quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

QUANTO VALE UM NEUROCIENTISTA



Ontem foi segunda-feira, dia de Reis. Meu dedo acionou a tecla do controle da TV, fui-me deparar com o anúncio do início do programa “Roda Viva” que iria entrevistar o neurocientista Sidarta Ribeiro. Já gostei do nome, nunca vi como próprio, de alguém.
Sidarta Ribeiro

Ao contrário da imagem que costumamos construir de cientistas, tratava-se de um moreno à brasileira, camisa de gola redonda, um paletó. Podia até estar endossando “jeans”. Doutor, pós-doutor, títulos conquistados “lá fora”. De volta ao Brasil, foi instalar-se no nordeste, Natal, onde luta heroicamente para realizar seus sonhos, tira do próprio bolso para sustentar uma ideia que não deve ser desperdiçada, ou para ajudar um aluno, e for o caso, já que as verbas encurtaram muito. Conseguiu desde 2008, sentir-se à vontade nas suas  pesquisas ao lado de outros luminares como ele, da neurociência.

Não parou diretor, fundador de Institutos, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, convidado pela esposa a “irem embora” no último mês de dezembro, resolveu “dar mais um tempo”. E lamentou a quantidade de valores que o Brasil está perdendo, que buscam em outras plagas melhores oportunidades e as encontram. 

O cara sabe de tudo na sua área e de muita coisa em geral. Os entrevistadores demonstravam ter lido seu último livro “O Oráculo da Noite” (2019 – Ed. Da Letras). Claro que se prepararam muito bem assim como a Apresentadora, mediante provável leitura do livro citado, para formular-lhe perguntas que liam na hora. Com algumas exceções, todas foram bem elaboradas. O mais impressionante fica por conta das respostas absolutamente precisas, numa linguagem clara, sem rebuscamento, de imediato, ou seja, podiam perguntar o que quisessem, ninguém ficaria sem resposta.

Resisti ao sono e fiquei assistindo até o fim Os principais pontos abordados, deveras interessantes, foi a defesa da necessidade de dormir. Não tem nada de salutar, a esnobação de dizer que dorme pouco, não. Precisamos dormir e recolher-nos não tarde para que o sono seja reparador.

De preferência que seja de forma natural, “se você não consegue dormir, pegue um livro para ler e o sono logo chega”. Segundo ele, “os fazem dormir” na verdade, apagam a pessoa, mas não lhes proporcionam a necessária reposição dos componentes do organismo, perdidos na faina diária e que só dormindo como se deve dormir é que repomos.

Além do sono, falou que na mesma intensidade carecemos de sonhar. O dia a dia engolido nos diversos momentos da convivência humana sem respeito, com hostilidades, notícias desumanas, nos abastecem do que é pior. Povo sem educação não constrói nada. 

Na minha linguagem diria que é preciso alimentar a alma de beleza para ter capacidade de sonhar. E não só sonhar, enquanto se dorme, mas de olhos abertos, sonhar, sonhar muito, sempre.

Porque a memória tudo registra e nos tornarmos produto das coisas com as quais nos alimentamos Lamentou que no Brasil se leia muito pouco, há pessoas que não leem sequer um livro, passam longe das letras e assim vivem do que lhes proporcionam, afinando-se com o que melhor lhes convém. Repetem frases fabricadas.

A este ponto me lembro de uma onda que menos mal, parece passada da fala de hostis, de subversivos, políticos que ao se referirem ao Brasil, o faziam como “este país” e o predicado se constituindo de uma enxurrada de maledicências, de falta de patriotismo, de esnobismo populista como se não lhes coubesse o dever de promover ou construir junto, a grandeza que na sua própria ótica, fazia falta. Foi sempre com ferimento dos meus tímpanos que ouvi a expressão.
Quem lê se informa, quem lê tira conclusões, quem lê e se instrui, capacita-se a elaborar conceitos e ao invés de viver na sombra, também é luz.


Sonho, sono e memoria. É a trilogia que me ficou do que ouvi, mas eis que a este ponto esbarro com o “picilone” da questão. Muito bem, se estivesse numa plateia na qual ocorresse no palco a entrevista, ao final eu me levantaria também acompanhando e aplaudindo o entrevistado.

Mas ouvi um cientista que como bom professor de universidade federal, não deixou de lançar farpas sobre o atual governo. É o Ministro do Meio Ambiente que “não teve coragem de dizer lá fora, as mentiras que repete aqui”. “Está tudo mais do que confirmado com as imagens de satélites” e congêneres. É Paulo Guedes que em síntese, corre atrás de dinheiro, mas este anda escasso nos laboratórios de pesquisa e em outros. Falta o suficiente para o desenvolvimento de trabalho por muitos pesquisadores abraçado, para as Universidades, diz.

Se estivermos atentos, verificamos que todos os dias, às dezenas, são mostradas entrevistas com personagens de diversos setores, que ao questionamento, claro que sempre respondem, com a cor da lente dos óculos que estão usando ou da forma que veem segundo o que fazem ou até mesmo se pode denominar ideal o que aspiram. E nossos ouvidos se enchem de tudo, não que sejamos obrigada a ouvir, mas porque queremos exercer nosso direito de crítica e até desdizer, se for o caso.

Sem faltarem os jornalistas que sabem de tudo “nos mínimos detalhes” são quase oniscientes, infalíveis. “Vejam-se aquelas que não saem do ar”. Emitem suas opiniões como se dogma fossem, como se não houvesse outra versão, no mínimo em razão do ethos que atua em cada um.

Na internet, no celular de modo particular é aquela perseguição “do 99”, da oferta disto e daquilo, nas notícias, na maioria inverídicas. Chegam sem serem chamadas e são difíceis de expulsão por indesejadas. 

Ninguém está aqui para viver no compasso “do samba do crioulo doido”. Precisamos ser indivíduos em sociedade, para tanto é bom dormir, sonhar, mesmo sonhos impossíveis, se é para sonhar, ter hábito de leitura, conquistar o gosto pelo livro.


Como já bem dissera Fulton Shen (Bispo de Nova York, na metade do século passado): “Cada individualidade moral contribui para a transformação da face do mundo, cada ser livre é criador”.

Marlusse Pestana Daher                                                                                 Jurista, radialista, poetisa e escritora.                                                                   Vitória, 07 de janeiro de 2019 22h57m.