Memórias de um Soldado
Bárbara Perez, poetisa, fundadora e presidente da Academia Marataizense de Letras, Correspondente da Academia Cachoeirense de Letras, em breve Acadêmica ACLAV.
Guerreira e defensora dos ideais literários e poéticos.
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Bárbara, à direita. |
Nossa missão
seguiu até certo trecho do caminho em vários caminhões camuflados, depois,
dando continuidade ao comando ordenado, seguíamos a pé, embrenhados em cerrado
bucólico, na missão de treinamentos ostensivos de guerra, em sentinelas e
sentidos, obedientes, submissos aos ofícios determinados. Era a nossa missão: ofícios de comandos
rigorosos e os nossos destinos de homens. Quais são as regras impostas,
imposições e regimes altamente treinados, se o coração do soldado camuflado
segue uma ética e moral que assimilam a sua conduta e disciplina pessoal? Um
intercâmbio entre a missão militar e o homem vulnerável, porém disciplinado!
Ó, Meu Deus! Era
até bonito de se ver, mais de 700 soldados seguindo marcha reta, cantando o
Hino da Marinha do Brasil: “Soldados da Liberdade”. Adentramos cada vez mais
por entre os cerrados bucólicos; e ali, longas noites nos foram companhias;
perdíamos a noção de tempo, de frações, de minutos... Mas, que tirania a nossa
pensarmos em tais detalhes fugazes, se a determinação seria alcançada, a missão
cumprida. Venceríamos o tempo, a fome, a solidão covarde e a saudade da mulher
amada! Até nesses momentos rigorosos, o
coração guerreiro camuflado, eleva ao infinito esverdeado uma prece de apoio
militar. Que importavam os uivos assustadores, os sons extravagantes
desconhecidos, típicos da mata, as longas noites de perseguições aos inimigos
de uma guerra simulada nas emboscadas frias e calculistas?
Foram dias
intermináveis, onde o silêncio da Mata Atlântica era açoitado pelos tiros e
bombas, fazendo retomar o coração selvagem do soldado apaixonado. O homem em
confronto com todas as abstinências carnais, deparando entre a missão e a
natureza: trava-se um duelo pessoal!
Quem se importaria
com os soldados picados e estraçalhados pelos bichos peçonhentos, olhos
vermelhos vencidos pelo cansaço de longas noites em vigílias?
Que importâncias
dariam aos nossos corpos emagrecidos, desfalecidos, perseguidos pela fome na
missão determinada? Na hora do “picado”, já também ficando escasso, e quantas
vezes em nosso “engodo”, bichos voadores nos faziam companhia invadindo a
panela de barro encardido, exposta no chão nu... Mas, para que lamentações
indignadas, se nesse momento sofrido, mais parecia uma exuberância destemida
dos soldados camuflados?
E eu a reclamar de
coisas tão insignificantes... Se todos esses momentos se transformariam num
cenário ao longo dos anos, a ser contado pelos soldados nas mais diversas
formas! Foram mais de cem dias embrenhados pela Mata Atlântica... E então, para
que falar da malvada solidão, se a mulher amada me espera no parapeito da
janela rústica, onde em pose de rainha aguarda o seu soldado guerreiro, vindo
de uma missão cumprida?
O soldado retorna.
Feito um bicho feroz, portão adentra, buscando sentir no faro os cheiros domésticos
tão peculiares, mas o que encontrou foi um mórbido silêncio fúnebre.
O cão com os
olhos tristonhos não fazia algazarras; o viveiro repleto de canários estava
silencioso; a janela majestosa estava fechada e a rainha de olhos brilhantes e
festivos não repete a mesma cena, pois havia um vazio em toda a casa.
O soldado mostra-se
estático... Receoso... Alarmado! O coração selvagem dispara os batimentos,
alterando-lhe a cor e o pulsar das veias acelerado pelo frenesi do corpo
estremecido...
O cão tristonho já
sabia de sua trágica história, os canários, também cúmplices da tristeza,
emudeceram e a casa aquietava... Em cada cômodo a dor e a solidão seriam
plágios e réplicas de uma saudade interminável, onde o destino em imensuráveis
atropelos escondia do homem a sua própria covardia!
O soldado ao
voltar, recebeu a trágica notícia do precoce falecimento de sua amada
companheira, levando consigo no abdômen pulsante, um feto em composição de uma
vida! E perdeu-se nessas duas vidas, a sua própria vida!
O soldado fora
condecorado nessa missão e em tantas outras também, sendo sempre o melhor dos
melhores.
As medalhas e os
troféus estão empoeirados num canto qualquer da casa e representam a história
de um guerreiro que até hoje se mantém de pé e lutando.
Às vezes, quando
estendido ao longo de sua solidão, duas lágrimas grandes tiradas da alma vêm
lavar seu rosto trêmulo, coberto de rugas, consequências do tempo...
E, nesse momento
perverso, sofrido, ele murmura por entre as duas lágrimas:
- O soldado
perde a sua própria vida, mas não perde uma batalha!