A falta de inclusão de tombamento do entorno permitiu ser feito o que se vê. Uma pena! |
Eis alguns lumes sobre tombamento. Resultam de uma pesquisa mais profunda que acabo de fazer sobre o instituto e que desejo expor, ao menos, em parte. Muitas vezes, conhecer detalhes ajuda a formar conceitos e via de conseqüência, ser mais cidadão, ajudando a preservar.
Trata-se de assunto do qual muito se ouve falar, mas que tanto quanto, se conhece pouco. Para muitos a palavra tombamento soa como algo que cai, do mesmo modo que vedado para quem ainda não consultou um dicionário, longe está de representar o que é proibido.
A legislação sobre o assunto anda um tanto vetusta. Trata-se do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 e da Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961. Mas como naquelas que a precederam, nesta Constituição Federal, temos os soberanos arts 215 e 216 legitimando-o. – No Estado, o Decreto 626-N de 28 de fevereiro de 1975.
Como conceito, optei pelo bem elaborado que consta do manual que o Departamento do Patrimônio Histórico do município de São Paulo publicou "Tombamento e Participação Popular", segundo o qual: "tombamento é um ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, através da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados".
Podem ser tombados bens móveis ou imóveis de interesse cultural ou ambiental, quais sejam: fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas, etc. Mas somente é aplicado a bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva, por sua vinculação a fatos memoráveis da história, quer por seu excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico, artístico ou científico. (inc. I art. 2º Dec. 626N/75)
A competência para fazer tombamento é da União através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; pelo Governo Estadual, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado – no nosso Espírito Santo, pelo Conselho Estadual de Cultura, criado pela Lei Complementar 6/67 – ou, pelas administrações municipais, utilizando leis específicas ou a legislação federal.
Em tese, o tombamento não altera a propriedade de um bem; apenas proíbe que venha a ser destruído ou descaracterizado. Logo, um bem tombado não necessita ser desapropriado. Desde que continue a ser preservado, não existe qualquer impedimento para a venda, aluguel ou herança. Caso tenha a intenção de vendê-lo, o proprietário fará antes, uma comunicação prévia à instituição que efetuou o tombamento, para que exerça seu direito preferencial de compra do mesmo.
O Tombamento preserva os bens culturais na medida que impede legalmente a sua destruição. No caso de bens culturais, preservar não é só a memória coletiva, mas todos os esforços e recursos já investidos para sua construção. A preservação somente torna-se visível para todos, quando um bem cultural encontra-se em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização.
O tombamento deve-se estender ao entorno, aquela área de projeção localizada na vizinhança, que há de ser delimitada com objetivo de preservar a sua ambiência e impedir que novos elementos obstruam ou reduzam sua visibilidade. É da competência do órgão que efetuou o Tombamento estabelecer tais limites e as diretrizes para as eventuais intervenções nas referidas áreas.
Além disto, como acrescenta o manual referido, não se pode dizer que o Tombamento de edifícios ou bairros inteiros "congela" a cidade impedindo sua modernização. Ao contrário. A proteção do patrimônio ambiental urbano está diretamente vinculada à melhoria da qualidade de vida da população, pois a preservação da memória é uma demanda social tão importante quanto qualquer outra atendida pelo serviço público.
De acordo com a Carta Magna, tombar não significa cristalizar ou perpetuar edifícios ou áreas, inviabilizando toda e qualquer obra que venha contribuir para a melhoria da cidade. Preservação e revitalização são ações que se complementam e juntas podem valorizar bens que se encontram deteriorados.
O tombamento será voluntário ou compulsório. Voluntário é o que é pedido pelo próprio proprietário. E não é seletivo, qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar aos órgãos responsáveis pela preservação, o tombamento de bens culturais e naturais.
Com um requerimento, ocorre a abertura do processo que após aferição técnica preliminar, é submetido à deliberação dos órgãos responsáveis pela preservação. No caso de ser aprovada a intenção de proteger um bem cultural ou natural é desde então, expedida ao seu proprietário, uma Notificação. A partir desta Notificação o bem já se encontra legalmente protegido contra destruíções ou descaracterizações até que seja tomada a decisão final. O Processo termina com a respectiva inscrição no Livro Tombo e comunicação formal aos proprietários.
Um imóvel tombado ou em processo de tombamento só pode ser reformado com aprovação do órgão que efetuou o tombamento. A aprovação depende do nível de preservação do bem e está sempre vinculada à necessidade de serem mantidas as características que justificaram o tombamento. Para tanto, a maioria desses órgãos de preservação fornece gratuitamente aos interessados a orientação indispensável, no sentido de que executem com êxito, as obras que pretendem, de conservação ou restauração dos bens tombados.
Mas esta não é a única forma de preservação. Existem outros ramos. O inventário, por exemplo, é a primeira forma para o reconhecimento da importância dos bens culturais e ambientais, através do registro de suas características principais. (v. § 1º art 216 CF). Em nível municipal, são os Planos Diretores que se encarregam de estabelecer formas de preservação do patrimônio através do planejamento urbano. Aos municípios, compete promover o desenvolvimento das cidades sem a destruição do patrimônio. Podem e devem ainda, criar leis específicas que estabeleçam incentivos à preservação.
Através da ação do Ministério Público, qualquer cidadão pode impedir a destruição ou descaracterização de um bem de interesse cultual ou natural, solicitando apoio ao Promotor de Justiça local. Ele está instruído a promover, com agilidade, a preservação, acionando os órgãos responsáveis da União, Estado ou Município.
Entretanto, não obstante a importância e relevância de que se reveste a medida, não é o caso de se aceitar pura e simplesmente o tombamento de um imóvel se este inviabilizar a propriedade que é direito constitucional. Exatamente por isto, a Carta Maior prevê que não se excluirá de apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito; (inc. XXXV art. 5º).
Admitamos uma hipótese. Alguém compra lotes em uma área. A transação é legítima, o vendedor lhe outorga uma escritura que é devidamente registrada. Quando pensa em construir, se vê impossibilitado porque lhe foi revelado que a área foi tombada, faz parte do Parque Tal, que aquela é uma área de preservação permanente.
Aqui, a propriedade (inc. XXII, art. 5º CF) é ferida. Fica inviabilizado o direito. Porque, mesmo que se possa vender o imóvel tombado, ninguém vai querer comprar, para depois se ver na mesma condição de não poder dispor dele, de não o poder usar.
Se por um lado, é verdade que o tombamento independe de desapropriação, porque é um instituto que não fere a propriedade, eis um caso em que a desapropriação se impunha. O Poder Público não pode transformar o que é meu em bem de todos, às custas de minha propriedade, do que eu de boa fé, comprei, paguei, escriturei e registrei.
Se não podia ser vendido, antes, não podia ser escriturado, depois, registrado, porque o tabelião e o oficial do registro que têm delegação estatal para dando fé, procederem a estes atos, tinham obrigação de saber o quê e quando podem e devem proceder segundo seus ofícios.
É para o bem comum? Precisamos de áreas de preservação? que seja mantido o tombamento, mas indenize-se quem de direito. Porque seu direito de uso do que lhe pertence foi ferido, porque agentes do Estado procederam a atos revestidos das formalidades legais, porque da parte do poder público é que faltou oposição do óbice capaz de impedir alguém de não poder dispor do que adquiriu. E, tudo se acrescente, após praticar com diversos ônus, segundo a lei, os atos condutores ao direito de propriedade.
Ou diversamente do que prevê o art. 524 do Código Civil Brasileiro, a lei já não assegura, ao proprietário, o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer injustamente os possua.