Leonardo Boff, teólogo,
filósofo e escritor.
Não é fácil em poucas
palavras resumir os pontos relevantes das intervenções do papa Francisco no
Brasil. Enfatizo alguns, com o risco de omitir outros importantes.
O legado maior foi a figura do papa Francisco: um humilde servidor da
fé, despojado de todo aparato, tocando e deixando-se tocar, falando a linguagem
dos jovens e as verdades com sinceridade. Representou o
mais nobre dos líderes, o líder servidor que não faz referência a si mesmo, mas
aos outros com carinho e cuidado, evocando esperança
e confiança no futuro.
No campo
político encontrou um país conturbado pelas multitudinárias manifestações
dos jovens. Defendeu sua utopia e o direito de serem ouvidos. Apresentou uma
visão humanística na política, na economia e na erradicação da pobreza.
Criticou duramente um sistema financeiro que descarta os dois polos: os idosos,
porque não produzem, e os jovens não criando-lhes postos de trabalho. Os idosos deixam
de repassar sua experiência, e os jovens são privados de construir o futuro.
Uma sociedade assim pode desabar.
O tema da ética foi
recorrente: ética fundada na dignidade transcendente da pessoa. Com referência
à democracia cunhou a expressão “humildade social”, que é falar olho a olho,
entre iguais, e não de cima para baixo. Entre a indiferença egoísta e o protesto
violento apontou uma opção sempre possível: o diálogo construtivo. Três
categorias sempre voltavam: o diálogo como mediação para os conflitos, a
proximidade para com as pessoas para além de todas as burocracias e a cultura
do encontro. Todos têm algo a dar e algo a receber. “Hoje ou se aposta na
cultura do encontro, ou todos perdem”.
No campo
religioso foi mais fecundo e direto. Reconheceu que ”jovens perderam a fé
na Igreja e até mesmo em Deus pela incoerência de cristãos e de ministros do
evangelho”. O discurso mais severo reservou-o para os bispos e cardeais
latino-americanos (Celam). Reconheceu que a Igreja, e ele mesmo se incluiu,
está atrasada em suas formas de presença no mundo. Conclamou não apenas a abrir
as portas para todos, mas a sair em direção ao mundo e para as “periferias
existenciais”. Criticou a “psicologia principesca” de membros da hierarquia.
Eles têm que ser pobres interior e exteriormente. Dois eixos devem estruturar a
pastoral: a proximidade do povo, para além das preocupações organizativas,
e o encontro marcado de carinho e ternura. Fala até da necessária
“revolução da ternura”, coisa que ele mostrou viver pessoalmente. Entende a
Igreja como mãe que abraça, acaricia e beija. Essa atitude materna os pastores
devem cultivar para com os fiéis. A Igreja não pode ser controladora e
administradora, mas servidora e facilitadora. Enfaticamente, afirma que a
posição do pastor não é a posição do centro, mas a das periferias. Deu
centralidade aos leigos para junto com os pastores decidirem os caminhos da
comunidade.
O diálogo com o mundo
moderno e a diversidade religiosa: o papa Francisco não mostrou nenhum medo
face ao mundo moderno; quer trocar e inserir-se num profundo sentido de
solidariedade para com os privados de comida e de educação. Todas as confissões
devem trabalhar juntas em favor das vítimas. Pouco importa se o atendimento é
feito por um cristão, um judeu, um muçulmano ou outro. O decisivo é que o
pobre tenha acesso à comida e à educação. Nenhuma confissão
pode dormir tranquila enquanto os deserdados deste mundo
estiverem gritando. Aqui vige um ecumenismo de missão: todos juntos, a serviço
dos outros.
Aos jovens dedicou
palavras de entusiasmo e de esperança. Contra uma cultura do consumismo e da
desumanização convocou-os a serem “revolucionários” e “rebeldes”. É
pela janela dos jovens que entra o futuro. Criticou o restauracionismo de
alguns grupos e o utopismo de outros. Colocou o acento no hoje: ”no hoje se
joga a vida eterna”. Sempre os desafiou para o entusiasmo, para a criatividade
e para irem pelo mundo espalhando a mensagem generosa e humanitária de Jesus, o
Deus que realizou a proximidade e marcou encontro com os seres humanos.
Na celebração final
havia mais de três milhões de pessoas, alegres, festivas e na mais absoluta
ordem. Desceu uma aura de benquerença, de paz e de felicidade sobre o Rio de
Janeiro e sobre o Brasil, que só podia ser a irradiação do terno e
fraterno papa Francisco e do Sentimento Divino que ele soube transmitir.
Leonardo
Boff escreveu 'Francisco de Assis e Francisco de Roma: Uma nova
primavera na Igreja?' (Editora Mar de Ideias, Rio, 2013).