quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O RESGATE NECESSÁRIO DA SENSIBILIDADE ECOLÓGICO-SOCIAL

Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.

Nos dias 19-23 de agosto na cidade de Copenhagen realizou-se o XIX Congresso internacional da Psicologia Analítica de C. G. Jung, do qual participei. Havia cerca de 700 junguianos, vindos de todas as partes do mundo, até da Sibéria, da China e da Coréia. A grande maioria analistas experimentados, muitos deles autores de livros relevantes na área. Uma tônica predominou: a necessidade de a psicologia em geral, e da analítica junguiana em particular, abrir-se ao comunitário, ao social e ao ecológico.
Esta preocupação vem ao encontro do próprio pensamento de C. G. Jung. Para ele a psicologia não possuía fronteiras, entre cosmos e vida, entre biologia e espírito, entre corpo e mente, entre consciente e inconsciente, entre individual e coletivo. A psicologia tinha que ver com a vida em sua totalidade, em sua dimensão racional e irracional, simbólica e virtual, individual e social, terrenal e cósmica, e em seus aspectos sombrios e luminosos. Por isso, tudo lhe interessava: os fenômenos exotéricos, a alquimia, a parapsicologia, o espiritismo, os discos voadores, a filosofia, a teologia, a mística ocidental e oriental, os povos originários e as teorias científicas mais avançadas. Sabia articular estes saberes, descobrindo conexões ocultas que revelavam dimensões surpreendentes da realidade. De tudo sabia tirar lições, hipóteses, e enxergar possíveis janelas sobre a realidade. Em razão disso, não cabia em nenhuma disciplina, motivo pelo qual muitos o ridicularizavam.
Esta visão holística e sistêmica precisamos hoje torná-la hegemônica na nossa leitura da realidade. Caso contrário, ficaremos reféns de visões fragmentadas que perdem o horizonte do todo. Nesta diligência Jung é um interlocutor privilegiado, particularmente no resgate da razão sensível.
Coube a ele o mérito de ter valorizado e tentado decifrar a mensagem escondida dos mitos. Eles constituem a linguagem do inconsciente coletivo. Este possui relativa autonomia. Ele nos possui mais a nós do que nós a ele. Cada um de nós é mais pensado do que propriamente pensa. O órgão que capta o significado dos mitos, dos símbolos e dos grandes sonhos é a razão sensível, ou a razão cordial. Esta foi, na modernidade, colocada sob suspeita, pois poderia obscurecer a objetividade do pensamento. Jung sempre foi crítico do uso exacerbado da razão instrumental-analítica, pois ela fecha muitas janelas da alma.
Conhecido foi o dialogo que Jung manteve em 1924-1925 com um indígena da tribo Pueblo, no Novo México, nos USA. Este indígena achava que os brancos eram loucos. Jung lhe perguntou por que os brancos seriam loucos? Ao que o indígena respondeu: ”Eles dizem que pensam com a cabeça”. “Mas é claro que pensam com a cabeça” retrucou Jung. “Como vocês pensam”? – arrematou. E o indígena, surpreso, respondeu: ”Nós pensamos aqui” e apontou para o coração (Memórias, Sonhos, Reflexões, p. 233).
Esse fato transformou o pensamento de Jung. Entendeu que os europeus haviam conquistado o mundo com a cabeça, mas haviam perdido a capacidade de pensar e sentir com o coração e de viver através da alma.
Logicamente não se trata de abdicar da razão – o que seria uma perda para todos – mas de recusar o estreitamento de sua capacidade de compreender. É preciso considerar o sensível e o cordial como elementos centrais no ato de conhecimento. Eles permitem captar valores e sentidos presentes na profundidade do senso comum. A mente é sempre incorporada, portanto, sempre impregnada de sensibilidade e não apenas cerebrizada.
Em suas Memórias, Jung diz: ”há tantas coisas que me repletam: as plantas, os animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens. Quanto mais me sinto incerto sobre mim mesmo, mais cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o todo”( 361).
O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de viver um sentimento de pertença, coisa que as religiões sempre garantiam. O que se opõe à religião não é o ateísmo, ou a negação da divindade. O que se opõe é a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Hoje as pessoas estão desenraizadas, desconectadas da Terra e da anima, que é a expressão da sensibilidade e espiritualidade.
Para Jung, o grande problema atual é de natureza psicológica. Não da psicologia entendida como disciplina, ou apenas como dimensão da psique. Mas psicologia no sentido abrangente, como a totalidade da vida e do universo enquanto percebidos e articulados com o ser humano. É neste sentido que escreve: “É minha convicção mais profunda de que, a partir de agora, até a um futuro indeterminado, o verdadeiro problema é de ordem psicológica. A alma é o pai e a mãe de todas as dificuldades não resolvidas que lançamos na direção do céu” (Cartas III, 243).
Se não resgatarmos hoje a razão sensível, que é uma dimensão essencial da alma, dificilmente nos mobilizaremos para respeitar a alteridade dos seres, amar a Mãe Terra com todos os seus ecossistemas, e vivermos a compaixão com os sofredores da natureza e da humanidade.

