Quando vou à casa de minha amiga Carmen Lucia, ocorre-me encontrar sua mãe que quase sempre está lá. Seu avantajado corpo procura um assento. Ao lado, pronta ao serviço, sua amiga, a bengala que a ajuda a caminhar.
Ao ser cumprimentada, na chegada ou na partida, responde acrescentando sempre: Jesus te ama e eu também! É alegre, gosta de cantar e seu bom humor se evidencia sempre, ainda que nunca lhe falte uma oportunidade para melancolicamente, lembrar o filho que Jesus chamou e de outras fases marcantes ou menos brilhantes de sua vida.
Falamos sempre de amenidades entre gostosas gargalhadas e quase sempre ocorre a pergunta: minha filha, quantos anos sua mãezinha tem? e lhe repito: 94, D. Carmen! Que bom! E ela está boazinha da cabeça: está sim, respondo eu. Ela respira fundo.
Depois de tantas vezes ter precisado responder à mesma pergunta, adocicando a voz tanto quanto me foi possível, respondi: mas D. Carmen, a senhora tem cabeça boa, não pode ter esquecido, já disse que mamãe tem 94 anos. Nenhuma resposta e a conversa toma outro rumo.
Quando voltei para casa, senti certo desconforto, aquele diálogo aflora em minha mente, fazendo-me concluir que a pergunta de D. Carmen tem fundamento e uma expectativa: ela tem 89 anos, tendo minha mãe 94, há de concluir que para ela ainda sobram cinco anos. Só isso justifica a insistência dela. Não é que se tenha esquecido, mas é bom ouvir de novo, algo que de certa forma há de tranquilizá-la por saber. E me disse que nunca mais deixaria de responder àquela pergunta com a mesma boa vontade que o fiz pela primeira vez.
Não custou muito e aconteceu de novo: minha filha, quantos anos sua mãezinha tem? agora, 95 anos, D. Carmen! Que bom! E ela está boazinha da cabeça: está sim, respondo eu. E ainda mais, a irmã dela, minha tia, tem 98 anos e um outro tio que atualmente mora com o filho em Curitiba, fez 102 anos!
Suspirou ainda mais fundo. É, minha filha, que bom, graças a Deus.
Recentemente, um diagnóstico sem aprofundamento colocou em suspense sua família. Se o temor da morte ronda os novos, quanto mais quem já passou dos oitenta, mas saber que outros há que somam ainda mais anos representa uma possibilidade de também ainda viver mais.
Agora, estou certa de que é somente essa a razão que tem D. Camen para repetir sempre aquela mesma pergunta. Está decidido: com muito prazer, responderei tantas quantas forem as vezes que a mesma pergunta me for dirigida.