segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO X DIREITOS DA CRIANÇA


                                    O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO                                                              FRENTE À VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA




A violência doméstica como um todo, e em especial, a violência sexual intra familiar ainda têm sido tratadas como assuntos privados e estigmatizantes, mesmo pelos profissionais da área jurídica,  sobre quem recai a responsabilidade de considerá-la tema público e sujeito a conseqüências na esfera judicial.

Essa curiosa inversão, verdadeira negação de valores tutelados pela Lei, favorece a recorrência do processo de vitimização, porque, ante a ausência da intercessão do Poder Público, sucede a tendência da criança a adaptar-se à situação abusiva, por absoluta escassez de alternativas outras que provoquem o seu rompimento. Essa adaptação, lamentavelmente, ocorre em detrimento de seu normal desenvolvimento emocional, gerando um adulto inseguro, com baixa auto-estima, sem parâmetros relacionais adequados, e que, em muitas das vezes, vai repetir o processo de objetificação do qual foi vítima, agora na posição de agressor.

As pesquisas de forma uníssona verificado que, instalado o abuso, o rompimento do segredo que o sustenta vai depender de um ambiente familiar no qual a criança vá se sentir protegida após a revelação e/ou de um suporte estatal que lhe dê outras possibilidades, a não ser a submissão a essa violação.  É sabido que o enfrentamento das questões implicadas no abuso sexual intra familiar, configuradas nos planos jurídico, social e psicológico, depende de uma abordagem multidisciplinar voltada para a efetiva proteção da criança e de sua saúde, que inclui a existência de órgãos públicos e profissionais aptos para esse atendimento.

É preciso, portanto, em defesa dos direitos dessas vítimas, reagir contra o imobilismo decorrente da indiferença de uma sociedade desiludida e do desinteresse do Poder Público. Mister se faz que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja efetivamente implementado.

No contexto do Estatuto, que nos trouxe a tão decantada doutrina da proteção integral, estabeleceu-se um sistema de garantias assentado sobre uma verdadeira “rede de proteção”, consistente em um conjunto articulado e integrado de organismos e ações que têm por meta assegurar os direitos dos infantes.

Esse sistema é composto tanto pelas políticas sociais básicas – que vão assegurar o direito à educação, saúde, profissionalização, etc. – quanto pelas políticas de proteção especial – que, em conjunto com os órgãos do sistema de justiça, entram em cena quando da ocorrência concreta de violação de direitos.

Como acentua Edson Seda, na vigência da legislação anterior, “a ausência ou insuficiência de ação necessária para implementação de qualquer das políticas públicas transformava a criança e o adolescente em menor em situação irregular, o que bastava para que fossem encaminhados à autoridade tutelar. Atualmente, com a vigência do ECRIAD, a mesma falha inverte a polarização, colocando a política pública em situação irregular, demandando imediata ação administrativa para cobrar o direito violado”. Observe-se, nesse sentido,  a severidade do art. 208 do texto legal.

É indispensável que cobremos do Poder Público seu dever frente aos cidadãos. A provisão de todo o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, que perpassa tanto as políticas sociais básicas quanto os serviços de proteção previstos no art. 101 do Estatuto, não são favores, mas obrigações do Estado, contrapartidas óbvias dos direitos subjetivos de nossos infantes expressamente elencados em lei.

A ampla legitimação confiada ao Ministério Público para a defesa desses direitos, que nos autoriza a atuar tanto na esfera judicial quanto extrajudicialmente, torna a omissão do Poder Público fator que obrigatoriamente nos impele agir, sob pena de sermos, também, omissos.

A sensibilização do Poder Público, a celebração de compromissos de ajustamento de conduta e a emissão de recomendações têm-se revelado instrumentos bastante eficazes na atuação ministerial em defesa dos direitos da criança. Temos obtido avanços significativos através da intervenção extrajudicial.

É notória a carência de serviços públicos, em todo o território brasileiro, em severo prejuízo de nossa sofrida população, que tem depositado no Ministério Público crédito e confiança.

A proposta é que façamos jus a esse crédito, assumindo, concretamente, o papel de agentes comprometidos com a materialização dos tantos direitos assegurados às nossas crianças, que, em muitos casos, presentifica-se somente no papel.