sexta-feira, 7 de junho de 2013

LEMBRANDO DE RENATO PACHECO

Renato Pacheco foi meu professor
de sociologia na Escola Normal de São Mateus e disse um dia:
"felicidade é termo, não existe".



DEZ POEMAS DA MONTANHA

Santa Rita do Sapucaí, MG, abril de 1077


I
Nem poeta, nem profeta, sou rio e monte.
Busco o absoluto e ultrapassei os limites do universo.
A noite tudo encobre, mas vi a luz.
Cego, durmo, sem propriedades nem posses.
O que vejo está na caverna azul
A água desce da Serra do Caparaó
e abre vales nas montanhas pétreas.
Aleluia, aleluia, cheguei a porto e salvação.
Quando será que a represa vazará?
Quando florirão as macieiras?
Quando, o sol explodirá;
E a lua solitária e morta, quando me verá
como rio e monte, poeta e profeta
a vagar - grão de areia - pelo infinito?

II

Plantaram um buriti em minha porta,
e plácidas vacas pastam a meu lado.
A realidade não existe, então?
Céu e inferno estão em minha mente.
Mãos e pernas, taekwon-do,
o mundo cada vez fica menor,
no tablado crianças brasileiras e lutas coreanas.

De quem eu vivo separado?
Há quanto tempo, há quanto tempo?
Da verdade, que não sei sintonizar.
Jornais, rádios, tevês, vídeos,
me jogam no espaço por caminhos errados.

Resta o silêncio, a solidão, o vazio,
enquanto Marte brilha e o Hale-bop se esconde.

III

Espelho empoeirado,
metal sem brilho,
casa desmiolada,
olho que dói,
espírito da época.

Não falemos mais nisso.
Não falemos mais.
Não falemos.
Não.

As origens são escusas.
Razão e raciocínio nunca mais.
Sonhei duas vezes com você.
De manhazinha, andei no Santa Maria seco.

O homem falava:
"Espírito energizante, concentração alta".
E as mulheres levantaram os braços.

Noite escura, nada se reflete
em meu espelho empoeirado.

IV

Encerrei-me num crisol,
macerei-me quanto pude.
No cadinho, finalmente,
não restou suco algum.

Predeterminada ou aleatória,
nada sei da natureza absoluta.
Pioneio-me ao infinito
menosprezando terra mare ar.

Quando volto da jornada,
quando chego à velha Ítaca,
Muitos são os pretendentes,
somente eu sou Odisseus.

Mas em casa não estou,
nostálgico de mim eu fujo.
Mar alto, céu azul, eólios brincos
não restou suco algum.

V

Imaginar, em labirinto de espelhos
o homem se afundando em terra firme.
Lagos de sangue, córregos linfáticos,
há um rastro de fogo que o persegue.

A ingazeira, à beira do rio, se abaixa
e sua sombra se estende pelo pasto.
A sua sombra o persegue sempre
e os rios, a cuja margem se sentou, secaram.

As aves perderam suas penas.
As aves deixaram de voar.
A arte da guerra se avantajava,
Onde a esperança está, ele não sabe.

Buscar, buscar sempre, cada vez mais.
Neoplasmas devem ser extirpados?
O tecido nervoso não responde.
Buscar, buscar sempre, cada vez mais.

VI

O mistério dorme a sono solto.
O mistério sonha,
Nos lábios do mistério há um sorriso.

A criança come chocolates da Páscoa
O gado pasta na encosta.
A cadelinha late no quintal.

São favas contadas e recontadas;
enquanto o mistério dorme e sonha,
a vida, de mansinho, flui e finda.

VII

Metido a gato mestre,
o homem ganhou fama.
(municipal, provincial?)
O que o homem não sabia
é que glória e poder
são unidade indivisível
e precatórios e tristezas
não pagam dívidas nem mágoas.

Chorou pitangas à porta do tugúrio
metido a gato mestre, o homem chorou.

VIII
O refúgio inconsútil
a casinha de bambu,
o regato cristalino,
estão longe, na montanha.

E, Vitória, Vitória onde fica?
Onde ficam o mangue, o mar e os morros?
Escondo-me na Grande Ponte
bem longe, bem longe na montanha.

IX

"Como um começar a enjoar, no espírito"
Fernando Pessoa, in Ode Marítima

E, sem que me dê por isto,
não no mar, porém nos montes
dá-me um começo de enjoo,
não no espírito, mas no corpo todo.

Lembro-me de meus enjoos antigos,
na lancha Elizabeth prá Paul,
no Ita que me levou ao Rio,
no Mareiro do velho Filó,
no DC 3 a Parnaíba,
nos ônibus de Guarapari,
e até no bambolear do cavalo
rumo a São Pedro de Rates.

Eu sei, bem sei que sou um enjoado
Pelo perdão por tudo, peço perdão por nada.
E em mares revoltos ou montes serenos
permitam-me a náusea, a náusea de viver.

X

Depois de renhida luta, expulsamos os nativos,
"Shall I at least my lands in order?"
Em Maruípe plantamos algodão e cana.
Em São João plantamos pólvora e canhões.

MAIS TARDE

Na Chácara do Vintém plantamos café.
e, em Santo Antônio plantamos fantasmas,
prá dançar no reis-de-boi da Barra do Cricaré.

DEPOIS

Empreendemos acelerada destruição
As motosserras substituíam os passarinhos.
Criamos, por vontade própria, o deserto.

AO FIM

Destruiremos as mil pontes que nos ligam ao continente,
e de lambujem, as de Londres e do Avinhão,
onde passam bois, onde passam boiadas.

(Lavrador de nuvens, encaro o deserto,
"Como deixar, agora, em ordem, minhas terras?")

 

Magistrado, professor, escritor, poeta. Renato José Costa Pacheco, nasceu em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, a 16/12/1928, filho de Filogônio Pacheco e Valentina Costa Pacheco. Fez seus estudos primários e secundários no Colégio Filgueiras, com particulares, no Colégio Estadual do Espírito Santo, bacharelou-se em 1951, pela Faculdade de Direito do Espírito Santo. Cursou Pós-Graduação na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Licenciado em História, em Colatina. Atuou como professor em inúmeros colégios de Vitória e do interior do Estado, bem como da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFES (livre docente) e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cachoeiro de Itapemirim. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, da Comissão Espírito-santense de Folclore, da Academia Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira nº 33, cujo patrono é José Horácio Costa e da Academia Capixaba dos Novos. Faz parte do grupo de Letras. Ocupou o cargo de Juiz de Direito, desde 1957, em Vitória e Guaçuí.Foi colaborador nos principais jornais do Estado e Revistas. Manteve uma coluna literária e informativa, na revista "Vida Capixaba", desde o final da década de 40, denominada "Polo Norte... Polo Sul... Notas de literatura".Faleceu em Vitória, a 19/03/2004.