado ou visto à margem da expressão “ORDEM E PROGRESSO”.

É necessário destacar a importância da cultura como fator de geração de riqueza e desenvolvimento econômico. (Agenda 21 da Cultura, Barcelona, 2004). Fomentar ações para incentivar as artes e preservar o patrimônio cultural não é iniciativa que se interpõe ao desenvolvimento econômico e social; pelo contrário, impulsiona-o. Tal concepção deve alicerçar o desenvolvimento econômico, tecnológico, social e artístico em âmbito local. A valorização do patrimônio cultural e ambiental, urbano e rural, deve ser a base para o desenvolvimento da cidade neste século (3ª Conferência Municipal de Cultura – Joinville – 2011).

No campo do Direito Administrativo atestamos que a CULTURA embasou a Lei 8.666/93, permitindo aos Órgãos da Administração Pública proporcionar “meios de acesso”, criando-se uma aplicação no mecanismo da Administração Pública com o intuito de proteção da CULTURA, afirmando-se que “cultura é objeto do direito”.

A noção de cultura homologada à noção de "patrimônio" aparece pela primeira vez, na Constituição Federal de 1988, {...}". O referido estudo traz-nos também uma definição ou adequação de conceito sobre "bens  culturais (aqueles que possuem valor cultural), e bens não culturais (aqueles destituidos de valor cultural)", onde bens culturaiis são aqueles que o Estado pretende guardar com maior zelo.  

Essas pontuações tende apenas trazer a importância para a profundidade do tema e, principalmente, fazer referência de que com o advento da Lei 8.666/93 – Lei das Licitações – a Administração Pública passou a ter a CULTURA direcionada para ações de Políticas Públicas que não estão necessariamente vinculadas à referida legislação e às ações culturais de acesso à cultura da sociedade pela via de valorização do artista, fomentação da cultura e sua contratação pela Administração Pública que passou a ser por ela regrada. Neste norte surge a fomentação da cultura através de chamamentos públicos para artistas amadores e o procedimento da inexigibilidade para artistas profissionais.

Apesar de o texto Constitucional proporcionar um entendimento amplo para ações culturais, a Legislação das Licitações trouxe, após cerca de cinco anos de sua vigência, uma Legislação específica que, apesar de contar com mais de 25 anos, não tem efetiva aplicação em seus requisitos mínimos porque a Administração Pública conceitua, em muitos dos casos, que artista não se vincula à burocracia, tentando aplicar a Lei 8.666/93 apenas no conceito amplo de que ao Estado compete garantir o acesso à cultura.

Nosso estudo permitiu um aprofundamento quanto à contratação de artista pela Administração Pública e firmou, como muitos, que a referida Administração possui capacidade de promover o acesso à cultura para a sociedade através da aplicação da Legislação da Lei 8.666/93 na forma em que foi concebida para artistas profissionais, bem como para artistas amadores, protegendo, também, as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (§ 1º do art. 215 da CF).

A cultura na história das Constituições foi construída por ideologias e lutas até chegarmos à Constituição Cidadã para com ela construirmos um País onde a Cultura seja o rosto da Nação Brasileira.



RICARDO BEZERRA é Advogado, Escritor, membro da Academia Paraibana de Letras Jurídicas, do 
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, da Academia de Letras e Artes do Nordeste – Paraíba

União Brasileira de Escritores da Paraíba.  E-mail: ricardobezerra@ricardobezerra.com.br.