Apenas uma ilustração. A casa não era assim. |
Quando era criança, não tínhamos diversões como as que a criançada tem hoje, nem por isso deixávamos de nos divertir. Criávamos, as brincadeiras era a gente mesma que inventava.
Em compensação não existem agora, mas naquele tempo existiam apresentações do folclore por exemplo, que passavam de uma geração à outra do mesmo jeito, como as Pastorinhas das quais contudo, só ouvi falar. Tinham seu ritual. Em Conceição da Barra subsistiram mais tempo, graças a Profª. Nininha.
Dizem que quem ensaiava as meninas era D. Rosalina[1], aquela que fabricava bonecas de pano, sempre horrorosas, não havia como ser diferente se os meios eram parcos, pano mesmo, uma tinta para desenhar boca, nariz, olhos e sobrancelhas, agulha e linha. Mesmo assim, D. Rosalina teve o desplante de achar um dia, que uma das suas criações saira “a cara” de Thedir. Imagine se a prima pode ter gostado, nem um pouco.
Mas não sei se ela conseguia ensaiar as Pastorinhas que se apresentavam em “Dia de Reis” já que um grupo de meninas, entre elas minha mãe, ao invés de prestar atenção ao que explicava, por gozação, saia atrás dela dançando e cantando ao mesmo tempo. Assim não dava.
Mas como comecei dizendo, nós inventávamos as brincadeiras que queríamos. É certo que se usava passar férias na casa de algum tio. Assim, a “roça de tio Gigi” tinha mais que o sabor de Disney.
Livres dos estudos, perguntávamos: vovó, que dia o tio Gigi chega? Como se ele não viesse sempre de sua roça fazer compras, trazer coisas, não estivesse sempre “na cidade”. Deslocava-se a cavalo.
Roupa embolada em alguma sacola, a hora da partida era só alegria. Na anca do cavalo, o trajeto de menos de dez quilômetros era verdadeiro sonho, pela mata ainda densa. Aqui, ouvia-se um silvo: “o que é tio? Deve ser o Saci pererê”. Ficava quietinha, mas não tinha medo, imagine quem teria medo ao lado de tal escudo!
Na ponta de algum galho, podia ser vista uma enorme e arredondada “casa de cupim”. “Que é aquilo, tio? É a luz que ilumina a mata. De noite, fica tudo iluminado”. Claro que acreditei.
Na chegada, o êxtase se fazia ao ver o córrego. Banhos de córrego? Nada melhor, nem maior a delícia. Mais fundo (cerca de oitenta centímetros) em uma parte, no prosseguimento se tornava muito raso, principalmente na altura da cancela de entrada; prosseguindo, de novo afundava para delicia dos porcos que eram cevados, num chiqueiro.
Andando pelo seu curso a cima, se atravessava uma matinha que dificilmente hoje se possa ainda ver em algum lugar, com raízes se deixando lustrar pelas águas, troncos molhados, alguns se interpondo, sem obstacular a passagem.
Tia Dora tinha sempre alguma coisa gostosa para comer, um bolo de aipim com coco, um beiju de amendoim, cuscuz de coco, tudo com ingredientes da própria plantação.
Sobretudo, tinha as meninas, umas mais velhas, outras das mesmas idades e nos fazíamos a mais bela companhia. Era mole subir e descer a ladeira entre a casa e o córrego, dezenas de vezes por dia.
A lagoa era perto, mas pensávamos que fosse muito longe. Era um passeio especial, implicava fazer uma programação para chegar lá, tinha até jacaré...
Quando era tempo, a Casa de Farinha atraia pelo tamanho, pela possibilidade de subir até a colmeeira, andar perto do telhado, era um Parque de diversões.
Ali é que um monte de mandioca era colocado, todas nós com os adultos descascávamos a raiz, que depois passava por todo um processo, até chegar ao grande forno de bandeja redonda, apropriada. Braços fortes acionavam um rodo de madeira de um lado para outro, da direita para a esquerda, para frente e para trás, e assim era torrada a farinha.
Se o rapaz que tocava os bois na roda em que a raiz era triturada desse chance, dávamos uma voltinha, assentada no pequeno suporte/banco a tanto destinado, atrás da junta de bois.
Qualquer coisa servia para brincar, inclusive procurar pacientemente papel (que era raro) para acender e jogar pelo buraco do “vaso”, feito de madeira, na verdade, um caixote, WC fora de casa, para ver o cocô. Pode?
Os dias eram iguais. Fazíamos as mesmas coisas todos os dias, mas não dava para perceber, mesmo o que se repetia tinha sabor de novidade.
Férias magníficas, valeu a pena viver naquele tempo, como valeu!
[1] Conta-se que Rosalina do Rego preferiu não se casar a ter que adotar o sobrenome do marido, um tal Fulano Roxo. Não aprovou a idéia de vir a ser: Rosalina do Rego Roxo.