segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O MÉDICO E O EMPRESÁRIO

Republica-se com alterações. 
                                                                                         Fahed Daher

Seu Antônio, no balcão do bar, entre um gole e outro de cerveja, na conversa animada de interpretar as mazelas da política e as imoralidades do voto secreto do senado, de repente enveredou para o assunto da assistência médica do SUS, criticando a má vontade dos médicos no atendimento dos ambulatórios e criticando as atitudes que a imprensa noticiou de médicos que se recusam a fazer plantão noturno, presos dentro do hospital.

Junto do seu Antônio estava um proprietário de um supermercado e este concordava com toda a argumentação que ouvia.

Próximo, em outro grupo, bebericando a loirinha, havia um médico dos que atendem na previdência e fazem o plantão noturno, o Dr. “J.C.Marela.”

Depois de ouvir toda a arenga do reclamante, pediu licença e interveio na conversa com um argumento:

- Sabe, seu Antônio! Lendo as notícias do legislativo federal, no noticiário da internete, fiquei sabendo que está para ser aprovada uma lei para as compras do supermercado, para favorecer a classe das pessoas que vivem de pouco salário...

- Que lei é esta?- Perguntou o empresário?

- O freguês irá ao banco, especialmente banco do Brasil, com a relação das compras. Ali o caixa do banco escreve o preço de cada mercadoria, na tabela estabelecida pelo departamento de mercados e preços. Ali o freguês paga para o banco o total da compra que precisa. Em seguida o freguês vai ao supermercado, escolhe a mercadoria, já pagou para o banco e entrega para o caixa do supermercado a relação que o banco já carimbou como tendo recebido.

- Como o mercado receberá a compra do freguês?

- No fim do mês o supermercado faz uma relação de todas as notas mandadas pelo banco e o banco paga ao supermercado.

- Isto é impossível! Gritou o dono do supermercado. Isto será uma ditadura. Nós estamos numa democracia com nossos direitos individuais...

- Até que o senhor está certo. Mas veja uma coisa! Os alimentos, a comida, contem diversos produtos químicos que o corpo precisa. O remédio é quase um substituto da comida. Pois é produto químico composto no laboratório.

Se a comida é boa é melhor remédio do que a droga das farmácias.
- Pois bem! Assim o governo faz com os médicos. Ele manda o médico atender e depois o médico tem de fazer uma fatura e apresentando ao governo. Governo paga no preço que quer. ,  quando não corta alguma relação da fatura apresentada, sem dar satisfação, leva muitas vezes até 03 a 06 meses para pagar, sem correção. Por exemplo, uma consulta mais ou menos vinte reais - Uma cirurgia, trinta a quarenta reais, assim por diante.

- É! Mas o mercado tem aplicação de capital e tem estoque de mercadoria...

- O médico também. O dono do mercado não precisa de curso nenhum. Nenhum estudo. Um pouco de inteligência de procurar o produto mais barato e revender com lucro.

- O médico tem um bruto estoque. Só que ninguém vê porque esta guardado dentro da cabeça. Começa a colecionar este estoque quando entra na escola primária. 04 anos. Cadernos, livros, estudos, aprovações. Tempo. Dinheiro do papai...

- Quando termina a primeira parte vai para o curso secundário. Aí a vaca tosse! Estudos mais pesados. Livros. Escolas boas do governo? Nem pensar... São poucas. O estudante tem de entrar numa escola particular.

Daí, do que o pai paga para a escola ainda paga imposto de renda. A escola também paga imposto de renda. Então o governo não aplica dinheiro para formar escola e recebe dinheiro da escola em forma de imposto.

- Nesta idade, muitas vezes, alem de estudar a gente tem de trabalhar.

Para ser médico vai para o colégio. Antes do vestibular, e cursinhos preparatórios para o vestibular. Mais noites de estudos quando não segue pela madrugada estudando.

Claro que acha algum tempo para algum bailinho e algum cinema, ou algum namoro. Senão pode enlouquecer.

Ai vem o vestibular. 30 ou 50 ou mais candidatos para uma vaga e tem de pagar a inscrição para fazer as provas. A escola particular tem mais um lucro.

