O
crime evoluiu e a justiça ficou velha, continua
trabalhando de um jeito que impede a condenação dos criminosos mais perigosos
da sociedade, afirmou o Sociólogo, Sérgio Adorno da Universidade de São
Paulo, que no final do ano de 1995 concluía mais uma pesquisa sobre o tema.
São os seus vinte e dois anos de estudos
que incluem a reincidência criminal, em processos julgados entre 1920 a 1982,
no fórum da Paulicéia, que lhe outorgam autoridade para fazer semelhante
afirmação.
De suas pesquisas, foi também objeto, o
sistema penitenciário da mesma São Paulo, levando-o a constatar, as mazelas do sistema, imutável há quarenta
anos.
A par de situações degradantes que têm
levado os presos em nosso e em outros estados a rebeliões e fugas, chega-se, a
saber, como noticiava o jornal Estado de Minas em sua edição do último dia 3
(fevereiro 1997) que um empresário mineiro, autor de homicídio, depois de oito
anos, quando chegou a ser preso, foi flagrado por dois Promotores de Justiça em
visita ao local, desfrutando de uma improvisada, mas bem montada suíte, no
andar superior da delegacia, onde os policiais pedem licença para entrar, da
qual ele tem a chave, de onde sai livremente, andando pelas imediações e
comprando sua cervejinha e que na oportunidade, só depois de muita insistência,
foi que abriu a porta, recebendo “os visitantes” enrolado em uma toalha de
banho.
Tanto privilégio contrastava com a
condição de todos os outros presos no mesmo estabelecimento, os quais se
amontoavam, esta é a palavra certa, nos quatro minúsculos cubículos,
absolutamente desconfortáveis, do plano térreo.
É por isto que se impõe uma autêntica
revolução de conceitos, uma colocação em prática de autêntica vontade política,
no sentido de dotar nossas prisões daquelas condições preconizadas na Lei 7.210/84,
de Execução Penal. O retardamento desta decisão é a cada dia, um quilate
acrescentado ao peso do terror que a todos nos aflige, que nos faz, como se
diz, prisioneiros em nossas próprias
casas.
Um em cada três criminosos - segundo
Adorno - reincide. Estou falando de criminosos em potencial, daqueles que matam
sem escrúpulos, que na busca e alcance dos seus interesses e objetivos revelam
total desconsideração pela vida humana, pela qual se daria tudo, conquanto seja
preservada.
As pessoas andam tão machucadas, tão
debilitadas pelas notícias que têm ou por experiências pessoais de violência
provada, que acabaram por criar o que se pode chamar de uma mentalidade de que, quem comete crime
tem que pagar, sendo que este pagar se traduz em sofrer. Este pagamento deve ser feito sim, mas na
forma da lei e se chama pena.
Daí, a aceitação passiva - como
testemunhei pessoalmente - de ver uma pessoa ser flagrada em uma simples tentativa
de ingressar em um estabelecimento comercial, ainda não era tentativa de furto,
ser conduzida sob aplausos, no porta-malas de um gol da polícia (se eu não
tivesse impedido).
O delírio chega ao prazer ante as cenas
de empurrões e a perspectiva da surra (?) que o meliante vai levar na
Delegacia.
Habituamo-nos a ocupar-nos do resultado,
olvidando o “iter-crminis” isto é, o concebimento e a preparação que precedem a
execução.
Punimos o usuário, sem procurar saber de
quem adquiriu a droga, se este é o garoto de 12 anos, que o recebeu do que tem
14, este por sua vez daquele que já tem 16, tornado homem de confiança do
traficante do morro que pertence ao grupo do ponto tal, comandado por X, que
pode ser um ilustre senhor, transitando livremente nos meios sociais ou
políticos a todos nós comuns.
Processamos aquela Maria que tentou
furtar latas de leite num supermercado, para matar a fome de quatro pequeninos
filhos, deixados num barraco miserável, que num gesto de misericórdia, lhe foi
emprestado por alguém, um pouquinho menos pobre que ela.
Onde é que estão os outros?
Os tempos revelam que soou e já passa a
hora de questionar a mera punição de responsabilidades
individuais, de aboli-la também, como forma de romper arcaicas tradições
liberais. Crime não é só o resultado de uma conduta consumada, mas de várias
ações e/ou omissões - vai do iter
criminis, ao consumam est.
Crime é uma conduta socialmente reprovável. Quem é que aprova a diferença de preços de uma
loja para a outra de produtos iguais? Quem é que aprova a sonegação fiscal? - assunto ainda de elite, pois, ainda
existem multidões que sequer admitem, porque devem pedir a nota, por exemplo. Quem é que aprova o não atendimento médico, enquanto alguém morre? - ou
qualquer outro tipo de omissão de profissional de cuja ação depende a
coletividade? E quantos destes são
punidos?
Permito-me dizer que tudo isto me
parece, decorrência da falta de espírito cidadão. Ainda somos um povo atrasado,
embora já se constatem sinais positivos de um despertar, como resulta de
pesquisa recentemente levada a efeito na megalópole paulista, quando se
questionou sobre quem poderia contribuir para a redução do índice de violência
de que o povo padece e os entrevistados responderam: em primeiro lugar, o
próprio povo, depois, o Presidente da República, seguido do Governador do
Estado e só por fim, o Prefeito.
Falta educação que não é aquela que vem
de berço, mas a que depende de informação para o exercício pleno da cidadania consciente
que não se esquece de que: a cada
direito, corresponde um dever.
Marlusse
Pestana Daher
Publicado
em 09/02/1977
Obs: Não é recente, mas pode servir neste tempo particular em que se discute a Lei Anticrime do Ministro Moro.