Jung e a construção da psicologia analítica

Carl Gustav Jung é precursor da Psicologia Analítica, resultado de seus encontros e desencontros com a teoria de Sigmund Freud.




Carl Gustav Jung optou por estudar psiquiatria a fim de compreender o biológico e o espiritual cientificamente 
Carl Gustav Jung optou por estudar psiquiatria a fim de compreender o biológico e o espiritual cientificamente
Quem foi Jung?
Carl Gustav Jung nasceu na Suíça em 1875. Criado numa atmosfera religiosa que não compreendia e que custava a sustentar, Jung interessou-se pelo mundo dos sonhos, da fantasia, da religião e dos mitos. Alguns estudos dizem que a proximidade com o divino é algo que Jung atribuiu a uma espécie de herança materna, enquanto que a fé no sentido do ritual cego e inquestionado teria sido algo herdado de seu pai.
Além das questões religiosas, Jung aproximou-se de conhecimentos em ciências naturais, com um interesse desperto pela possibilidade de compreensão da realidade através desses estudos. Para Jung, a contrariedade entre ciência e religião era a base de suas insatisfações. Em meio a esses questionamentos acerca do mundo, Jung decidiu-se pelos estudos em psiquiatria, como forma de compreender o biológico e o espiritual cientificamente. Entre os autores que estudou, podemos destacar as influências filosóficas de Kant, Platão , Goethe e Schopenhauer.
Em seus estudos em psiquiatria e na prática clínica, Jung tentou humanizar o serviço de atendimento aos pacientes, buscando investigar, para além dos sintomas, as questões existenciais que cada sujeito lhe trazia, tornando cada sessão clínica um encontro único, repleto de significados. Dessa forma, evitava rotulações aos pacientes e padronizações em termos de cuidados e tratamentos, ressaltando os aspectos individuais de cada caso. Nessa época, Jung já utilizava uma técnica rudimentar de associação de palavras, que dava grande valor aos relatos de seus pacientes.
A relação com Sigmund Freud
Mais tarde, Jung mudou-se para Paris e começou a realizar testes de seu experimento associativo visando sua utilização para diagnósticos. Nesse momento de sua carreira, Jung conheceu Sigmund Freud e sua obra e os dois passaram a trocar trabalhos e cartas, casos clínicos, teorias etc. A primeira conversa dos dois estudiosos teria durado treze horas ininterruptas, que foi o início de uma relação de trocas que duraria quase sete anos.
O rompimento das relações se deu por motivos teóricos: Freud não aceitava o interesse de Jung pelo espiritual como campo de estudo em si e Jung discordava das teorias do trauma sexual propostas por Freud. Nos anos do rompimento, Freud teve seus livros queimados pelos Nazistas, enquanto que as teorias de Jung se disseminavam e ele era visto como um dos mais significativos expoentes da psiquiatria alemã. Foi justamente a angústia da separação entre Jung e Freud que rendeu material para que Jung pudesse continuar seus estudos, agora muito mais voltados para os estudos da relação indivíduo e imaginação, afastando-se das teorizações sexuais de Freud.
A psicologia analítica de Jung
A partir de seus estudos, Jung desenvolveu o que mais tarde ficaria conhecido como “Psicologia Analítica” que investiga sonhos, desenhos e outros materiais como vias de expressão do inconsciente. Jung, diferentemente de Freud, assumiu a existência do que ele denomina inconsciente coletivo que, diferentemente do individual, seria composto por uma tendência à sensibilização de elementos como imagens e símbolos, a partir de um apelo universal. Esses símbolos de importância coletiva seriam os conhecidos arquétipos junguianos. A proposta de intervenções clínicas de Jung consistia justamente em explorar o diálogo entre os conteúdos inconscientes e os arquétipos, e seria justamente a distância entre esses elementos a origem do adoecimento psíquico.
No Brasil, a teoria junguiana teve bastante ressonância. Entre seus estudiosos mais conhecidos, está a Dra. Nise da Silveira que escreveu um livro chamado “Jung: Vida e Obra”. Nise é fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente, que foi resultado de seu incansável incentivo às produções artísticas dos internos do hospital psiquiátrico, analisadas pela abordagem junguiana.
Como saber mais?
A fonte mais expressiva de informações sobre Carl Gustav Jung é sua autobiografia, intitulada “Memórias, Sonhos e Reflexões”, lançada em 1961.
No ano de 2012, David Cronenberg dirigiu o filme “A Dangerous Method” (Um Método Perigoso) que conta a história do encontro entre Freud e Jung, além de abordar as vicissitudes da união e separação das teorias.

Juliana Spinelli Ferrari
Colaboradora Brasil Escola
Graduada em psicologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista
Curso de psicoterapia breve pela FUNDEB - Fundação para o Desenvolvimento de Bauru
Mestranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP - Universidade de São Paulo