sábado, 1 de junho de 2013

O GUERREIRO


Memórias de um Soldado

Bárbara Perez, poetisa, fundadora e presidente da Academia Marataizense de Letras, Correspondente da Academia Cachoeirense de Letras, em breve Acadêmica ACLAV. 
Guerreira e defensora dos ideais literários e poéticos.

Bárbara, à  direita.
       Estou deitado no coração de uma mulher e pelos seus ouvidos apurados em insígnias poéticas, vou ditando palavras em regras assimiladas, postagens de uma missão e pela sua boca transbordante em sons ictéricos, vou murmurando entre lágrimas e dores a minha velha história... Éramos mais de 700 soldados convocados para uma missão de rigoroso treinamento de guerra na Mata Atlântica. Carregávamos nos corações o fardo pesado da saudade, deixada em marcas de cicatrizes por mãos calejadas dos fuzis empinados no corpo da mulher amada. O pesado fardo das mochilas com nossos artefatos, comidas, rifles e bombas não eram tão pesadas quanto à dor da saudade (esse sentimento estilhaçado pelo bombardeio dos nossos corações apaixonados).

     Nossa missão seguiu até certo trecho do caminho em vários caminhões camuflados, depois, dando continuidade ao comando ordenado, seguíamos a pé, embrenhados em cerrado bucólico, na missão de treinamentos ostensivos de guerra, em sentinelas e sentidos, obedientes, submissos aos ofícios determinados.     Era a nossa missão: ofícios de comandos rigorosos e os nossos destinos de homens. Quais são as regras impostas, imposições e regimes altamente treinados, se o coração do soldado camuflado segue uma ética e moral que assimilam a sua conduta e disciplina pessoal? Um intercâmbio entre a missão militar e o homem vulnerável, porém disciplinado!

    Ó, Meu Deus! Era até bonito de se ver, mais de 700 soldados seguindo marcha reta, cantando o Hino da Marinha do Brasil: “Soldados da Liberdade”. Adentramos cada vez mais por entre os cerrados bucólicos;  e  ali, longas noites nos foram companhias; perdíamos a noção de tempo, de frações, de minutos... Mas, que tirania a nossa pensarmos em tais detalhes fugazes, se a determinação seria alcançada, a missão cumprida. Venceríamos o tempo, a fome, a solidão covarde e a saudade da mulher amada!  Até nesses momentos rigorosos, o coração guerreiro camuflado, eleva ao infinito esverdeado uma prece de apoio militar. Que importavam os uivos assustadores, os sons extravagantes desconhecidos, típicos da mata, as longas noites de perseguições aos inimigos de uma guerra simulada nas emboscadas frias e calculistas?

   Foram dias intermináveis, onde o silêncio da Mata Atlântica era açoitado pelos tiros e bombas, fazendo retomar o coração selvagem do soldado apaixonado. O homem em confronto com todas as abstinências carnais, deparando entre a missão e a natureza: trava-se um duelo pessoal!

   Quem se importaria com os soldados picados e estraçalhados pelos bichos peçonhentos, olhos vermelhos vencidos pelo cansaço de longas noites em vigílias?

    Que importâncias dariam aos nossos corpos emagrecidos, desfalecidos, perseguidos pela fome na missão determinada? Na hora do “picado”, já também ficando escasso, e quantas vezes em nosso “engodo”, bichos voadores nos faziam companhia invadindo a panela de barro encardido, exposta no chão nu... Mas, para que lamentações indignadas, se nesse momento sofrido, mais parecia uma exuberância destemida dos soldados camuflados?

   E eu a reclamar de coisas tão insignificantes... Se todos esses momentos se transformariam num cenário ao longo dos anos, a ser contado pelos soldados nas mais diversas formas! Foram mais de cem dias embrenhados pela Mata Atlântica... E então, para que falar da malvada solidão, se a mulher amada me espera no parapeito da janela rústica, onde em pose de rainha aguarda o seu soldado guerreiro, vindo de uma missão cumprida?

    O soldado retorna. Feito um bicho feroz, portão adentra, buscando sentir no faro os cheiros domésticos tão peculiares, mas o que encontrou foi um mórbido silêncio fúnebre.

     O cão com os olhos tristonhos não fazia algazarras; o viveiro repleto de canários estava silencioso; a janela majestosa estava fechada e a rainha de olhos brilhantes e festivos não repete a mesma cena, pois havia um vazio em toda a casa.

   O soldado mostra-se estático... Receoso... Alarmado! O coração selvagem dispara os batimentos, alterando-lhe a cor e o pulsar das veias acelerado pelo frenesi do corpo estremecido...

   O cão tristonho já sabia de sua trágica história, os canários, também cúmplices da tristeza, emudeceram e a casa aquietava... Em cada cômodo a dor e a solidão seriam plágios e réplicas de uma saudade interminável, onde o destino em imensuráveis atropelos escondia do homem a sua própria covardia!

   O soldado ao voltar, recebeu a trágica notícia do precoce falecimento de sua amada companheira, levando consigo no abdômen pulsante, um feto em composição de uma vida! E perdeu-se nessas duas vidas, a sua própria vida!

   O soldado fora condecorado nessa missão e em tantas outras também, sendo sempre o melhor dos melhores.

   As medalhas e os troféus estão empoeirados num canto qualquer da casa e representam a história de um guerreiro que até hoje se mantém de pé e lutando.

    Às vezes, quando estendido ao longo de sua solidão, duas lágrimas grandes tiradas da alma vêm lavar seu rosto trêmulo, coberto de rugas, consequências do tempo...

    E, nesse momento perverso, sofrido, ele murmura por entre as duas lágrimas:

      - O soldado perde a sua própria vida, mas não perde uma batalha!

 Dedicado ao Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil.