segunda-feira, 22 de agosto de 2016

ESTAÇÕES DA VIDA


Adriana Gusmão Antunes

Houve um tempo em que eu não computava as estações.
Horas, dias, meses e anos eram duvidosos crepúsculos em minha existência.
Vivia eu, sem tempo, sem pressa, numa solidão de gêneses!
E nesse tempo, só o ouvir e o sentir eram suficientes para existir!
Mesmo estando só, crescia feliz, contentava-me com o maná materno de cada dia.
Cresci por demais e, um dia, já sem espaço, quis ir mais além...
Fui expelido para longe do meu mundo pueril, navegante.
Pela primeira vez, chorei, senti a dor da perda, o frio do inverno...

Houve um tempo em que contavam os meus dias,
Marcavam as horas, os meses, os anos e até meus centímetros!
Vivia eu, todo o tempo, cerceado por uma atenção familiar...
E, nesse tempo, descobri que além do ouvir, o sentir era mais intenso.
Senti as primeiras: dores, sensação de fome, de saciedade,
O prazer da alegria, da afetuosidade, aprendi a ouvir e ser ouvido...
Foram para mim dias, noites e tempos a fio a atenção dos meus amantes...
Pela primeira vez, percebi toda a profundidade e ternura de um olhar...

Houve um tempo em que precisei aprender a contar os meus dias,
Em que esperei ansioso pela volta à habitação para abraçar meus amados...
Não entendia o porquê deixavam-me só, aos cuidados de outros olhares.
Olhares rasos, frios, desprovidos de familiaridade em plena primavera!
Por anos a fio fizeram-me conhecedor de símbolos, signos, números, palavras...
Aprendi a ser só, mesmo estando junto; conheci a solidão para aprender ouvir os pássaros!
Cresci por demais e, um dia, caminhante entre uma estranha multidão,
Fui expelido para longe do meu mundo infanto-juvenil, para o calor do verão.
Houve um tempo em que o tempo fugia de mim... corria, corríamos!
Nesse tempo, nasceu em tão bucólico peito a persistência de um perene amor...
Pela primeira vez, aprendi a olhar para dizer sem palavras, signos e símbolos.
Evoquei poesia, aprendi também a sentir e evocar o amar,
Aprendi a buscar meu lugar ao sol, que juntos havia completude, satisfação, paixão.
Fiz-me conhecedor de corpos, toques, afagos, afetos, um amante!
Dividir, compartilhar, renunciar, entender foram árduas lições de outono!
Produtividade, responsabilidade, família e foco, estandartes conflitantes...

Houve uma estação em que uma forte tempestade fez-me parar durante uma longa temporada...
E, quando o meu amor partiu, entendi que fora enganado pelo tempo...
Já sem ele, sem ela, me detive no caminho, questionei a razão da jornada!
Só então percebi que houvera ocasiões em que as pessoas não se lembravam de mim.
Sucessivos aniversários sem presentes, sem presenças, sem a ternura de um olhar;
E foi nesse tempo que descobri que a vida era: ou colheita ou profunda lembrança!
Negligenciara a semeadura, não cultivara herança, agora, homem sem frutos!
Amadureci com o peso da solidão, do abandono, a dor da perda, o passar dos anos!

Agora, vivo uma temporada em que eu mesmo conto o meu tempo!
Dias sucessivos sem a presença de amados ou de uma amante, sinto o inverno nos ossos.
O sol esqueceu-se de me aquecer, a brisa já não balança meus grisalhos cabelos...
A chuva temporã não mais ensopava minhas vestes em meios às estações.
Sinto-me novamente sem espaço, querendo esticar-me um pouco mais...
Não, já não cresço. Nessa solidão pereço, penso, escrevo, espero!
Pressinto que aos poucos sou expelido para longe do meu mundo varonil...

E, pela ultima vez, prantearei, sentindo a felicidade de renascer para uma nova 

estação da vida...


Adriana Gusmão Antunes, professora,
                                                                                                    é coordenadora da área de Língua Portuguesa; Coordenadora Municipal da OLP/2016. 
Compõe a Academia Mateense de Letras.