domingo, 29 de julho de 2012

SALVE BIQUINHA


Avenida Cricaré de casas simples, desniveladas, não aparelhadas, onde mora gente boa e que vale a pena. É assim denominada, porque margeia o rio do mesmo nome que banha nossa cidade. Se me refiro à avenida não o faço exatamente por ela, mas por que no seu curso se encontra a “Biquinha” que junto com o judeu, peixe que se tornou raro e quando encontrado, bem menor do que era uma vez, fez nascer o que eu prefiro chamar de slogan, antes que uma verdade inexorável ou porque invariavelmente aconteça o que sentencia: quem come judeu e bebe água da bica, não sai mais de São Mateus.
Ouso acrescentar que mais soa, no bom sentido, como certo bairrismo, que toma posse de mateenses que não veem lugar nenhum do mundo melhor que esta cidade para morar. Até poderia citar nome daqueles e daquelas que se recusam não só a deixá-la, ainda que por um só dia, mas que de fato, jamais ultrapassaram seus confins.  Nunca vão chorar de saudades ou de fazer próprios os versos do poeta Gonçalves Dias: ... ai que saudades que eu tenho ...minha terra tem primores que tais não encontro eu cá, ...
Depois das interferências
Na sua quase extrema simplicidade, a Biquinha é uma nascente (na verdade um conjunto), na encosta de um morro (dito de outro modo: no sopé do Vale do Rio São Mateus) que dá para a cidade alta, mais para as cercanias da Praça do Padroeiro, São Mateus. Na sua origem, destinou-se ao abastecimento através do chafariz no porto.
Jorra água de qualidade que, portanto, pode ser bebida ali mesmo, não precisa ser purificada de qualquer modo, ou filtrada, antes de ser ingerida.
Algumas lendas estão associadas à sua existência: um caminhante sedento passando por ali, não ousava aproximar-se do rio por não conseguir ultrapassar a vegetação que a guarnecia. Eram ainda áureos os tempos em que a natureza era respeitada. Fugiam-lhe as forças e daí foi que reunindo toda fé, lembra que uma parente lhe avisara de que a frente daquele caminho, estava a Igreja de São Mateus cujos sinos como para lhe confirmarem o que acabava de se lembrar, dobraram em seguida, espargindo pela amplidão dos céus, os acordes sonoros do fim de tarde, lembrando a Ave-Maria. Pensou também naqueles dois altares, vistos em fotografia de coroação, um à direita que tinha Nossa Senhora Auxiliadora e outro à esquerda, onde se via Nossa Senhora da Penha. Lembrou de quantas foram as vezes em que Nossa Senhora satisfazia os pedidos que lhe são feitos e apela: valei-me, minha Nossa Senhora, preciso encontrar água, já não aguento mais. Ouviu imediatamente o som de águas que caiam e ao mesmo tempo, jorravam em abundância à sua frente.
Segue inversamente o curso de onde vêm e com força descem o barranco, antepondo-se ao seu caminho, vai dar com água cristalina que de ofuscado, mas não menos poderoso olho d’água, brotava cantando e em prodigalidade.
Na atualidade.
Não sem antes fazer o sinal da cruz, abaixa-se um pouco, entreabre os lábios e deixa rolar através do queixo e pelo pescoço,  o que sobrava da garganta. Bebe, bebe, bebe, até se saciar.
Acabo de visitar a Biquinha, o que fiz apenas para poder contar. Encontrei-a ressentida pelo descaso com que é tratada, pelas ingerências que ao longo dos anos são feitas no seu escoar, mas ainda plena, translúcida, generosa e saudável, continua doando-se a quantos por ali passam e que possam como aquele caminhante de um certo dia, sentir sede.

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Gostaria demais de receber mensagens dos que estão lendo meus escritos por este mundão a fora.