Ontem
foi segunda-feira, dia de Reis. Meu dedo acionou a tecla do controle da TV, fui-me
deparar com o anúncio do início do programa “Roda Viva” que iria entrevistar o
neurocientista Sidarta Ribeiro. Já gostei do nome, nunca vi como próprio, de
alguém.
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Sidarta Ribeiro |
Ao
contrário da imagem que costumamos construir de cientistas, tratava-se de um
moreno à brasileira, camisa de gola redonda, um paletó. Podia até estar
endossando “jeans”. Doutor, pós-doutor, títulos conquistados “lá fora”. De volta
ao Brasil, foi instalar-se no nordeste, Natal, onde luta heroicamente para
realizar seus sonhos, tira do próprio bolso para sustentar uma ideia que não
deve ser desperdiçada, ou para ajudar um aluno, e for o caso, já que as verbas
encurtaram muito. Conseguiu desde 2008, sentir-se à vontade nas suas pesquisas
ao lado de outros luminares como ele, da neurociência.
Não
parou diretor, fundador de Institutos, professor na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, convidado pela esposa a “irem embora” no último mês de
dezembro, resolveu “dar mais um tempo”. E lamentou a quantidade de valores que
o Brasil está perdendo, que buscam em outras plagas melhores oportunidades e as
encontram.
O
cara sabe de tudo na sua área e de muita coisa em geral. Os entrevistadores
demonstravam ter lido seu último livro “O Oráculo da Noite” (2019 – Ed. Da
Letras). Claro que se prepararam muito bem assim como a Apresentadora, mediante
provável leitura do livro citado, para formular-lhe perguntas que liam na hora.
Com algumas exceções, todas foram bem elaboradas. O mais impressionante fica
por conta das respostas absolutamente precisas, numa linguagem clara, sem
rebuscamento, de imediato, ou seja, podiam perguntar o que quisessem, ninguém
ficaria sem resposta.
Resisti
ao sono e fiquei assistindo até o fim Os principais pontos abordados, deveras
interessantes, foi a defesa da necessidade de dormir. Não tem nada de salutar, a esnobação de dizer que dorme
pouco, não. Precisamos dormir e recolher-nos não tarde para que o sono seja reparador.
De
preferência que seja de forma natural, “se você não consegue dormir, pegue um
livro para ler e o sono logo chega”. Segundo ele, “os fazem dormir” na verdade,
apagam a pessoa, mas não lhes proporcionam a necessária reposição dos
componentes do organismo, perdidos na faina diária e que só dormindo como se
deve dormir é que repomos.
Além
do sono, falou que na mesma intensidade carecemos de sonhar. O dia a dia engolido nos diversos momentos da convivência
humana sem respeito, com hostilidades, notícias desumanas, nos abastecem do que
é pior. Povo sem educação não constrói nada.
Na
minha linguagem diria que é preciso alimentar a alma de beleza para ter
capacidade de sonhar. E não só sonhar, enquanto se dorme, mas de olhos abertos,
sonhar, sonhar muito, sempre.
Porque
a memória tudo registra e nos tornarmos produto das coisas com as quais nos
alimentamos Lamentou que no Brasil se leia muito pouco, há pessoas que não leem
sequer um livro, passam longe das letras e assim vivem do que lhes
proporcionam, afinando-se com o que melhor lhes convém. Repetem frases
fabricadas.
A
este ponto me lembro de uma onda que menos mal, parece passada da fala de
hostis, de subversivos, políticos que ao se referirem ao Brasil, o faziam como
“este país” e o predicado se constituindo de uma enxurrada de maledicências, de
falta de patriotismo, de esnobismo populista como se não lhes coubesse o dever
de promover ou construir junto, a grandeza que na sua própria ótica, fazia
falta. Foi sempre com ferimento dos meus tímpanos que ouvi a expressão.
Quem
lê se informa, quem lê tira conclusões, quem lê e se instrui, capacita-se a
elaborar conceitos e ao invés de viver na sombra, também é luz.
Sonho,
sono e memoria. É a trilogia que me ficou do que ouvi, mas eis que a este ponto
esbarro com o “picilone” da questão. Muito bem, se estivesse numa plateia na
qual ocorresse no palco a entrevista, ao final eu me levantaria também
acompanhando e aplaudindo o entrevistado.
Mas
ouvi um cientista que como bom professor de universidade federal, não deixou de
lançar farpas sobre o atual governo. É o Ministro do Meio Ambiente que “não
teve coragem de dizer lá fora, as mentiras que repete aqui”. “Está tudo mais do
que confirmado com as imagens de satélites” e congêneres. É Paulo Guedes que em
síntese, corre atrás de dinheiro, mas este anda escasso nos laboratórios de
pesquisa e em outros. Falta o suficiente para o desenvolvimento de trabalho por
muitos pesquisadores abraçado, para as Universidades, diz.
Se
estivermos atentos, verificamos que todos os dias, às dezenas, são mostradas
entrevistas com personagens de diversos setores, que ao questionamento, claro
que sempre respondem, com a cor da lente dos óculos que estão usando ou da
forma que veem segundo o que fazem ou até mesmo se pode denominar ideal o que
aspiram. E nossos ouvidos se enchem de tudo, não que sejamos obrigada a ouvir,
mas porque queremos exercer nosso direito de crítica e até desdizer, se for o
caso.
Sem
faltarem os jornalistas que sabem de tudo “nos mínimos detalhes” são quase
oniscientes, infalíveis. “Vejam-se aquelas que não saem do ar”. Emitem suas
opiniões como se dogma fossem, como se não houvesse outra versão, no mínimo em
razão do ethos que atua em cada um.
Na
internet, no celular de modo particular é aquela perseguição “do 99”, da oferta
disto e daquilo, nas notícias, na maioria inverídicas. Chegam sem serem
chamadas e são difíceis de expulsão por indesejadas.
Ninguém
está aqui para viver no compasso “do samba do crioulo doido”. Precisamos ser
indivíduos em sociedade, para tanto é bom dormir, sonhar, mesmo sonhos
impossíveis, se é para sonhar, ter hábito de leitura, conquistar o gosto pelo
livro.
Como
já bem dissera Fulton Shen (Bispo de Nova York, na metade do século passado):
“Cada individualidade moral contribui para a transformação da face do mundo,
cada ser livre é criador”.
Marlusse
Pestana Daher Jurista, radialista, poetisa e escritora. Vitória, 07
de janeiro de 2019 22h57m.