segunda-feira, 18 de abril de 2011

SEM POR VIR

Diariamente ele era visto por aquelas cercanias, sem perspectiva, sem objetivo que não fosse perturbar quem passava, turbar a tranquilidade dos moradores, apoderar-se do que fosse alheio, de qualquer valor, embora para frente, passasse simplesmente por quanto lhe quisessem pagar.

Havia quatro anos deixara o barraco em que morava, onde dividia espaço mesmo inexistente com mais quatro irmãos, três meninos e uma menina. Presenciara quando o primeiro dos irmãos foi arrebatado do canto em que ainda dormia exprimido entre os demais, não obstante seu protesto, da mãe que formulou súplica sentida: deixem meu filho viver, do pai que ousando o uso da força ao se interpor aos três algozes, ainda levou “um murro na cara”, caindo em cima dele mesmo desmaiado. 

À perplexidade que se fez, sucedeu estremecimento indizível com a oitiva de tiros. Com exceção do pai que ainda restava desacordado, com um impulso gerado da mesma fonte, projetaram-se todos porta a fora em direção ao patíbulo, espaço único disponível naquela “realidade”  que servia para tudo, campo de futebol, recreação de qualquer sorte, momentos de hipocrisia, quando enganadores por ali apareciam em busca de voto por exemplo e tornou-se certeza o que supunham.

No chão, jazia sem vida e já abandonado o corpo do irmão. Desespero, gritos e pranto despertaram a vizinhança.

O quase líder comunitário tomou-lhes as dores e foi quem fez os contatos de praxe que lograram a chegada da polícia e de peritos, umas quatro horas depois. E o corpo foi levado para o IML (Instituto Médico Legal).

Desde os dias em que deixara a família, juntara-se a outros garotos mais ou menos de sua idade, encontrados na rua vítimas da mesma sorte. E conheceu a violência. Sentimento ainda que inconsciente de não ser nada, gera reações e entrega-se a tudo que encontra, desde a promiscuidade, às drogas, a todos os vícios, à vida sem perspectiva que goza com qualquer apelo negativo dos sentidos e suga até as extremidades e sorve até a última gota, indiferente a quem passa e assiste e atônito meneia a cabeça ante a impotência de fazer qualquer coisa ou simplesmente segue indiferente naquela atitude acomodada equivalente ao “nun tô nem ai”.

Viciou e o vício acaba por cumprir sua parte e surge aquele dia em que procura forças para se levantar e não tem mais forças, pelo que só lhe resta quedar-se, permanecer onde está, entregar-se à impotência e esperar pelo que nem sabe o quê.

A imobilidade é cada vez maior e de tal forma que a pomba branca que no bando ciscava por ali, não se sente ameaçada e acaba presa por mãos ressequidas que não obstante a retêm e pelo calor que emanam como se se apercebesse da carência extrema sentida, não se opõe e fica fazendo companhia a quem nenhuma outra tem. Nem tem dias por vir.

É assim que é visto pelos piedosos devotos que no interior da Catedral, celebram o Natal entoando glórias ao Filho de Deus.

Mas não tarda o instante em que Jesus Menino que nascia, compadecendo-se dos seus ais, abre-lhe as portas em direção à eternidade, única solução que ainda lhe restava depois de consumido por inteiro pelo vírus HIV.

São Paulo, 18 de abril de 2011.