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Marcos N Cysne |
Caderira 13 AMALETRAS, MARCOS NICODEMUS CYSNE
Hermógenes Fonseca, cidadão universal
e Denise Machado, a guardiã da imagem
de seu ex-companheiro
São
Binidito falô pra nóis prestá atenção.
Nóis
pobre só tem valô quando rico tem precisão.
Nóis
já prestemo atenção no que são Binidito falô
Só
quando rico tem precisão é que nóis pobre tem valô.
Versos
do Ticumbi, Conceição da Barra, 1978.
João
Guimarães Rosa dizia que “uma pessoa não morre, fica encantada”.
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Hernógenes Fonseca |
Armojo,
nascido Hermógenes Lima Fonseca, caboclo resistente, amava, sobretudo, o prazer
da vida e de transitar suave e íntegro pelas belezas que ele via inteiras, na
essência das manifestações dos homens e da natureza. Ele próprio um elemento
anelado no encadeamento de suas descobertas e na alegria radiante de desfrutar
com todas as revelações do seu conhecimento. Pródigo em expandir amizades, não
criava limites ou fronteiras e vibrava com a conversa pura da mesma forma como
se emocionava com o movimento do vento balançando as folhas das árvores e o
perfume de apetite das fumaças evaporadas das panelas de barro ungidas pelo descoberto
Sargento, mestre na feijoada gorda e de todos os quitutes da magia do sítio
Pixingolê, panelas que deslumbravam, também, pela multiplicação de suas
dádivas, porque nunca ficavam vazias, mesmo quando a multidão de chegantes
ultrapassava todas as expectativas. Hermógenes não era especialista em nada,
ele era tudo. Universal, em seus movimentos desabrochava a cultura. Não andava
com uma lanterna na mão, era ele a própria lanterna, independente e viva, a
realçar e apresentar a alegria sem culpa de estar vivo.
Nunca
ouvi Hermógenes fazer qualquer comentário sobre Epicuro, o filósofo grego
nascido em Samos ou Atenas, 341 a. C., mas, certamente, ambos fizeram a mesma
descoberta e Mestre Armojo andava carregado de filosofia de vida, pleno da
idéia de felicidade e do prazer pelo simples reconhecimento de estar vivo e em
comunhão com tudo o mais. Ele, de certa forma, tentou e conseguiu criar entre
nós o “Jardim de Epicuro”, uma confraria que em Atenas de 306 a. C. reúne,
revolucionariamente – além de homens -, mulheres, escravos e estrangeiros que
difundem em livros, panfletos e cartas, as concepções de que a vida pode e deve
ser vivida em alegria e felicidade mesmo que os problemas sejam mentalmente e
fisicamente duros e difíceis. Através da luta de Armojo, a “Vila dos Confins”,
um sítio por ele concebido para ser erigido na periferia de Vitória, de
preferência na chapada do contorno, próximo ao aeroporto, contendo sínteses das
principais edificações das vilas, lugarejos e seus equipamentos, como a moenda,
a roda d’água, os quitungos, etc., ficou marcada indelevelmente em nossas
mentes e corações, De muitos já ouvi referências a ela como se sua concretude
fosse mais que uma vontade mas um fato passível, até mesmo, de ser comprovado
pela fotografia e filmagem. Eis que sua necessidade, como ele previa, é mais
forte que sua inexistência.
Hermógenes
pugnou incansavelmente para, pelo seu próprio exemplo, difundir uma saudável
crítica ética que buscava discernir entre o verdadeiro e o falso, buscando
sedimentos eficazes para que pudéssemos compreender a sua máxima de que a vida
pode ser vivida com paz e alegria. Essa era, no fundo, a sua revelação do
mundo. Como diria Epicuro, 300 anos antes de Cristo, e Hermógenes, hoje e em
qualquer data, “a sensação deve servir-nos para proceder, raciocinando, à
indução de verdade que não são acessíveis aos sentidos”. Hermógenes Lima
Fonseca nasceu em Conceição da Barra e se apaixonou pelo mundo. Cidadão
íntegro, a luta pela justiça social o conduziu à política partidária e, em Vitória,
onde já residia desde os nove anos, realizou um feito jamais alcançado por
qualquer outro político; filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), se
candidatou à Câmara Municipal e, num eleitorado de 17 mil votantes, se elegeu
com 6 mil votos, o que seria, hoje, mais do que o obtido pelos deputados
federais mais votados. Mas esse feito memorável não o impressionou, indiferente
ao poder, que não cultuava, muito pelo contrário, logo, logo se entregou com
mais vigor nas lides culturais que ele entendia ser a base da formação dos
homens e o caminho para a ampliação de suas satisfações. E aí, mais uma vez,
sua estrela o acompanhou. Foi incansável e brilhante. Seus trabalhos correram
mundo, Seu nome é legenda. Nada o perturbou. Seguiu vivendo na esteira das alegrias
que plantava. Pesquisar o folclore, viajar pelas trilhas da cultura popular é
tarefa para sábios.
Os agentes dessas manifestações têm a prudência de não ir
entregando seus conhecimentos a qualquer um que chega buscando suas luzes. É
preciso ser transparente e puro para aliviar as resistências e perceber as
sutilezas das primeiras notícias. Andar com Armojo pelos ermos das roças era um
prazer indescritível. Parando nos botecos de madeira com balcão oferecendo um
ou dois tipos de biscoitos em dois dedos de prosa mais do que todos os
pesquisadores e antropólogos que tinham visitado aquele vilarejo ou cercania da
fazenda até aquele dia. E assim ele ia se completando de energia bruta e
lapidava tudo com os doces relatos de suas histórias. Armojo, que nasceu
encantado, sempre morou na estrela-mãe que o recebe agora para todo o sempre,
para que possamos recordá-lo com alegria que ele soube aflorar e nos oferecer
com o coração aberto e a mente sempre ativa e lúcida dos sábios que justificam
a existência do mundo humano. Obrigado e até breve, amigo.
Por:
Orlando Bonfim Netto
Livro: Escritos de Vitória. 15 – Personalidades de Vitória, 1996
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2012
Livro: Escritos de Vitória. 15 – Personalidades de Vitória, 1996
Compilação: Walter de Aguiar Filho, março/2012