Adriana
Gusmão Antunes
Horas, dias, meses e anos eram duvidosos crepúsculos em
minha existência.
Vivia eu, sem tempo, sem pressa, numa solidão de gêneses!
E nesse tempo, só o ouvir e o sentir eram suficientes para
existir!
Mesmo estando só, crescia feliz, contentava-me com o maná
materno de cada dia.
Cresci por demais e, um dia, já sem espaço, quis ir mais
além...
Fui expelido para longe do meu mundo pueril, navegante.
Pela primeira vez, chorei, senti a dor da perda, o frio do
inverno...
Houve um tempo em que contavam os meus dias,
Marcavam as horas, os meses, os anos e até meus centímetros!
Vivia eu, todo o tempo, cerceado por uma atenção familiar...
E, nesse tempo, descobri que além do ouvir, o sentir era mais
intenso.
Senti as primeiras: dores, sensação de fome, de saciedade,
O prazer da alegria, da afetuosidade, aprendi a ouvir e ser
ouvido...
Foram para mim dias, noites e tempos a fio a atenção dos
meus amantes...
Pela primeira vez, percebi toda a profundidade e ternura de
um olhar...
Houve um tempo em que precisei aprender a contar os meus
dias,
Em que esperei ansioso pela volta à habitação para abraçar
meus amados...
Não entendia o porquê deixavam-me só, aos cuidados de outros
olhares.
Olhares rasos, frios, desprovidos de familiaridade em plena
primavera!
Por anos a fio fizeram-me conhecedor de símbolos, signos,
números, palavras...
Aprendi a ser só, mesmo estando junto; conheci a solidão
para aprender ouvir os pássaros!
Cresci por demais e, um dia, caminhante entre uma estranha
multidão,
Fui expelido para longe do meu mundo infanto-juvenil, para o
calor do verão.
Houve um tempo em que o tempo fugia de mim... corria,
corríamos!
Nesse tempo, nasceu em tão bucólico peito a persistência de
um perene amor...
Pela primeira vez, aprendi a olhar para dizer sem palavras,
signos e símbolos.
Evoquei poesia, aprendi também a sentir e evocar o amar,
Aprendi a buscar meu lugar ao sol, que juntos havia
completude, satisfação, paixão.
Fiz-me conhecedor de corpos, toques, afagos, afetos, um
amante!
Dividir, compartilhar, renunciar, entender foram árduas
lições de outono!
Produtividade, responsabilidade, família e foco, estandartes
conflitantes...
Houve uma estação em que uma forte tempestade fez-me parar durante
uma longa temporada...
E, quando o meu amor partiu, entendi que fora enganado pelo
tempo...
Já sem ele, sem ela, me detive no caminho, questionei a
razão da jornada!
Só então percebi que houvera ocasiões em que as pessoas não
se lembravam de mim.
Sucessivos aniversários sem presentes, sem presenças, sem a
ternura de um olhar;
E foi nesse tempo que descobri que a vida era: ou colheita
ou profunda lembrança!
Negligenciara a semeadura, não cultivara herança, agora, homem
sem frutos!
Amadureci com o peso da solidão, do abandono, a dor da perda,
o passar dos anos!
Agora, vivo uma temporada em que eu mesmo conto o meu tempo!
Dias sucessivos sem a presença de amados ou de uma amante,
sinto o inverno nos ossos.
O sol esqueceu-se de me aquecer, a brisa já não balança meus
grisalhos cabelos...
A chuva temporã não mais ensopava minhas vestes em meios às
estações.
Sinto-me novamente sem espaço, querendo esticar-me um pouco
mais...
Não, já não cresço. Nessa solidão pereço, penso, escrevo,
espero!
Pressinto que aos poucos sou expelido para longe do meu
mundo varonil...
E, pela ultima vez, prantearei, sentindo a felicidade de
renascer para uma nova
estação da vida...
estação da vida...
Adriana Gusmão Antunes, professora,
é coordenadora da área de Língua Portuguesa; Coordenadora Municipal da OLP/2016.
Compõe a Academia Mateense de Letras.