Amaletras 1° lugar no Concurso Literário "Elza Cunha"
Edição 2017
Edição 2017
        Era
possível ouvir quando ele passava, sempre por volta da meia-noite. 
Quando criança, Richard ficava acordado em sua cama até ouvir o apito, e imaginava como era o trem, para onde iria, que carga levava, e quem estaria a bordo. Durante o dia, ele ia brincar perto dos trilhos, mas nunca viu a locomotiva. O único horário em que ela passava era tarde demais para se estar por ali. "Um dia quero ficar ao lado da linha para vê-lo soltando fumaça", pensava. Mas acabava nunca indo. Apenas ouvia aquele som agudo, ao longe, na hora de dormir.
Quando criança, Richard ficava acordado em sua cama até ouvir o apito, e imaginava como era o trem, para onde iria, que carga levava, e quem estaria a bordo. Durante o dia, ele ia brincar perto dos trilhos, mas nunca viu a locomotiva. O único horário em que ela passava era tarde demais para se estar por ali. "Um dia quero ficar ao lado da linha para vê-lo soltando fumaça", pensava. Mas acabava nunca indo. Apenas ouvia aquele som agudo, ao longe, na hora de dormir.
        Assim
foi durante anos, até que o trem parou de apitar. Foi de repente, numa noite
qualquer. O relógio marcou meia-noite, depois uma da manhã, duas, e nada. Ele
simplesmente não passou pela cidade, e isso aconteceu nas noites seguintes. E
então nunca mais...                                                                                                                                     
        Richard
lamentou ter perdido a chance de ver o trem que sempre tivera papel importante
em sua imaginação. Mas aos poucos ele foi esquecendo que um dia tinha ouvido os
apitos. O menino cresceu, começou a trabalhar, casou, teve filhos, eles cresceram,
teve netos, enviuvou... 
        Na
velhice, Richard passou a escutar cada vez menos. Tinha sempre que perguntar
duas ou três vezes antes de responder a uma pergunta, o que irritava os menos
pacientes. Sentia-se um velho triste e sem utilidade, cujas antigas histórias
não interessavam a mais ninguém.
        E foi
numa noite de nostalgia que, pouco antes de adormecer, ele o ouviu. Começou
baixinho, muito distante, e então foi crescendo. O trem estava passando por lá
outra vez.
        "Não
é possível!", pensou.
        Depois
de setenta anos a locomotiva estava novamente nos trilhos. O som ia ficando
cada vez mais forte, e ele não quis mais esperar. Levantou-se da cama, calçou
os chinelos e saiu de casa.  Caminhou até
a linha de trem. Não havia ninguém na rua para estranhar um senhor da sua idade
andando de pijamas. O apito ia ficando cada vez mais forte à medida que Richard
se aproximava da linha de ferro... Até que eles se encontraram. Pela primeira
vez Richard viu aquele enorme dragão de ferro vindo em sua direção,
cantarolando e soltando fumaça pela chaminé. O trem foi diminuindo a velocidade
e parou exatamente onde Richard esperava. 
        - Viemos
especialmente para buscá-lo, Richard - disse o maquinista.
        Convertido
novamente em um menino, ele subiu os degraus da locomotiva. 
        - Eu
posso puxar a corda que faz apitar? - perguntou o garoto. 
        Apesar
de a ferrovia estar desativada há décadas, todos os moradores da cidade juravam
que, na noite em que o velho Richard se foi, ouviram um animado apito de trem
chegar aos seus ouvidos.
                                                  Marina Fecchio Rincon Caires de 17  anos. 
São Paulo - Capital.    
 

 
