terça-feira, 10 de dezembro de 2013

D. VITORIA DE S. VIRGULINO

Estou escrevendo sobre personagens de São Mateus.
Poderá surgir o livro: NOSSA TERRA, NOSSA GENTE.
Hoje, D. Vitória Magalhães.

Penso que de altura teria no máximo, um metro e cinquenta centímetros, pelo que, o corpo deveria corresponder, não se pretendendo que fosse esguia, até
porque com tal altura era quase inconcebível que alguém associasse tal qualidade àquele perfil.

Bem gordinha, o que se chama de um “bujãozinho”, avantajado na parte superior, busto e costas, quadris menos. Um rosto meio de cereanse, onde jamais vi apagado, nem que fosse por um simples esboço, um sorriso.

Nascera em Conceição da Barra onde o Meste Virgulino Magalhães, um alfaiate com “tenda” na Praça de São Benedito, três portas na frente, ali, pais severos lhe levavam para aprendizagem do ofício os filhos, de modo que, ao invés de brincarem pela rua, como tinham todo direito, mas eles não pensavam assim,  ficassem de agulha na mão, mesmo que não tivessem nenhuma tendência ou gostassem do ofício. Papai mesmo colocou Abdo lá, por pouco tempo, mamãe deu jeito de tirar.

Ah sim, estava dizendo que em Conceição da Barra S. Virgulino colheu a que também lhe pareceu a melhor escolha e companheira de vida. Casaram-se e tiveram seis filhos: Jefferson, Gibson, Virgulino Filho, José Carlos, Maria Dulcineria e Anna Rita.

Jefinho decidiu ser padre. Permaneceu na Arquidiocese de Vitória, preferindo depois a Diocese de Cahoeiro de Itapemerim, mesmo com a criação da Diocese em sua cidade natal, São Mateus. Gibinho trabalhou no Rio de Janeiro até aposentar-se e hoje mora em Conceição da Barra, a exemplo do pai, casou-se com uma barrense, Gabriela. Zeca casou-se com Alaíde, foi o que mais multiplicou. Carlinhos casou com Maria Eugênia, foi funcionário de carreira do Banco do Brasil. Lica escolheu enfermagem e só voltou para São Mateus, depois que se aposentou. Ana Rita, ao invés, permaneceu como sempre ao lado dos pais, na mesma casa da Rua Dr. Moscoso, é mãe de Carlos Henrique.

Fui contemporânea de ginásio de Anna Rita, tendo em companhia da mesma vivenciando ótimos momentos de adolescente e jovem. Como me lembro daquela voz com a qual ela entoava o COMPREENDEU (abraçou-me dizendo a sorrir...), ela só cantava “compreendeu”, com voz alta e estridente.

Era mestra em inventar histórias e tramar gozações. Certa feita, um rapaz nascido em São Mateus que morava fora, visitando à terra foi à sua casa, os pais eram amigos. Ela se encarregou de apresentar-nos, como se faz com conhecidos, àquela altura, só isto, depois, se encarregou de convencê-lo que eu tinha ficado apaixonada por ele e vice-versa. Assim, os dois bobões em relação ao outro, pensava de estar abafando. Só mais tarde descobri a trama e só deu mesmo para rir.

Eu ia sempre à casa de Anna Rita, até que ela foi estudar em Baixo Guandu, no Colégio Brasil do Pe. Alonso. Nas férias, a seu modo,  contava tantas coisas que dentro de mim foi-se formando um mito ou o que valha. Quando ingressei no Ministério Público, ao ser destinada para Baixo Guandu, na manhã do dia seguinte o que fiz primeiro, foi conhecer o Colégio Brasil.

Naquelas tardes mateenses, como era comum, tomávamos café e nesses momentos sempre à mesa, contávamos com a presença de D. Vitória.

S. Virgulino voltou primeiro para a casa do Pai. Viúva, claro que sequer pensava em casar-se de novo, até porque naquele tempo, era deveras incomum, viúvas voltarem a se casar, mas ela sempre tinha um namorado, inventado, é claro, só para contar histórias, para fazer rir, o que não era pouco.

Assim é que, sempre havia um tipo que estava perdidamente apaixonado por ela, mas não queria nada com ele e o cara continuava insistindo. Dava presentes e mandava flores.

Em 1992, assumi uma promotoria em Cachoeiro de Itapemirim. Sabedora de que D. Vitória passara a morar na cidade, para fazer companhia ao filho sacerdote, em companhia de uma amiga que sabia onde ela morava, fui visitá-la, provava muita alegria, sabia o que significava ou me esperava.

Pareceu-me deparar com a mesma face de sempre, ou seja, não envelhecera. Conversa vai, conversa vem, São Mateus, Zeca e Gibinho, Lica e Anna Rita e Carlinhos, enfim levávamos um papo comum de velhas conhecidas, familiarizadas com os mesmos lugares, com as mesmas pessoas.

Absolutamente, sem ter nem pra quê,  mas chegara a hora da graça, ela se coloca em determinada posição permanecendo sentada e diz:

- Ai, mas hoje amanheci com tanta dor nas cadeiras...

- Ôpa, o que aconteceu, D. Vitória?

- Ah, ontem fui lá na rua, requebrei tanto para arranjar um namorado que fiquei assim!

- Quá, quá, quá, rímos convulsivamente, minha amiga e eu, ela junto, por bons instantes.

É isto ai. Claro que D. Victoria teve muitos problemas a superar, criar seis filhos e bem encaminhar todos, não terá sido nada fácil com a evidência que transparecia de sua vida, de que sua riqueza era do sobrenatural.  Terá tido momentos de sofrimento, de apreensão, de angústia,  como têm todas as mães. Terá feito milagre com o que ia para a panela para que o gosto fosse o melhor e suficiente para todos. Terá ficado alguma vez tonta, ao soprar o ferro de engomar (de ferro mesmo) à brasa. Com que carinho terá lavado tanta roupa, pregado botões que se desprenderam, dado pontos para cerzir alguma peça.

Na vida matrimonial, ela também terá provado algum momento amargo que a fidelidade à promessa ajudou a superar. Convém contudo, lembrar a esta altura, que S. Virgulino também era o que se chama de muito engraçado, capaz de, sério, dizer coisas incríveis e fazer rir. Não deu outra, os seis filhos são autêntica farinha do mesmo saco.

No dia da 1ª Missa celebrada pelo filho, Pe Jeferson Luís Magalhães, primeiro padre mateense,  na Matriz de São Mateus, lembro-a com véu preto sobre a cabeça e um terço nas mãos,  ele, num terno que certamente era confecção própria, ao lado um do outro, lá estavam os dois rendendo graças a Deus.

Só me lembro de D. Vitória risonha e fazendo rir. Pergunto-me de onde vinha tanto bom humor, certamente de gente que é capaz de entender que o pouco com Deus é muito, de uma alma livre e cheia de amor, que certamente, e principalmente e sobretudo, optou por ser feliz.

Não é preciso dizer mais nada.