Se for aprovado... Na medicina serão mais seis anos de estudos pesados. Livros... Livros... Livros. Instrumental... Provas... Fadigas... Nervosos... Fadigas até a formatura.

Formatura. Festa. Parece o fim, mas não é. Tem de conhecer a história, conhecer elementos de filosofia, conhecer psicologia...
Precisa aumentar o estoque dentro da cabeça aprendendo o que é ética, o que é humanismo. Ainda, para poder trabalhar, se inscrever no Conselho Federal de Medicina. Novas provas. Se não for aprovado tem de voltar a estudar para fazer novas provas.

Passado estes sacrifícios, agora procurar um hospital ou grande clínica para aprender a prática da profissão.

Residência médica de dois a quatro anos. Estudos. Prática. Plantão. Fadiga. Comprando mercadoria que é o conhecimento e equipamento. – Formando estoque. Pagando sempre para armazenar estoque...

Agora? Se não partir para maiores estudos de mestrado e doutorado, com mais outros quatro a cinco anos... Montar consultório... Cadê dinheiro?

Faz bruto estoque cerebral, cultural, técnico e não tem capital.

Tem de aceitar emprego do governo que estabelece o seu preço, o preço para o seu estoque. Preço de doze reais por venda de conhecimento - Por consulta.

O engraxate, com a banca de engraxar ganha dez reais, sem estudo e com o estoque de duas latinhas de graxa. A câmara dos deputados paga três milhões por ano para os engraxates da casa.

Quando o médico, com todo o estoque cerebral, capital aplicado, noites de insônia... Quando reclama do sacrifício do atendimento, dos plantões noturnos, diante do ganho, e se recusa de atender... A promotoria o ameaça de processo.

- É! Mas a gente com o mercado tem sempre de renovar os estoques ou a gente perde a freguesia.

- É verdade. Também o médico tem de sempre renovar os estoques de conhecimento.

- Mas como vai renovar estoques?

- Com novos cursos e congressos

- Renovar estoques? Também o médico tem este problema. Tem de freqüentar cursos e congressos. Comprar novos livros, assinar revistas médicas, comprar equipamentos médicos.

Alem do mais, está sempre sob a fiscalização da sociedade. Tem de andar bem vestido porque se andar mal vestido a sociedade o acusa e foge do seu trabalho. Se algum paciente se achar prejudicado o médico está em condições de ser chamado na justiça.
- Nos temos de enfrentar transações bancárias, enfrentar fregueses mal pagantes... Contrapõe o comerciante

- É! Nós temos de enfrentar operações vendo o sangue correr, muitas vezes na angústia de sentir que a vida está em nossas mãos. O nosso sentimento e o nosso sofrimento não são pequenos, obrigados a muitas vezes passar as noites sem dormir zelando de alguém.

- Mas veja quantos médicos tem seu carro, casa e muitos com fortunas grandes.

- Existe, sim. Especialmente os médicos que conseguem, por recursos de pais ricos ou outros meios, bons financistas, coisa difícil para a maioria. Os que conseguem montar belos consultórios, sofisticados, nas grandes cidades, depois de grandes sacrifícios ou ajuda dos pais. Consultórios que atraem clientes que gostam de ambientes luxuosos, estes dispostos a pagar sem a previdência.

A maioria dos profissionais está correndo de emprego a emprego, dois a três empregos e plantões noturnos. Nas grandes cidades enfrentando trânsito terrível para ir de um emprego a outro.

Neste interior, muitos assumem emprego de prefeituras com a condição de estar vinte e quatro horas à disposição, ainda fazendo por ajudar a exploração política.

- Sim. O trabalho do comércio de mercadorias é nobre, quando humanizado e com ética. O trabalho da medicina não pode perder a nobreza, não pode ser escravo.

Sobrames- Soc. Brasileira de Médicos Escritores (Vice - Pres.) Paraná
Orador da turma de medicina de 1952 - Universidade do Paraná.-
Acad. de Letras de Londrina. Centro de Letras do Paraná.
Pres. Da Acad. Centro Norte do Paraná – Acad. Paranaense da Poesia. -